15 de fevereiro de 2018

Correspondência entre Freud e Jung – Associação e Transferência



11 de abril de 1906, Berggasse
Caro colega,
Muito grato pelo envio de seus Estudos de Diagnóstico de Associação; que a impaciência já me levava a adquirir. Naturalmente seu último estudo, “Psicanálise e Experimentos de Associação”, foi o que mais me agradou, pois nele o senhor demonstra, com base em sua própria experiência, que tudo o que já pude dizer sobre os campos ainda inexplorados de nossa disciplina é verdade. Confio em que o senhor venha a estar, muitas vezes, em condição de me apoiar, mas aceitarei também, de bom grado, quaisquer retificações de sua parte.
Atenciosamente,
Dr. Freud

Burghölzli-Zurique, 5 de outubro de 1906
Caro Professor Freud,
Queira aceitar meu agradecimento mais sincero pelo presente que gentilmente me enviou. Essa coletânea de seus estudos breves há de ser bem recebida por todos aqueles que desejam familiarizar-se rápida e abrangentemente com seu modo de pensar. É de se esperar que o número de seus seguidores em ciência continue a aumentar no futuro, a despeito dos ataques que Aschaffenburg,1 aplaudido pelas sábias autoridades, fez à sua teoria — dir-se-ia mesmo à sua própria pessoa. O que de mais lamentável há nesses ataques é que, a meu ver, Aschaffenburg se apega a exterioridades, quando os méritos de sua teoria se encontram no domínio psicológico, do qual os psicólogos e psiquiatras modernos têm uma compreensão bem limitada. Não faz muito, mantive com Aschaffenburg uma animada correspondência sobre sua teoria e pude então defender esse ponto de vista, que talvez, professor, nem mereça sua concordância integral. O que valorizo acima de tudo, e tem sido de grande ajuda no trabalho psicopatológico que aqui desenvolvemos, é a sua concepção psicológica; com efeito, ainda me encontro muito longe de compreender a terapia e a gênese da histeria, pois é bastante insatisfatório o material de que dispomos sobre ela. Quero dizer que sua terapia não me parece depender apenas dos afetos liberados por ab-reação, mas também de certas relações (rapports) pessoais, a e acredito que a gênese da histeria, embora predominantemente sexual, não o seja exclusivamente. Encaro de igual modo sua teoria da sexualidade. Insistindo apenas nessas delicadas questões teóricas, Aschaffenburg se esquece do essencial, sua psicologia, da qual sem dúvida a psiquiatria há de colher um dia recompensas sem fim. Espero mandar-lhe em breve um pequeno livro meu onde, partindo de sua posição, abordo a psicologia da demência precoce. Nesse livro publiquei também o caso que despertou a atenção de Bleuler para a existência de seus princípios, se bem que na época com obstinada resistência da parte dele. Mas a conversão de Bleuler, como o senhor deve saber, é agora completa. Renovando meus agradecimentos, subscrevo-me.
Respeitosamente,
C.G. Jung

As correspondências entre Freud e Jung, sempre foram relegadas pelos psicanalistas e “esquecidas”. Porque? Porque sempre foi uma relação, que os psicanalistas, prefeririam, que não tivesse existido, principalmente depois de Lacan. Aceitar a relação entre esses dois estudiosos, amigos, é aceitar confluências entre suas teses, o que para os psicanalistas Lacanianos é inadmissível. Estuda-se Lacan e através deste Freud e não o contrário, pois o próprio Lacan se colocava como freudiano. Embora as contribuições de Lacan trouxeram um outro olhar aos conceitos freudianos, na questão técnica, na interpretação, e direção clínica Freud continua imbatível. Nessa correspondência vemos as primeiras discussões sobre os seguinte imperativos categóricos, fundamentais na psicanálise: A associação livre, que permite as conexões mnêmicas complexas (o inconsciente); a discussão sobre a etiologia das neuroses, até hoje foco de amplo debate; As relações com rapports, ou seja, a construção de outro pilar da psicanalise, que é a relação de transferência, fundamental na direção clínica, onde o sujeito projeta no psicanalista seus desejos, permitindo que eles sejam tratados, resinificados, interpretados. E por último, como não poderia deixar de ser, até os tempos atuais, as críticas a psicanálise, que desde o seu nascedouro nunca deixaram de existir, principalmente, no que diz respeito a etiologia da sexualidade na formação das patologias. Essa resistência dos profissionais de saúde mental e das pessoas em geral, refletem um desconhecimento da obra freudiana, que nunca acessaram e ao preconceito. Que é difícil cada sujeito se interrogar sobre o lado obscuro de sua sexualidade, não é segredo para ninguém, e talvez aqui esteja o ponto de resistência, o implicar-se com o próprio desejo.

1 Gustav Aschaffenburg (1866-1944), professor de psiquiatria e neurologia em Heidelberg e, mais tarde, em Halle e Colônia; nos E.U.A. depois de 1939, ensinou e praticou em Baltimore e Washington.

Referência
FREUD / JUNG - CORRESPONDÊNCIA COMPLETA, p.43-44-45 - Organizada por WILLIAM McGUIRE - Coleção Psicologia Psicanalítica Direção de Jayme Salomão - IMAGO EDITORA LTDA. Rio de Janeiro