A sociedade atual, requer liquidez imediata, resultados rápidos,
a sociedade da intensidade e velocidade em que vivemos, tem colocado desafios a
psicanálise, que Freud sinalizou há mais de 100 anos. A psicanálise nunca foi
um tratamento do imediato, da velocidade, do imediatismo, não só em função de
seus pressupostos, quais sejam, o inconsciente, a associação livre, a transferência e a resistência, dentre outros. Esperar resultados imediatos para
sofrimentos de muitos anos, de uma vida e muitas vezes, traumáticos e crômicos
é muito difícil. Essa arquitetura da psicanálise, confronta o momento cultural,
econômico e político que a civilização vivência. Momento esse que podemos
caracterizar como de exclusão social, taxas de desemprego alarmantes, guerras,
o uso intenso de substâncias psicoativas e uma intensa vida virtual. Isso
produz a sociedade fluida, da velocidade, do hedonismo, mística, do imediato, onde
a sacralidade foi explodida e os resquícios voam pelo espaço. As religiões e a
espiritualidade se transformaram em um balcão de negócios, para as guerras e
poder, e para se propor a “resolver” os sofrimentos da vida. Então, surgem no
mercado diversas terapias alternativas, importantes. A questão contraditória, é
que na origem dessas terapias, a concepção cultural, filosófica e espiritual é
diversa da civilização do mercado em que vivemos. Assim, alguns defensores
dessas terapias adaptam, os procedimentos e condução da vida “moderna”,
desvirtuando a concepção original, ou seja, o que importa é tornar essas
terapias “ágeis” para “possibilitar” ao sujeito, a “cura” imediata de seus
sofrimentos. Então a sociedade de mercadorias desenvolve um processo de
massificação, venda, deturpação, das concepções ancestrais e culturais do planeta
e vende, no ocidente e no oriente, como a última novidade em terapias, sem
nenhuma formação acadêmica, sem nenhuma experiência com as origens, sem nenhuma
leitura nas fontes originais e satisfazem-se com cursinhos informativos de
forma superficial e “se tornam terapeutas alternativos”, para “curar” pessoas,
cobrando valores equiparados a tabelas médicas.
O que caracteriza grande parte dessas terapias e desses
terapeutas, é a mercantilização da dor alheia, pois a informação sobre as
práticas, que pertencem ou pertenceram a outras culturas e civilizações, é
comercializada, de forma superficial, descontextualizadas das culturas de
origem, sem nenhuma vivencia profunda por parte da maioria das pessoas que as
executam. Tornou-se uma forma de “trabalho” fácil, permeado de misticismo e
animismo. Não há leitura dos Vedas, do Hinduísmo, do Budismo, do Taoismo, dos
Gregos, dos Egípcios, das vertentes Muçulmanas, Judaicas, Cristãs,
Espiritualistas, da Espiritualidade Africanas, e Xamanicas. São vendidas muitas
vezes em forma de “pacotes”, sem nenhum aprofundamento. Muitas são as práticas
de cuidado da saúde que a humanidade cultivou por milênios: acupuntura,
aromaterapia, arteterapia, auriculoterapia, ayuveda, biodança, cromoterapia,
fitoterapia, florais de Bach, homeopatia, iridologia, magnetoterapia, medicina
natural, medicina ortomolecular, musicoterapia, osteopatia, quiropraxia,
reflexologia, reflexoterapia, reiki, tratamento espiritual. Muitas dessas práticas
estão sendo incluídas no SUS, no Brasil. E para ser um profissional capacitado
em qualquer uma delas é necessário uma formação acadêmica ou uma formação e
vivencia prática de muitos anos, validadas pela comunidade ou pela sociedade. O
pajé ou sacerdote de uma tribo é reconhecido pela tribo, por seus anos de
estudo e pratica de cura pelas plantas.
Os sacerdotes de curas ancestrais de todas as culturas, eram
reconhecidos em sua madureza, experiência, e estudos dos clássicos originais.
Nessa invasão no mercado da saúde das chamadas “terapias
alternativas”, que na sua origem fazia parte da cultura de povos milenares, é
praticada em sua maioria por pessoas despreparadas e muitas vezes com problemas
de saúde mental. O que tem a psicanálise a falar sobre isso está no texto de
Freud em referência. A psicanálise é uma abordagem de acolhimento, escuta e
interpretação dos sofrimentos psíquicos, que tem na transferência, associação
livre, os fenômenos de memória, abordagem dos conteúdos do inconsciente. Sua
técnica de manuseio da arquitetura psíquica e das estruturas de defesa, (que
não é algo estático, fechado, imutável), já abordamos em vários artigos. É acessível
para o sujeito que se coloca em disponibilidade interna para a superação dos
sofrimentos, para a compreensão de si próprio, de suas dores e tragédias. A
fala e interpretação, lhe permite percorrer caminhos obscuros pela associação
livre e os recursos de memória. Sua fala é um espelho diante dele mesmo. Assim
sua estrutura psíquica de defesa é flexível, dialética e nela atravessa traços
de outras estruturas clínicas de defesa. Então é possível em uma estrutura
neurótica de defesa, visualizar-se traços psicóticos ou perversos, e esse
entrecruzamento é possível encontrar em todas as estruturas clínicas. Da mesma
forma que uma estrutura psicótica de defesa, pode nunca fazer um surto com
delírios e alucinação ou uma estrutura perversa de defesa, pode nunca fazer uma
passagem ao ato e uma estrutura neurótica fazer a passagem ao ato. A
psicanálise, como método de acolhimento, escuta, interrogação e interpretação
sobre o sofrimento humano, é a grande possibilidade, que permite ao sujeito
retomar o olhar para si mesmo, sem o mecanismo de defesa da projeção. O outro é
o próprio sujeito. Portanto a atenção na escuta é algo “delicado”, que exige
uma sutileza profunda, para não cair no “senso comum”. “Não se deve esquecer que o que se escuta, na maioria, são coisas cujo
significado só é identificado posteriormente. ” (Freud). Em alguns momentos
de seu percurso a psicanálise, já foi vista como uma prática alternativa, mas
nunca esteve afastada da ciência, e hoje com as novas descobertas da
neurociência e dos neurotransmissores, acrescenta-se a compreensão do psiquismo
humano.
Vamos nos ater a regra fundamental da psicanálise: ‘Ele deve conter todas as influências
conscientes da sua capacidade de prestar atenção e abandonar-se inteiramente à
‘memória inconsciente”. ’ Ou, para dizê-lo puramente em termos técnicos: ‘Ele deve simplesmente escutar e não se
preocupar se está se lembrando de alguma coisa. ’ Só assim é possível a interpretação do que se
escutou, só assim é possível confluir pesquisa e tratamento. O tratamento comporta
o diagnóstico diferencial, a direção clínica, e o conhecimento teórico, análise
pessoal, pesquisa e um mínimo de conhecimento das questões transcendentais do
humano sem misticismos. A ação reciproca de forças emocionais do paciente na
relação transferencial é importante no restabelecimento do mesmo. O
psicanalista deve “fazer uso de tudo o
que lhe é dito para fins de interpretação e identificar o material inconsciente
oculto, sem substituir sua própria censura pela seleção de que o paciente abriu
mão. Para melhor formulá-lo: ele deve voltar seu próprio inconsciente, como um
órgão receptor, na direção do inconsciente transmissor do paciente. ” É um
inconsciente que se comunica com o outro.
Para Freud um profissional pode se tornar analista “pela análise dos próprios sonhos”, mas
a interpretação dos sonhos não é possível sem o auxílio profissional, externo. Os
profissionais que desejam ser analistas, devem ser analisados por um outro
profissional com “conhecimento técnico”,
não só para “aprender a saber o que se
acha oculto na própria mente”, mas para percorrer o máximo possível do
próprio inconsciente. Sem uma análise pessoal, profunda, o profissional não tem
como alcançar o lugar de analista. Palestras, cursos e o conhecimento da literatura
são arcabouços teóricos importantes, mas a análise pessoal é um suporte
fundamental. Sem o autoconhecimento e autocontrole profundo, a autoanálise da
própria personalidade, caráter e possíveis projeções de seus desejos, frustrações, não é possível colocar-se no lugar de analista, tão pouco exercer
qualquer tipo de terapia, que se relacione a mente humana. “Mas se o médico quiser estar em posição de utilizar seu inconsciente
desse modo, como instrumento da análise, deve ele próprio preencher determinada
condução psicológica em alto grau. Ele não pode tolerar quaisquer resistências
em si próprio que ocultem de sua consciência o que foi percebido pelo
inconsciente; ... Deve-se insistir, antes, que tenha passado por uma
purificação psicanalítica e ficado ciente daqueles complexos seus que poderiam
interferir na compreensão do que o paciente lhe diz. ... toda repressão não
solucionada nele constitui o que foi apropriadamente descrito por Stekel como
um ‘ponto cego’ em sua percepção analítica.” O que dizer, então dos
chamados “terapeutas alternativos” e suas práticas descontextualizadas das
culturas originais, se muitas vezes, quando muitos possuem é o ensino
fundamental?
Quanto aos psicanalistas, a questão é que por insegurança, e
barreiras da própria personalidade, têm transformado a escuta em um silêncio,
que se atribui a Lacan, mas que em grande parte, não deixa de ser uma forma de
encobrir sua dificuldade em realizar um diagnóstico diferencial, em interpretar
e colocar uma direção clínica, o que faz com que esses profissionais se aproximem
do tratamento por sugestão, o que afasta a possibilidade de acesso ao
inconsciente do paciente, tornando-o incapaz de superar suas resistências mais
profundas. Há que ressaltar que cada paciente possui um “limite” de cura, resinificação,
em que está disposto em sua análise, em função dos recursos psíquicos que
possui, e da necessidade de manter determinado status de sofrimento, que lhe
causa um gozo, de origem primária; apesar dos muitos recursos psíquicos e
reelaborações realizadas no percurso analítico.
A direção clínica, ou seja, a intervenção do profissional deve
ser no sentido de facilitar a relação de transferência, mas o envolvimento
emocional por parte do profissional deve estar límpida e em seu lugar de
analista. A escuta, a interpretação e a intervenção deve ser no sentido de
facilitar a relação de transferência e possibilitar a flexibilidade das
resistências. O cuidado do analista para com sua própria análise pessoal, diz
respeito não só a seus desejos, como a sua capacidade de sublimação dos instintos.
“Nem todo neurótico possui grande
talento para sublimação; pode-se presumir que muitos deles de modo algum teriam
caído enfermos se possuíssem a arte de sublimar seus instintos.” A
sublimação deve ser o resultado da reelaboração e resinificação dos
sofrimentos, da construção da resiliência. Então como fica a análise pessoal
dos “terapeutas alternativos”?
O importante é compreender, que não é possível uma direção
clínica em que todas as satisfações instintuais, sejam sublimadas no percurso
de uma vida. Para que uma parte dessas satisfações instintuais sejam sublimadas
é necessário compreender a jornada da alma. Portanto cada sujeito terá um
movimento próprio de evolução da sublimação dos instintos. A dificuldade de
compreensão da psicanálise, está em seus pressupostos, que diz respeito ao
acesso ao inconsciente, quais sejam: a fala, a associação livre e a relação de
transferência. O sujeito que nunca teve contato com a psicanálise terá
dificuldade em um primeiro momento de compreender esse mecanismo. Na área de
cuidados da saúde, é fundamental o profissional, percorrer o caminho do
autoconhecimento. E a psicanálise é uma abordagem rica em técnicas que
possibilitam essa trajetória. Se o rigor no exercício da psicanálise abordado
por Freud é pouco lembrado pelos profissionais na área de saúde, o que dizer
das pessoas que exercem as “terapias alternativas”? Muitas dessas “terapias”,
não passam de engodo, para ganhar dinheiro fácil dos incautos, que se submetem
a tais terapias, com pessoas sem nenhum conhecimento do assunto, e quando muito,
possuem alguns certificados de cursinhos e palestras informativas. A
responsabilidade no tratamento do sofrimento alheio exige mais do que certificados,
exigem uma conduta ética Kantiana, uma análise pessoal profunda e um profundo
conhecimento da literatura, além da formação acadêmica. Como diz Lacan “o fecundo na experiência da cura, são os
fenômenos de memória”, então há que compreendermos a memória no tempo do inconsciente,
em um não-tempo, que se movimenta em três dimensões simultâneas: passado,
presente e futuro. A tarefa é árdua, mas compensadora e gratificante no
percurso de cura e evolução psíquica e espiritual do sujeito.
Referência
FREUD, S. – RECOMENDAÇÕES
AOS MÉDICOS QUE EXERCEM A PSICANÁLISE (1912) - Obras Completas de Psicanálise - volume XII Rio de Janeiro,
Imago-1996.