Nossa intenção nesse artigo, não é, nos determos em números, até
porque mudam a cada dia, e é possível pesquisar em https://nacoesunidas.org/
Freud abordou o tema do suicídio, de forma tangencial, através da discussão da
melancolia, do luto, da luta de autopreservação, em Além do Princípio do Prazer,
bem como alguns vieses em outros textos, mas não se dedicou a um estudo
específico sobre o suicídio. O único texto em que aborda a questão de forma
mais direta é o texto em referência. Nesse texto a questão do suicídio é
abordada como um fato que acomete a adolescência, aos traumas que se revelam
nessa fase da vida e na questão da imaturidade. A articulação com o “amor além
da vida” diz respeito ao filme “Amor além da vida” com o ator Robin Williams. O
filme está disponível no youtube e na NetFlix. Um filme tocante que conta a
história de um grande amor, “além da vida”. Afetos complexos e que exige muita
renúncia. O filme aborda uma discussão complexa sobre a questão do suicídio. Mas, o está colocado em “amor além da vida”,
“além da alma”, filme sobre Freud, e no artigo “Além do Princípio do Prazer”, é
o que está além da vida na terra.
Quando o (s) objeto (s) de amor parte (m), termina (m) o que
resta? Como deslocar a energia investida? Como reinvestir? De onde vem a
resiliência? Como preencher o vazio da “falta”? Quando a vida cai no abismo da falta, do
vazio, desagregação, a poderosa questão que se coloca, e que não temos a
pretensão de responder, mas refletir, e assim construir caminhos que possam contribuir
para a compreensão é: Porque um sujeito perde o desejo de viver
e subjuga o poderoso instinto da vida, e em um ato de desilusão, decepção, desamparo,
desespero e mata-se? Comete um crime contra si próprio, suja suas
mãos de sangue. Então, há que pensar essa decepção, desilusão e desespero como
uma “libido desiludida”, onde não há mais o que preservar como instinto de vida
e o ego de forma egoísta e desesperado renuncia a autopreservação. E nesse
sentido, há uma visão estereotipada do suicídio, como um ato mecânico, que
“surge do nada”. Mas é um ato, muitas vezes, construído durante um processo de
vida. Portanto o indicador de idade, fica assim mascarado, pela ação
progressiva e lenta de grande parte dos atos, que em sua maioria, perfaz o
percurso de uma vida, que segue lentamente seu percurso invisível, até a "gota d'água final", o que não exclui os atos “impulsivos” e “repentinos” de
muitos sujeitos.
O suicídio precede uma história de vida, violações da lei do
incesto, de perdas, lutos, melancolias, depressão, desilusões, decepções, um
desamparo perante a vida e um desencanto com a vida. Mais do que isso. Para que
os traumas, as perdas, os lutos, as melancolias, as desilusões, decepções e o
desencanto com a vida, e o sentimento de desamparo, encontre ressonância no
sujeito, é necessário, na grande maioria das vezes uma lembrança de um ato já
praticado. Sem esse recurso mnêmico é mais difícil a consecução do suicídio,
porque o humano, vive da repetição, para a partir daí construir novas
resiliências, novas possibilidades. Então há que vencer o gozo do próprio
assassinato e suas construções constitucionais e circunstanciais, porque para “Além
do Princípio do Prazer”, vinculado a preservação da vida, há “Além do Princípio
do Prazer”, vinculado a morte. Freud demonstrou isso ao citar o enigma dos
protozoários. https://caminhosdapsiq.blogspot.com/search?q=A+%E2%80%9Csubstancia+viva%E2%80%9D+que+nos+habita
A vida é repleta de práticas viciantes, para mascarar a dor, o
vazio, em certezas delirantes, que é necessário “recuarmos” no tempo e
interrogar sobre essa dor “insuportável”, que leva o sujeito a assassinar a si
próprio. De onde vem e há quanto tempo essa dor habita o sujeito, não é
possível identificar. Muitos são os substitutos da dor, muitos são os
significantes, muitas são as transferências. Estes vão desde as mais diversas
substancias psicoativas, práticas e condutas, hábitos, com a “intenção” de
mascarar a dor e impedir o ato final, mas vai minando o sujeito, sua psique,
sua saúde física, seu espírito. Então vamos “enumerar” esses significantes. O
uso de substancias psicoativas, o álcool, as práticas promíscuas, que
possibilitam as doenças sexualmente transmissíveis, a alimentação prejudicial, em
sua qualidade de acordo com o metabolismo do sujeito, anorexia, bulimia, a exposição
ao estresse excessivo, a prática moral sobre o outro, denegrindo-o, alimentando
afetos de mágoa, ressentimento, ódio, inveja, a vaidade, a arrogância, a
síndrome do “super-homem”, a ambição de poder, a greve de fome, tida como
estratégia de greve política, mas que abriga uma estrutura delirante, o não
cuidar de sua saúde física e mental, o vício das redes sociais, dos
aplicativos, que permite consumir a energia do sujeito de forma viciante (se
não acessar determinado aplicativo ou página da rede social, por um dia, o
sujeito entra em uma espécie de abstinência como qualquer outro vício, porque
não pode viver sem esse vício, que supre sua falta, seu vazio, sua dor). Quem trata
em profundidade essa questão é o http://www.hopital-marmottan.fr/
São infinitos significantes, que vai minando o ego, consumindo sua energia e
minando o próprio sujeito, até o momento em que a catexia, não é suficiente
para mantê-lo vivo. Então temos que ampliar a concepção mecânica de suicídio e
pensar no suicídio, como toda prática que desencadeia profundos prejuízos ao
sujeito, seu ego, sua psique, seu corpo, sua alma. Uma questão que se coloca é
sobre os “gatilhos” que acionam a dor latente, porque a dor transcende o tempo
e o espaço. O gatilho possui uma conexão de afinidade com a dor. Cada sujeito
há que interrogar sobre sua dor. Mas, há outra questão mais complexa: se é
possível uma conexão entre duas catexias, então ao sentir a dor do outro o
sujeito “utiliza” essa dor como gatilho, que faz sangrar sua própria dor, uma
sombra que sobrepõe a própria dor. Um mecanismo complexo, por certo.
A “mudança”, requer séculos. Aqui o prazer de viver é o prazer
de morrer, encontrar a sonhada paz interior. Grande engano. Adentra-se a um
outro “inferno”. Por certo os indícios para o suicídio revelam-se na mais tenra
idade e são invisíveis, pois não é possível para o leigo, voltado
exclusivamente para seu ego, perceber um outro, que está em sofrimento com a
vida, por inúmeras razões, muito subjetivas, individuais e com inúmeros
significantes. É importante não deixarmos de considerar o viés narcísico, em
que só existe o próprio mundo. Quando surgem os primeiros sinais é na
adolescência, por isso se fala dos grandes índices de suicídio na adolescência.
Mas a potencialidade para a passagem ao ato de matar-se sempre esteve presente,
pois o desencanto, desilusão, o desamparo, o desespero diante dos sofrimentos e
os sofrimentos invisíveis são presentes desde a constituição do sujeito. Há uma
inadequação ao mundo, que é revelada na adolescência e que é vista pela
sociedade como “inadequação social”. Então muitos são os recursos e muitas são
as lutas do sujeito para preservar a própria vida, até o ato final.
Há que estabelecer uma conexão entre suicídio e estruturas
clínicas. Se nas neuroses, temos a conversão dos sintomas para o corpo, nas
psicoses a alternância entre o real e o delírios e alucinações, na perversão
temos a negação da lei, a pergunta que surge e para a qual não há ainda uma
resposta conclusiva e acreditamos, que por muito tempo, não haverá é: em qual estrutura clínica o sujeito está
mais vulnerável? No momento uma resposta definitiva a essa questão não
é possível. Há muitas variáveis a serem consideradas tanto subjetivas,
constitucionais do próprio sujeito e circunstanciais de seu percurso de vida. Muitas
são as circunstancias de vida do sujeito e muitas são as tragédias
circunstanciais da vida, que impõem ao sujeito uma “saída” sangrenta a própria
vida, a ser resgatada em alto custo. Mas podemos colocar algumas pinceladas,
próprias de algumas estruturas: nas estruturas neuróticas, a conversão dos
sintomas, nas psicoses os delírios e alucinações e na perversão o prazer da dor
do outro pela própria dor, que subverte a lei.
E como diria Freud: como desinvestir toda a energia de amor e
realoca-la em outros objetos de amor? Está para além da vida. A questão do
suicídio é uma epidemia para além da vida, que exige uma profunda compreensão
de seus mecanismos latentes, para gestão não só de políticas públicas, mas uma
compreensão profunda da história e subjetividade do sujeito. Há cada 40
segundos no mundo alguém comete um crime de suicídio. https://nacoesunidas.org/oms-suicidio-e-responsavel-por-uma-morte-a-cada-40-segundos-no-mundo/
Uma epidemia, complexa, que precisa ser tratada de todas as formas. Com
políticas de saúde mental consistentes, com levantamento de grupos de risco,
com abordagens terapêuticas eficazes, pois para além da vida, o assassinato da
própria vida possui um custo psíquico, como qualquer outro assassinato. Então
há que advertir os vieses de estrutura clínica que atravessam o sujeito, na
passagem ao ato. O senso comum fala das punições para tal crime, é certo que o
assassinato de si próprio, transgride todas as leis de preservação da vida e o
sujeito terá que se haver com sua culpa, remorsos e compreensão do seu ato,
para refazer o caminho em direção a preservação da vida apesar das dores. O
importante é a compreensão do ato, sua subjetividade e significantes, o
fortalecimento do ego, de uma estrutura psíquica saudável e porque não falar de
uma evolução do espirito imortal no sentido de vencer não só a repetição, mas
principalmente os significantes, que desencadearam e desencadeia o processo
suicida. Exige que o sujeito saia de seu circuito suicida, invisível, onde ele
retira seu prazer do sofrimento, pois “perdeu a sensação do prazer na alegria,
esperança, paz, felicidade. Mas qual é o “amor além da vida”? É aquele com a
resiliência e capacidade de fazer renuncias, para além do ego e num ato de
abnegação ser capaz de renunciar ao ego, por amor. Então ficamos com a frase do
I Ching: “mais importante que a vida, é
que o bem prevaleça”. Contraditório? Não. Porque aqui o comando do ego, é
de uma estrutura clínica saudável, porque inclui o outro. É o “amor além da
vida”, é o dever por amor, é a renúncia por amor!
Referência
FREUD, S. – BREVES ESCRITOS
- CONTRIBUIÇÕES PARA UMA DISCUSSÃO ACERCA DO SUICÍDIO - (1910)
- Obras Completas de Psicanálise - volume XI Rio de Janeiro, Imago-1996.