17 de setembro de 2017

“Construções em Análise”


"Mas assim como o arqueólogo ergue as paredes do prédio a partir dos alicerces que permaneceram de pé, determina o número e a posição das colunas pelas depressões no chão e reconstrói as decorações e as pinturas murais a partir dos restos encontrados nos escombros, assim também o analista procede quando extrai suas inferências a partir dos fragmentos de lembranças, das associações e do comportamento do sujeito da análise. Ambos possuem direito indiscutido a reconstruir por meio da suplementação e da combinação dos restos que sobreviveram. Ambos, ademais, estão sujeitos a muitas das mesmas dificuldades e fontes de erro. Um dos mais melindrosos problemas com que se defronta o arqueólogo é, notoriamente, a determinação da idade relativa de seus achados, e se um objeto faz seu aparecimento em determinado nível, frequentemente resta decidir se ele pertence a esse nível ou se foi carregado para o mesmo devido a alguma perturbação subsequente. É fácil imaginar as dúvidas correspondentes que surgem no caso das construções analíticas".

Literato por essência, Freud sempre gostou das metáforas, como recurso para a compreensão da arquitetura psíquica. Portanto ao pensar o trabalho do analista como um arqueólogo, faz com que esse se assemelhe, não só a busca do conhecimento, da descoberta, do entendimento, mas também da arte, pois sem uma escuta “fina”, estética, e porque não falar com um “senso” de arte, pois o inconsciente possui uma tessitura que só um gênio, fora da terra, poderia tê-la construído, não é possível aproximar-se dela. Mas percorrer os caminhos dessa tessitura não pertence ao tempo. Saber de que tempo vem esse ou aquele fragmento e a qual outro fragmento está vinculado, é tarefa de um não tempo.

FREUD, S. - CONSTRUÇÕES EM ANÁLISE (1937) - Obras Completas de Psicanálise - volume XXIII Rio de Janeiro, Imago-1996.