10 de julho de 2016

Alma na poesia de Nâzim Hikmet...


O que você acha?”
“é claro que você sente
         talvez perceba
                mas duvido que entenda.
De qualquer modo – e daí?
Mesmo que você entenda, vai acabar esquecendo.
Foi algo instantâneo que veio e foi embora
           ou está prestes a ir.
E se não for embora, você vai acabar se acostumando.
E uma vez que se acostume, não haverá problemas.
O hábito restaura
    o conforto de nunca ter sentido
              percebido
         ou compreendido nada.”
                                        p.189
Nâzim Hikmet 

3 de julho de 2016

A Música não possui idioma...


As lendas falam da história oral dos povos e suas culturas. Uma delas, que não conheço a referência, por ser muito antiga em meus arquivos, diz respeito à música. Cito um trecho, na compreensão de que, a arte, seja qual for sua expressão: literatura, poesia, pintura, desenho, fotografia, filme, música, não possuem idiomas, são universais. Para embelezar a vida nascem na alma, é fruto do amor. Então aqui está o referido texto:

“Inúmeras lendas chinesas atestam maiores, e até mágicas, possibilidades da música. Uma, por exemplo, nos conta como o mestre de música Wen de Cheng aprendeu a dominar os elementos. O Mestre Wen acompanhava o grande Mestre Hsiang em suas viagens. Durante três anos Mestre Wen arranhou as cordas da cítara, mas não lhes arrancou melodia alguma. Disse-lhe, então, Mestre Hsiang: “Deixe disso, vá para casa.” Depondo o instrumento no chão, Mestre Wen suspirou e respondeu: “Não é que eu não possa produzir uma melodia. O que tenho em mente não se relaciona com cordas; não viso a tons. Enquanto não o tiver alcançado no coração não poderei expressá-lo no instrumento; portanto, não me atrevo a mover a mão e ferir as cordas; Dê-me, porém, um pouco de tempo e examine-me depois.”
“Volvido algum tempo, voltou e aproximou-se outra vez de Mestre Hsiang, que lhe perguntou: “E então? Como vai a sua execução?” Era primavera, mas quando Mestre Wen dedilhou a corda Shang e acompanhou-lhe o dedilhar com o oitavo semitom, um vento frio se levantou e os arbustos e as árvores deram frutos. Agora era outono.”
“Mestre Wen dedilhou novamente uma corda, desta feita a corda Chiao, e acompanhou-a com o segundo semitom: ergueu-se uma brisa lânguida e quente, os arbustos e as árvores floresceram.”
“Era verão agora, mas ele feriu a corda Yü e fez que lhe respondesse o décimo primeiro semitom, o que provocou a queda da geada e da neve e o congelamento dos rios e dos lagos.”
“Quando o inverno chegou, tocou a corda Chih e acompanhou-a com o quinto semitom: rompeu o Sol e o gelo imediatamente se derreteu.”
“Finalmente, Mestre Wen de Cheng tangeu a corda Kung e o fez em uníssono com as outras quatro cordas: formosos ventos murmuraram, ergueram-se nuvens de boa fortuna, entrou a cair um doce orvalho e os mananciais das águas avolumaram-se, pujantes.”
“Está claro que não se deve tomar essa lenda pelo seu valor ostensivo. Os chineses criam, de fato, que a música influi nos fenômenos da natureza. Não acreditavam, todavia, se pudesse esperar que os tons do homem mortal fossem capazes de evocar, literalmente, uma estação depois da outra, como afirma a lenda de Mestre Wen de Cheng. Mas se atentarmos melhor para a história, sem esquecer a grande tendência do antigo espírito chinês a gravitar em torno de assuntos espirituais e a expressar-se em termos simbólicos, um significado mais profundo se erguerá, revelado, ante nossos olhos:”
“As quatro cordas externas da cítara e as quatro estações simbolizam a antiga concepção dos quatro aspectos do homem: sua mente abstrata, sua mente concreta, suas emoções e seu corpo físico. (Estes quatro vieram, mais tarde, a ser chamados pelos alquimistas da Europa, “Fogo, Ar, Água e Terra”.) Mestre Wen não pode satisfazer ao seu guru, Mestre Hsiang, porque ainda não senhoreou os quatro aspectos do seu ser. Em razão disso, não lhe é dado executar música sublime. Mas afasta-se e só volta depois de haver atingido a plena florescência da espiritualidade do seu coração. Agora, Mestre Wen pode dedilhar as quatro cordas externas e provocar com elas um grande efeito. Da mesma forma, e muito mais significativamente, logrou o domínio total de seus processos mentais abstratos e concretos, da sua natureza emocional e física, e pode “tocá-las”.
“Qual é o resultado desse império sobre o espírito e o corpo? O resultado vital é que, ao tanger as quatro “cordas” externas (sua natureza quádrupla) em uníssono, ele aprendeu também a ferir a corda central Kung (correspondente ao Eu Superior ou natureza espiritual). Da base quadrilateral da pirâmide da vida, elevou-se ao próprio ápice da perfeição.”
“Alcançou o pleno domínio de si e, em vista disso, seu gênio interior manifesta-se agora desde o coração. Em vista disso também sua música atingiu os níveis necessários de grandeza exigidos pelo guru. A moral aqui é dupla: em primeiro lugar, cumpre-nos dominar nossa natureza quádrupla antes de lograr o nosso pleno desenvolvimento. Em segundo lugar, somente depois de consegui-lo podemos executar a música que realmente vale a pena ser executada. Outra narrativa lendária, tirada do Shu King (Livro de odes) descreve uma música tão sublime que invocava a presença dos grandes homens espirituais do passado que se haviam alçado ao céu, Kwei, o músico-chefe do imperador Shun, disse: quando eles bateram de leve e com força na pedra ressoante, e feriram e varreram o ch’in e o shê, a fim de se afinarem com o canto, antepassados e progenitores desceram e visitaram-nos. Seus hóspedes ocuparam as cadeiras principais. E as hostes dos nobres virtuosamente cederam (os lugares uns aos outros) No fundo da sala estavam as flautas e os tambores, que foram levados a soar em uníssono ou eram interrompidos pelas batidas ou pelo arrastar de pés dos lacaios, enquanto a flauta de Pã e o sino indicavam os intervalos.”..