Por certo
que o inconsciente não é terra que ninguém percorre em férias. É uma caverna
obscura cuja lembranças, se não forem liberadas pela censura do ego, o
superego, se confundem, se fundem, se escodem, e se condensam para não serem
descobertas. É terreno obscuro. Não é para amadores. Os iniciantes são tragados
por suas imagens, como se fosse o real, mas muitas vezes são condensações que precisam
ser reveladas vagarosamente, e isso pode levar a eternidade. Ainda não é
possível na terra percorrer o inconsciente “em dobra”, como nos filmes de
ficção, no espaço.
A
consciência como determinada e dirigida pelo inconsciente é uma concepção de
Jung. De certa forma nossa vida é mais inconsciente do que consciente. E isso é
pensar em transcendência. Mas não acreditamos que os conteúdos inconscientes
estão a priori excluídos da consciência, ao contrario fazem parte do
consciente. Estão como Lacan e Freud abordaram, são transformados em fantasias,
significantes ou lembranças condensadas, em que uma se conecta a outra, que é
mais fácil de ser lembrada, sem comprometer a estrutura do ego, sem grandes
estragos. A natureza da consciência é em grande parte determinada pelo
inconsciente. Se a tensão entre os conteúdos conscientes e inconscientes se
tornam explosivos, a tendência, são os conteúdos do inconsciente irromperem-se. Jung
diz que, “quanto mais capazes formos de
nos afastar do inconsciente por um funcionamento dirigido, tanto maior é a possibilidade
de surgir uma forte contraposição, a qual, quando irrompe, pode ter
consequências desagradáveis ” (Jung, 1971). Ou seja, quanto mais pressão for realizada para reprimir os
conteúdos do inconsciente, com mais catexia, energia, retornarão, pois o que é
recalcado demanda cura, resinificação, interpretação, drenagem. O
inconsciente está em constante movimento. É dialético em sua constituição.
Então sem uma autoanálise profunda, não é possível acompanhar a
movimentação rápida de seus conteúdos. O inconsciente não um mar profundo, é o
universo. Somos feitos de poeira estelar, então possui suas próprias leis, das
quais já nos referimos em diversos artigos: o esquecimento, a condensação, a
fantasia, alucinação, o delírio, todos sob o comando do superego, que libera a
passagem dos conteúdos.
Quando Jung fala,
“mas não há mudança que seja
incondicional por um longo período de tempo. A vida tem de ser conquistada
sempre e de novo. Nenhuma solução racional pode fazer justiça a esta tarefa, e
não existe absolutamente nenhuma norma coletiva que possa substituir uma
solução individual, sem perdas ” (Jung, 1971). Isso significa, que no
fluxo da vida a mudança não é estática, é dialética, que a cura é uma evolução dolorosa,
pois requer renuncias. As recidivas são reflexo não só de um descuido, com a autoanálise, o autoconhecimento e o fortalecimento do caráter, mas a falta de recursos
psíquicos do sujeito, para dar conta de suas dores e de seus sintomas, diante da
emersão de seu “lado obscuro”, ou seja, aquilo que ainda o habita e está no mais
profundo do inconsciente. Quando vem à tona e requer uma catexia maior do ego, irá
se deparar com as conexões dos sofrimentos da vida, como provas de seu aprendizado. Então as renuncias são inevitáveis em seu aprendizado, cura e evolução. Mas uma
análise profunda é um caminho árduo de evolução constante e determinada, que possibilita ao psiquismo e a alma encontrarem alento de esperanças.
A energia
dos traumas e tragédias vivenciadas desde o nascimento e que circunda o humano,
gera uma tensão energética, que necessita ser conhecida em sua essência e
tratada, pois tende a crescer e explodir em associações e sintomas. Um dos
recursos que o inconsciente utiliza na revelação de seus conteúdos, é durante o
sono, quando ocorre um rebaixamento da consciência e dos sinais vitais, além
dos neurotransmissores. Ocorre então, a possibilidade dos conteúdos mais
profundos do inconsciente, emergirem em fragmentos que se somam aos conteúdos
do consciente. O inconsciente possui, portanto, importância fundamental no
equilíbrio de forças entre o que deve emergir pela liberação do superego e
daquilo que o ego está fortalecido para suportar e elaborar. Portanto “Cometer erros e desvios em terreno
desconhecido e inexplorado ainda se admite, mas extraviar-se em região habitada
e em plena via é simplesmente irritante. Alguém pode poupar-se a isto, desde
que conheça os fatores reguladores. A pergunta que se faz aqui é, então: Quais
os caminhos e as possibilidades de que dispomos para identificar o inconsciente?
” (Jung, 1971). O inconsciente se identifica pelos significantes dos quais
falou Freud e Lacan. São inúmeros e diz respeito a subjetividade do sujeito.
Portanto o inconsciente individual é o guardião da história do sujeito, que
deve, no caminho de sua evolução ser desvelado através do autoconhecimento e da
transcendência. A psicanálise é um dos recursos preciosos. As incertezas que
Jung aborda sobre a “associação livre”, “nunca
se tem certeza se estão relacionados com o afeto e não são deslocamentos que
surgiram em lugar dele. ” Diz respeito a conexão entre o que é dito e ao
que é ligado a uma lembrança. A dúvida não questiona a associação livre, apenas
a interroga na busca de aproximações. Freud com sua técnica inigualável a
conduz em suas conexões de forma a aproximar o sintoma de seus significantes.
O
inconsciente anseia por luz “0s doentes
mentais ouvem esta voz como alucinações acústicas. Mas as pessoas normais, que
têm uma vida interior mais ou menos desenvolvida, podem reproduzir estas vozes
inaudíveis, sem dificuldades. ” ... “Há pessoas, porém, que nada veem ou
escutam dentro de si, mas suas mãos são capazes de dar expressão concreta aos conteúdos
do inconsciente ” (Jung, 1971). Uma questão importante é subestimar os
“pequenos detalhes”, “essa voz interior”,
revelados pelo inconsciente. É nesses “pequenos detalhes”, que está uma cadeia
de significantes, do não dito, e que toma de surpresa os sujeitos mais ingênuos,
que caem nessas armadilhas de um outro, com traços psicóticos ou perversos. Há
assim, uma perda do juízo crítico em função de uma ilusão ou fantasia
irrealizável. Retomando nessa questão a neurose, “em qualquer dos casos, o
tratamento da neurose não é uma "cura de águas", mas uma renovação da
personalidade e, por isto mesmo, é geral e repercute em todos os domínios da vida.
” E essa cura passa por um comprometimento do sujeito com a superação das
provas da vida. Essa cura passa, pelo sujeito desvincular-se de seu gozo
primário, e da quebra de sua identidade primaria, que antecede a "separação
materna". Quando se olha no espelho e percebe que não é a mãe. – É a relação
especular de que fala Lacan.
Então, é
possível acreditar que, “os opostos
possam assumir nos casos individuais, fundamentalmente trata-se sempre de uma
consciência desgarrada e mergulhada obstinadamente na unilateralidade e
confrontada com a visão de uma totalidade e uma liberdade instintivas.
Dá-se-nos a imagem do antropoide e do homem arcaico, de um lado com o seu mundo
instintivo, pretensamente sem freios, e do outro, com seu mundo de ideias
espirituais, muitas vezes incompreendido, que emerge da escuridão do
inconsciente, compensando e corrigindo nossa unilateralidade e mostrando-nos de
que modo e em que ponto nós desviamos do plano fundamental e nos atrofiamos
psiquicamente” (Jung, 1971). A
consciência que se desgarra, em sua individualidade é confrontada com uma visão
de totalidade primitiva. Então de um lado tem-se pretensamente, um homem que
evoluiu sua consciência de mundo, mas sem freios, nas provas da vida, que se
confronta com suas ideias espirituais, que emerge da escuridão do inconsciente,
porque todas as suas vivencias estão lá. Então pela análise, ele vai
interpretando, dando significados a essas lembranças que vão emergindo, o que
possibilita compreender seu percurso, suas tarefas a cumprir, e o quanto ele se
distanciou de sua evolução e se atrofiou psiquicamente e espiritualmente. Esse
movimento atemporal, gera angústia, insegurança, desagregação, porque é um
retorno da escuridão do inconsciente e de suas repetições, mas não conhecemos
outro caminho possível no processo de evolução saudável.
Referência
JUNG, C. G.
- A FUNÇÃO TRANSCENDENTE - A Natureza da Psique (1971) - Obras Completas de C.
G. Jung - Volume VIII/2 - Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 - Petrópolis,
RJ, Brasil - 2000
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