11 de abril
de 1906, Berggasse
Caro colega,
Muito grato
pelo envio de seus Estudos de Diagnóstico de Associação; que a impaciência
já me levava a adquirir. Naturalmente seu último estudo, “Psicanálise e
Experimentos de Associação”, foi o que mais me agradou, pois nele o senhor
demonstra, com base em sua própria experiência, que tudo o que já pude dizer
sobre os campos ainda inexplorados de nossa disciplina é verdade. Confio em que
o senhor venha a estar, muitas vezes, em condição de me apoiar, mas aceitarei
também, de bom grado, quaisquer retificações de sua parte.
Atenciosamente,
Dr. Freud
Burghölzli-Zurique,
5 de outubro de 1906
Caro
Professor Freud,
Queira
aceitar meu agradecimento mais sincero pelo presente que gentilmente me enviou.
Essa coletânea de seus estudos breves há de ser bem recebida por todos aqueles
que desejam familiarizar-se rápida e abrangentemente com seu modo de pensar. É
de se esperar que o número de seus seguidores em ciência continue a aumentar no
futuro, a despeito dos ataques que Aschaffenburg,1 aplaudido pelas sábias
autoridades, fez à sua teoria — dir-se-ia mesmo à sua própria pessoa. O que de
mais lamentável há nesses ataques é que, a meu ver, Aschaffenburg se apega a
exterioridades, quando os méritos de sua teoria se encontram no domínio
psicológico, do qual os psicólogos e psiquiatras modernos têm uma compreensão
bem limitada. Não faz muito, mantive com Aschaffenburg uma animada
correspondência sobre sua teoria e pude então defender esse ponto de vista, que
talvez, professor, nem mereça sua concordância integral. O que valorizo acima
de tudo, e tem sido de grande ajuda no trabalho psicopatológico que aqui
desenvolvemos, é a sua concepção psicológica; com efeito, ainda me encontro
muito longe de compreender a terapia e a gênese da histeria, pois é bastante
insatisfatório o material de que dispomos sobre ela. Quero dizer que sua
terapia não me parece depender apenas dos afetos liberados por ab-reação, mas
também de certas relações (rapports) pessoais, a e acredito que a gênese da
histeria, embora predominantemente sexual, não o seja exclusivamente.
Encaro de igual modo sua teoria da sexualidade. Insistindo apenas nessas
delicadas questões teóricas, Aschaffenburg se esquece do essencial, sua
psicologia, da qual sem dúvida a psiquiatria há de colher um dia recompensas
sem fim. Espero mandar-lhe em breve um pequeno livro meu onde, partindo de sua
posição, abordo a psicologia da demência precoce. Nesse livro publiquei também
o caso que despertou a atenção de Bleuler para a existência de seus princípios,
se bem que na época com obstinada resistência da parte dele. Mas a conversão de
Bleuler, como o senhor deve saber, é agora completa. Renovando meus
agradecimentos, subscrevo-me.
Respeitosamente,
C.G. Jung
As correspondências entre Freud e Jung, sempre foram relegadas
pelos psicanalistas e “esquecidas”. Porque? Porque sempre foi uma relação, que
os psicanalistas, prefeririam, que não tivesse existido, principalmente depois
de Lacan. Aceitar a relação entre esses dois estudiosos, amigos, é aceitar confluências
entre suas teses, o que para os psicanalistas Lacanianos é inadmissível.
Estuda-se Lacan e através deste Freud e não o contrário, pois o próprio Lacan
se colocava como freudiano. Embora as contribuições de Lacan trouxeram um outro
olhar aos conceitos freudianos, na questão técnica, na interpretação, e direção
clínica Freud continua imbatível. Nessa correspondência vemos as primeiras
discussões sobre os seguinte imperativos categóricos, fundamentais na
psicanálise: A associação livre, que permite as conexões mnêmicas complexas (o
inconsciente); a discussão sobre a etiologia das neuroses, até hoje foco de
amplo debate; As relações com rapports, ou seja, a construção de outro pilar da
psicanalise, que é a relação de transferência, fundamental na direção clínica,
onde o sujeito projeta no psicanalista seus desejos, permitindo que eles sejam
tratados, resinificados, interpretados. E por último, como não poderia deixar
de ser, até os tempos atuais, as críticas a psicanálise, que desde o seu
nascedouro nunca deixaram de existir, principalmente, no que diz respeito a
etiologia da sexualidade na formação das patologias. Essa resistência dos
profissionais de saúde mental e das pessoas em geral, refletem um
desconhecimento da obra freudiana, que nunca acessaram e ao preconceito. Que é
difícil cada sujeito se interrogar sobre o lado obscuro de sua sexualidade, não
é segredo para ninguém, e talvez aqui esteja o ponto de resistência, o
implicar-se com o próprio desejo.
1 Gustav Aschaffenburg (1866-1944), professor de psiquiatria e
neurologia em Heidelberg e, mais tarde, em Halle e Colônia; nos E.U.A. depois
de 1939, ensinou e praticou em Baltimore e Washington.
FREUD / JUNG - CORRESPONDÊNCIA COMPLETA, p.43-44-45 - Organizada
por WILLIAM McGUIRE - Coleção Psicologia Psicanalítica Direção de Jayme Salomão
- IMAGO EDITORA LTDA. Rio de Janeiro