24 de maio de 2019

A Psicanálise e a Civilização atual - As “Terapias. Alternativas”


A sociedade atual, requer liquidez imediata, resultados rápidos, a sociedade da intensidade e velocidade em que vivemos, tem colocado desafios a psicanálise, que Freud sinalizou há mais de 100 anos. A psicanálise nunca foi um tratamento do imediato, da velocidade, do imediatismo, não só em função de seus pressupostos, quais sejam, o inconsciente, a associação livre, a transferência e a resistência, dentre outros. Esperar resultados imediatos para sofrimentos de muitos anos, de uma vida e muitas vezes, traumáticos e crômicos é muito difícil. Essa arquitetura da psicanálise, confronta o momento cultural, econômico e político que a civilização vivência. Momento esse que podemos caracterizar como de exclusão social, taxas de desemprego alarmantes, guerras, o uso intenso de substâncias psicoativas e uma intensa vida virtual. Isso produz a sociedade fluida, da velocidade, do hedonismo, mística, do imediato, onde a sacralidade foi explodida e os resquícios voam pelo espaço. As religiões e a espiritualidade se transformaram em um balcão de negócios, para as guerras e poder, e para se propor a “resolver” os sofrimentos da vida. Então, surgem no mercado diversas terapias alternativas, importantes. A questão contraditória, é que na origem dessas terapias, a concepção cultural, filosófica e espiritual é diversa da civilização do mercado em que vivemos. Assim, alguns defensores dessas terapias adaptam, os procedimentos e condução da vida “moderna”, desvirtuando a concepção original, ou seja, o que importa é tornar essas terapias “ágeis” para “possibilitar” ao sujeito, a “cura” imediata de seus sofrimentos. Então a sociedade de mercadorias desenvolve um processo de massificação, venda, deturpação, das concepções ancestrais e culturais do planeta e vende, no ocidente e no oriente, como a última novidade em terapias, sem nenhuma formação acadêmica, sem nenhuma experiência com as origens, sem nenhuma leitura nas fontes originais e satisfazem-se com cursinhos informativos de forma superficial e “se tornam terapeutas alternativos”, para “curar” pessoas, cobrando valores equiparados a tabelas médicas.

O que caracteriza grande parte dessas terapias e desses terapeutas, é a mercantilização da dor alheia, pois a informação sobre as práticas, que pertencem ou pertenceram a outras culturas e civilizações, é comercializada, de forma superficial, descontextualizadas das culturas de origem, sem nenhuma vivencia profunda por parte da maioria das pessoas que as executam. Tornou-se uma forma de “trabalho” fácil, permeado de misticismo e animismo. Não há leitura dos Vedas, do Hinduísmo, do Budismo, do Taoismo, dos Gregos, dos Egípcios, das vertentes Muçulmanas, Judaicas, Cristãs, Espiritualistas, da Espiritualidade Africanas, e Xamanicas. São vendidas muitas vezes em forma de “pacotes”, sem nenhum aprofundamento. Muitas são as práticas de cuidado da saúde que a humanidade cultivou por milênios: acupuntura, aromaterapia, arteterapia, auriculoterapia, ayuveda, biodança, cromoterapia, fitoterapia, florais de Bach, homeopatia, iridologia, magnetoterapia, medicina natural, medicina ortomolecular, musicoterapia, osteopatia, quiropraxia, reflexologia, reflexoterapia, reiki, tratamento espiritual. Muitas dessas práticas estão sendo incluídas no SUS, no Brasil. E para ser um profissional capacitado em qualquer uma delas é necessário uma formação acadêmica ou uma formação e vivencia prática de muitos anos, validadas pela comunidade ou pela sociedade. O pajé ou sacerdote de uma tribo é reconhecido pela tribo, por seus anos de estudo e pratica de cura pelas plantas.  Os sacerdotes de curas ancestrais de todas as culturas, eram reconhecidos em sua madureza, experiência, e estudos dos clássicos originais.

Nessa invasão no mercado da saúde das chamadas “terapias alternativas”, que na sua origem fazia parte da cultura de povos milenares, é praticada em sua maioria por pessoas despreparadas e muitas vezes com problemas de saúde mental. O que tem a psicanálise a falar sobre isso está no texto de Freud em referência. A psicanálise é uma abordagem de acolhimento, escuta e interpretação dos sofrimentos psíquicos, que tem na transferência, associação livre, os fenômenos de memória, abordagem dos conteúdos do inconsciente. Sua técnica de manuseio da arquitetura psíquica e das estruturas de defesa, (que não é algo estático, fechado, imutável), já abordamos em vários artigos. É acessível para o sujeito que se coloca em disponibilidade interna para a superação dos sofrimentos, para a compreensão de si próprio, de suas dores e tragédias. A fala e interpretação, lhe permite percorrer caminhos obscuros pela associação livre e os recursos de memória. Sua fala é um espelho diante dele mesmo. Assim sua estrutura psíquica de defesa é flexível, dialética e nela atravessa traços de outras estruturas clínicas de defesa. Então é possível em uma estrutura neurótica de defesa, visualizar-se traços psicóticos ou perversos, e esse entrecruzamento é possível encontrar em todas as estruturas clínicas. Da mesma forma que uma estrutura psicótica de defesa, pode nunca fazer um surto com delírios e alucinação ou uma estrutura perversa de defesa, pode nunca fazer uma passagem ao ato e uma estrutura neurótica fazer a passagem ao ato. A psicanálise, como método de acolhimento, escuta, interrogação e interpretação sobre o sofrimento humano, é a grande possibilidade, que permite ao sujeito retomar o olhar para si mesmo, sem o mecanismo de defesa da projeção. O outro é o próprio sujeito. Portanto a atenção na escuta é algo “delicado”, que exige uma sutileza profunda, para não cair no “senso comum”. “Não se deve esquecer que o que se escuta, na maioria, são coisas cujo significado só é identificado posteriormente. ” (Freud). Em alguns momentos de seu percurso a psicanálise, já foi vista como uma prática alternativa, mas nunca esteve afastada da ciência, e hoje com as novas descobertas da neurociência e dos neurotransmissores, acrescenta-se a compreensão do psiquismo humano.

Vamos nos ater a regra fundamental da psicanálise: ‘Ele deve conter todas as influências conscientes da sua capacidade de prestar atenção e abandonar-se inteiramente à ‘memória inconsciente”. ’ Ou, para dizê-lo puramente em termos técnicos: ‘Ele deve simplesmente escutar e não se preocupar se está se lembrando de alguma coisa. ’  Só assim é possível a interpretação do que se escutou, só assim é possível confluir pesquisa e tratamento. O tratamento comporta o diagnóstico diferencial, a direção clínica, e o conhecimento teórico, análise pessoal, pesquisa e um mínimo de conhecimento das questões transcendentais do humano sem misticismos. A ação reciproca de forças emocionais do paciente na relação transferencial é importante no restabelecimento do mesmo. O psicanalista deve “fazer uso de tudo o que lhe é dito para fins de interpretação e identificar o material inconsciente oculto, sem substituir sua própria censura pela seleção de que o paciente abriu mão. Para melhor formulá-lo: ele deve voltar seu próprio inconsciente, como um órgão receptor, na direção do inconsciente transmissor do paciente. ” É um inconsciente que se comunica com o outro.

Para Freud um profissional pode se tornar analista “pela análise dos próprios sonhos”, mas a interpretação dos sonhos não é possível sem o auxílio profissional, externo. Os profissionais que desejam ser analistas, devem ser analisados por um outro profissional com “conhecimento técnico”, não só para “aprender a saber o que se acha oculto na própria mente”, mas para percorrer o máximo possível do próprio inconsciente. Sem uma análise pessoal, profunda, o profissional não tem como alcançar o lugar de analista. Palestras, cursos e o conhecimento da literatura são arcabouços teóricos importantes, mas a análise pessoal é um suporte fundamental. Sem o autoconhecimento e autocontrole profundo, a autoanálise da própria personalidade, caráter e possíveis projeções de seus desejos, frustrações, não é possível colocar-se no lugar de analista, tão pouco exercer qualquer tipo de terapia, que se relacione a mente humana. “Mas se o médico quiser estar em posição de utilizar seu inconsciente desse modo, como instrumento da análise, deve ele próprio preencher determinada condução psicológica em alto grau. Ele não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio que ocultem de sua consciência o que foi percebido pelo inconsciente; ... Deve-se insistir, antes, que tenha passado por uma purificação psicanalítica e ficado ciente daqueles complexos seus que poderiam interferir na compreensão do que o paciente lhe diz. ... toda repressão não solucionada nele constitui o que foi apropriadamente descrito por Stekel como um ‘ponto cego’ em sua percepção analítica.” O que dizer, então dos chamados “terapeutas alternativos” e suas práticas descontextualizadas das culturas originais, se muitas vezes, quando muitos possuem é o ensino fundamental?

Quanto aos psicanalistas, a questão é que por insegurança, e barreiras da própria personalidade, têm transformado a escuta em um silêncio, que se atribui a Lacan, mas que em grande parte, não deixa de ser uma forma de encobrir sua dificuldade em realizar um diagnóstico diferencial, em interpretar e colocar uma direção clínica, o que faz com que esses profissionais se aproximem do tratamento por sugestão, o que afasta a possibilidade de acesso ao inconsciente do paciente, tornando-o incapaz de superar suas resistências mais profundas. Há que ressaltar que cada paciente possui um “limite” de cura, resinificação, em que está disposto em sua análise, em função dos recursos psíquicos que possui, e da necessidade de manter determinado status de sofrimento, que lhe causa um gozo, de origem primária; apesar dos muitos recursos psíquicos e reelaborações realizadas no percurso analítico.

A direção clínica, ou seja, a intervenção do profissional deve ser no sentido de facilitar a relação de transferência, mas o envolvimento emocional por parte do profissional deve estar límpida e em seu lugar de analista. A escuta, a interpretação e a intervenção deve ser no sentido de facilitar a relação de transferência e possibilitar a flexibilidade das resistências. O cuidado do analista para com sua própria análise pessoal, diz respeito não só a seus desejos, como a sua capacidade de sublimação dos instintos. “Nem todo neurótico possui grande talento para sublimação; pode-se presumir que muitos deles de modo algum teriam caído enfermos se possuíssem a arte de sublimar seus instintos.” A sublimação deve ser o resultado da reelaboração e resinificação dos sofrimentos, da construção da resiliência. Então como fica a análise pessoal dos “terapeutas alternativos”?

O importante é compreender, que não é possível uma direção clínica em que todas as satisfações instintuais, sejam sublimadas no percurso de uma vida. Para que uma parte dessas satisfações instintuais sejam sublimadas é necessário compreender a jornada da alma. Portanto cada sujeito terá um movimento próprio de evolução da sublimação dos instintos. A dificuldade de compreensão da psicanálise, está em seus pressupostos, que diz respeito ao acesso ao inconsciente, quais sejam: a fala, a associação livre e a relação de transferência. O sujeito que nunca teve contato com a psicanálise terá dificuldade em um primeiro momento de compreender esse mecanismo. Na área de cuidados da saúde, é fundamental o profissional, percorrer o caminho do autoconhecimento. E a psicanálise é uma abordagem rica em técnicas que possibilitam essa trajetória. Se o rigor no exercício da psicanálise abordado por Freud é pouco lembrado pelos profissionais na área de saúde, o que dizer das pessoas que exercem as “terapias alternativas”? Muitas dessas “terapias”, não passam de engodo, para ganhar dinheiro fácil dos incautos, que se submetem a tais terapias, com pessoas sem nenhum conhecimento do assunto, e quando muito, possuem alguns certificados de cursinhos e palestras informativas. A responsabilidade no tratamento do sofrimento alheio exige mais do que certificados, exigem uma conduta ética Kantiana, uma análise pessoal profunda e um profundo conhecimento da literatura, além da formação acadêmica. Como diz Lacan “o fecundo na experiência da cura, são os fenômenos de memória”, então há que compreendermos a memória no tempo do inconsciente, em um não-tempo, que se movimenta em três dimensões simultâneas: passado, presente e futuro. A tarefa é árdua, mas compensadora e gratificante no percurso de cura e evolução psíquica e espiritual do sujeito.

Referência
FREUD, S. – RECOMENDAÇÕES AOS MÉDICOS QUE EXERCEM A PSICANÁLISE (1912) - Obras Completas de Psicanálise - volume XII Rio de Janeiro, Imago-1996.

1 de novembro de 2018

Anotações - A Função Transcendente - Consciente/Inconsciente



Por certo que o inconsciente não é terra que ninguém percorre em férias. É uma caverna obscura cuja lembranças, se não forem liberadas pela censura do ego, o superego, se confundem, se fundem, se escodem, e se condensam para não serem descobertas. É terreno obscuro. Não é para amadores. Os iniciantes são tragados por suas imagens, como se fosse o real, mas muitas vezes são condensações que precisam ser reveladas vagarosamente, e isso pode levar a eternidade. Ainda não é possível na terra percorrer o inconsciente “em dobra”, como nos filmes de ficção, no espaço.

A consciência como determinada e dirigida pelo inconsciente é uma concepção de Jung. De certa forma nossa vida é mais inconsciente do que consciente. E isso é pensar em transcendência. Mas não acreditamos que os conteúdos inconscientes estão a priori excluídos da consciência, ao contrario fazem parte do consciente. Estão como Lacan e Freud abordaram, são transformados em fantasias, significantes ou lembranças condensadas, em que uma se conecta a outra, que é mais fácil de ser lembrada, sem comprometer a estrutura do ego, sem grandes estragos. A natureza da consciência é em grande parte determinada pelo inconsciente. Se a tensão entre os conteúdos conscientes e inconscientes se tornam explosivos, a tendência, são os conteúdos do inconsciente irromperem-se. Jung diz que, “quanto mais capazes formos de nos afastar do inconsciente por um funcionamento dirigido, tanto maior é a possibilidade de surgir uma forte contraposição, a qual, quando irrompe, pode ter consequências desagradáveis ” (Jung, 1971). Ou seja, quanto mais pressão for realizada para reprimir os conteúdos do inconsciente, com mais catexia, energia, retornarão, pois o que é recalcado demanda cura, resinificação, interpretação, drenagem. O inconsciente está em constante movimento. É dialético em sua constituição. Então sem uma autoanálise profunda, não é possível acompanhar a movimentação rápida de seus conteúdos. O inconsciente não um mar profundo, é o universo. Somos feitos de poeira estelar, então possui suas próprias leis, das quais já nos referimos em diversos artigos: o esquecimento, a condensação, a fantasia, alucinação, o delírio, todos sob o comando do superego, que libera a passagem dos conteúdos.

Quando Jung fala, “mas não há mudança que seja incondicional por um longo período de tempo. A vida tem de ser conquistada sempre e de novo. Nenhuma solução racional pode fazer justiça a esta tarefa, e não existe absolutamente nenhuma norma coletiva que possa substituir uma solução individual, sem perdas ” (Jung, 1971).  Isso significa, que no fluxo da vida a mudança não é estática, é dialética, que a cura é uma evolução dolorosa, pois requer renuncias. As recidivas são reflexo não só de um descuido, com a autoanálise, o autoconhecimento e o fortalecimento do caráter, mas a falta de recursos psíquicos do sujeito, para dar conta de suas dores e de seus sintomas, diante da emersão de seu “lado obscuro”, ou seja, aquilo que ainda o habita e está no mais profundo do inconsciente. Quando vem à tona e requer uma catexia maior do ego, irá se deparar com as conexões dos sofrimentos da vida, como provas de seu aprendizado. Então as renuncias são inevitáveis em seu aprendizado, cura e evolução. Mas uma análise profunda é um caminho árduo de evolução constante e determinada, que possibilita ao psiquismo e a alma encontrarem alento de esperanças.

A energia dos traumas e tragédias vivenciadas desde o nascimento e que circunda o humano, gera uma tensão energética, que necessita ser conhecida em sua essência e tratada, pois tende a crescer e explodir em associações e sintomas. Um dos recursos que o inconsciente utiliza na revelação de seus conteúdos, é durante o sono, quando ocorre um rebaixamento da consciência e dos sinais vitais, além dos neurotransmissores. Ocorre então, a possibilidade dos conteúdos mais profundos do inconsciente, emergirem em fragmentos que se somam aos conteúdos do consciente. O inconsciente possui, portanto, importância fundamental no equilíbrio de forças entre o que deve emergir pela liberação do superego e daquilo que o ego está fortalecido para suportar e elaborar. Portanto “Cometer erros e desvios em terreno desconhecido e inexplorado ainda se admite, mas extraviar-se em região habitada e em plena via é simplesmente irritante. Alguém pode poupar-se a isto, desde que conheça os fatores reguladores. A pergunta que se faz aqui é, então: Quais os caminhos e as possibilidades de que dispomos para identificar o inconsciente? ” (Jung, 1971). O inconsciente se identifica pelos significantes dos quais falou Freud e Lacan. São inúmeros e diz respeito a subjetividade do sujeito. Portanto o inconsciente individual é o guardião da história do sujeito, que deve, no caminho de sua evolução ser desvelado através do autoconhecimento e da transcendência. A psicanálise é um dos recursos preciosos. As incertezas que Jung aborda sobre a “associação livre”, “nunca se tem certeza se estão relacionados com o afeto e não são deslocamentos que surgiram em lugar dele. ” Diz respeito a conexão entre o que é dito e ao que é ligado a uma lembrança. A dúvida não questiona a associação livre, apenas a interroga na busca de aproximações. Freud com sua técnica inigualável a conduz em suas conexões de forma a aproximar o sintoma de seus significantes.

O inconsciente anseia por luz “0s doentes mentais ouvem esta voz como alucinações acústicas. Mas as pessoas normais, que têm uma vida interior mais ou menos desenvolvida, podem reproduzir estas vozes inaudíveis, sem dificuldades. ” ... “Há pessoas, porém, que nada veem ou escutam dentro de si, mas suas mãos são capazes de dar expressão concreta aos conteúdos do inconsciente ” (Jung, 1971). Uma questão importante é subestimar os “pequenos detalhes”, “essa voz interior”, revelados pelo inconsciente. É nesses “pequenos detalhes”, que está uma cadeia de significantes, do não dito, e que toma de surpresa os sujeitos mais ingênuos, que caem nessas armadilhas de um outro, com traços psicóticos ou perversos. Há assim, uma perda do juízo crítico em função de uma ilusão ou fantasia irrealizável. Retomando nessa questão a neurose, “em qualquer dos casos, o tratamento da neurose não é uma "cura de águas", mas uma renovação da personalidade e, por isto mesmo, é geral e repercute em todos os domínios da vida. ” E essa cura passa por um comprometimento do sujeito com a superação das provas da vida. Essa cura passa, pelo sujeito desvincular-se de seu gozo primário, e da quebra de sua identidade primaria, que antecede a "separação materna". Quando se olha no espelho e percebe que não é a mãe. – É a relação especular de que fala Lacan.

Então, é possível acreditar que, “os opostos possam assumir nos casos individuais, fundamentalmente trata-se sempre de uma consciência desgarrada e mergulhada obstinadamente na unilateralidade e confrontada com a visão de uma totalidade e uma liberdade instintivas. Dá-se-nos a imagem do antropoide e do homem arcaico, de um lado com o seu mundo instintivo, pretensamente sem freios, e do outro, com seu mundo de ideias espirituais, muitas vezes incompreendido, que emerge da escuridão do inconsciente, compensando e corrigindo nossa unilateralidade e mostrando-nos de que modo e em que ponto nós desviamos do plano fundamental e nos atrofiamos psiquicamente” (Jung, 1971).  A consciência que se desgarra, em sua individualidade é confrontada com uma visão de totalidade primitiva. Então de um lado tem-se pretensamente, um homem que evoluiu sua consciência de mundo, mas sem freios, nas provas da vida, que se confronta com suas ideias espirituais, que emerge da escuridão do inconsciente, porque todas as suas vivencias estão lá. Então pela análise, ele vai interpretando, dando significados a essas lembranças que vão emergindo, o que possibilita compreender seu percurso, suas tarefas a cumprir, e o quanto ele se distanciou de sua evolução e se atrofiou psiquicamente e espiritualmente. Esse movimento atemporal, gera angústia, insegurança, desagregação, porque é um retorno da escuridão do inconsciente e de suas repetições, mas não conhecemos outro caminho possível no processo de evolução saudável.

Referência
JUNG, C. G. - A FUNÇÃO TRANSCENDENTE - A Natureza da Psique (1971) - Obras Completas de C. G. Jung - Volume VIII/2 - Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 - Petrópolis, RJ, Brasil - 2000

16 de julho de 2018

O racismo é sinônimo da ignorância (a alma não tem cor)


Imagem jornal https://www.lemonde.fr/

É surpreendente a reação do mundo diante da vitória da seleção de futebol da França na Copa do Mundo na Rússia em 2018 no estádio de Lujniki, em especial no Brasil. Estamos no século XXI, com tantos avanços científicos, tantos avanços de lutas pelos Direitos Humanos, pelas minorias, e o que vemos nas redes sociais, nos aplicativos? O racismo.

Há listas sobre os jogadores da seleção francesa no Brasil. Puro racismo. Porque ninguém fala sobre o fascismo da seleção da Croácia? E o que é pior, o racismo disfarçado de uma discussão sobre o que se denominou “Seleção Multicultural”, incentivada pela Croácia. Alguns vídeos foram retirados do YouTube. É o fascismo em Ascensão? É o Brasil que não lê, não se informa, que precisa urgente de informação? 

Então é imperioso resgatar a história da gloriosa seleção francesa: Já nas suas primeiras décadas, havia nos Bleus, jogadores considerados de origem "não-genuinamente" francesa, sendo filhos de imigrantes, mas nascidos na França que preferiram defender a terra que os acolheu. Os árabes sempre estiveram presentes na composição da seleção francesa. Se recentemente jogaram ou jogam os descendentes de argelinos Zinédine Zidane, Karim Benzema e Samir Nasri. A França já foi defendida por jogadores diretamente vindos da ex-colônia argelina: Joseph Alcazar na Copa do Mundo de 1934, Abdelkader bem Bouali e na Copa do Mundo de 1938, Abdelaziz bem Tifour na Copa de 1954 e William Avache na Copa de 1986.Christian Lopez, nascido na Argélia é filho de colonos espanhóis.  Há também Hatem Bem Arfa, tunisiano, Abderrrahmane Mahjoub e Adil Rami de origem marroquina jogou na copa de 1954.

A Seleção Francesa foi uma das primeiras seleções europeias a recrutar um negro: o primeiro deles foi Raoul Diagne, da Copa do Mundo de 1938, da Guiana Francesa, onde nasceu Florent Malouda do elenco atual, atualmente composto em maioria por afrofranceses. Os dois primeiros a se destacarem de verdade na Seleção foram Marius Trésor e Lilian Thuram de Guadalupe e Jean Tigana de Mali, de onde veem Alou e Lassana Diarra e Moussa Sissoko. Patrick Vieira e Patrice Evra nasceram no Senegal Senegal, de onde vem as origens de Bafétimbi Gomis, Bacary Sacary, Alv Cissokho e Mamadou Sakho. Claude Makélélé e Steve Mandanda vieram da atual República Democrática do Congo, de onde vêm as raízes de N’Zogbia e M’Vila. Blaise Matuidi é de origem angolana. Com origens em Guadalupe, mas nascidos na França, são Thirry Henry (com raízes também em Martinica, assim como Jimmy Briand, Éric Abidal e Nicolas Anelka e onde nasceu Gérard Janvion), Louis Saha, Sylvain Witord, Mikael Silvestre, William Gallas, Gael Clichv, Pascal Chimbonda e Bernard Diomède. Dibril Cissé e Abou Diabv são filhos de imigrantes da Costa do Marfim, enquanto Sidney Gavou e Rod Fanni possuem ascendência em Benin. Jean-Alain Boumsong é camaronês e Marcel Desailly é ganense adotado por um diplomata francês. Florent Sinama-Pongolle, Dimitri Payet e Guillaume Hoarau vieram da ilha africana de Reunião, de onde vem as origens de Benoit Tremoulinas. Polinésios são, Christian Karembeu, Frédéric Piquionne (nascidos na Nova Caledônia), Pascal e Marama Vahirua (vindos da Polinésia Frnacesa). Vikash Dhrasco, por sua vez, tem raízes em uma comunidade hindu das Ilhas Maurício. Alguns dos mais famosos jogadores da França têm origem italiana: Michel Platini e Roger Piantoni. Da atual geração, os mais famoso são Sébastien Squillaci e Mathieu Flamini.Pela seleção da França passaram jogadores  da ilha de Malta, da Alsácia-Lorena, Austria, Luxemburgo e Suíça, Polônia, Ucrânia, Rússia, Espanha, Argentina. Não fizeram parte dos Bleus, os franceses. Somente minorias étnicas da França.

Mais uma vez a revolucionária França, diz a que veio. E o time vitorioso na Copa do Mundo de Futebol de 2018 descrito a seguir:

Samuel Umtiti - é um futebolista camaronês naturalizado francês que atua como zagueiro. Atualmente defende o Barcelona. 

Presnel Kimpembe - futebolista franco-congolês, que nasceu em Beaumont-sur-Oise, França e atua como zagueiro e lateral-esquerdo. Atualmente defende o Paris Saint-Germain.

Djibril Sidibé - futebolista francês nasceu em Tryes, França e atua como Lateral-direito. Atualmente defende o Monaco.

Steve Mandanda - é um futebolista congolês naturalizado francês, que atua como goleiro. Atualmente joga pelo Olympique de Marseille. É ídolo no Olympique de Marseille time que mais defendeu em sua carreira.

Nabil Fékir - futebolista francês de origem argelina que atua como meia. Atualmente, joga no Lyon. Formado pelas categorias de base do Lyon, ele foi promovido a equipe principal em julho de 2013.

Paul Labile Pogba - francês guineano, é um futebolista francês que atua como meia. Atualmente defende o Manchester United

Corentin Tolisso – Francês Togolês é um futebolista francês da seleção francesa, que atua como meia. Atualmente, joga no Bayern de Munique.

Benjamin Mendy -  futebolista francês de ascendência senegalês e atua como lateral-esquerdo. Atualmente, defende o Manchester City.

Steven N'Zonzi - é um futebolista francês nasceu em de la Garenne-Colombes, França, com ascendência congolesa. Atualmente, joga pelo Sevilla.

Adil Rami - futebolista francês de ascendência marroquina, nasceu em Bastia, França, que atua como zagueiro. Defende atualmente o Olympique de Marseille.

N'Golo Kanté - futebolista francês que atua como volante, nasceu em Paris, com ascendência maliana. Atualmente defende o Chelsea Football Club

Ousmane Dembélé - é um futebolista francês que atua como ponta. Nasceu em Vernon, na França e tem ascendência mauritano. Atualmente defende o Barcelona

Kylian Mbappé - futebolista francês que atua como ponta. Nasceu em Bondy, França e possui ascendência camaronês. Atualmente defende o Paris Saint-Germain.

Blaise Matuidi -  futebolista francês que atua como volante. Nasceu em Toulouse, França e possui ascendência angolano. Atualmente, joga pela Juventus.

Diz a que veio, mostrando ao mundo como resgatar a discriminação racial, como inserir 14 sujeitos, heróis, que se multiplicarão exponencialmente em outros, mostrando como a França resgata lentamente, seus débitos com a discriminação racial e imigratória. Revolucionariamente, como é próprio da França, vencendo uma copa do Mundo de Futebol na Rússia em 2018, vencendo o fascismo da seleção da Croácia da mídia europeia, dos países euroasiáticos, e surpreendentemente do Brasil, escondido pela mídia fascista e racista. Cada sujeito precisa se interrogar sobre seu racismo, crime inafiançável, ao falar da seleção da França. Na terra somos todos imigrantes. E a cor de nossa pele é não só hereditária, mas principalmente circunstancial. Nossa alma não tem cor, é energia.

#vivaaFrança

#vivaaSeleçãodaFrança

https://pt.wikipedia.org/wiki/Sele%C3%A7%C3%A3o_Francesa_de_Futebol

26 de junho de 2018

O suicídio e o “amor além da vida”


Nossa intenção nesse artigo, não é, nos determos em números, até porque mudam a cada dia, e é possível pesquisar em https://nacoesunidas.org/ Freud abordou o tema do suicídio, de forma tangencial, através da discussão da melancolia, do luto, da luta de autopreservação, em Além do Princípio do Prazer, bem como alguns vieses em outros textos, mas não se dedicou a um estudo específico sobre o suicídio. O único texto em que aborda a questão de forma mais direta é o texto em referência. Nesse texto a questão do suicídio é abordada como um fato que acomete a adolescência, aos traumas que se revelam nessa fase da vida e na questão da imaturidade. A articulação com o “amor além da vida” diz respeito ao filme “Amor além da vida” com o ator Robin Williams. O filme está disponível no youtube e na NetFlix. Um filme tocante que conta a história de um grande amor, “além da vida”. Afetos complexos e que exige muita renúncia. O filme aborda uma discussão complexa sobre a questão do suicídio.  Mas, o está colocado em “amor além da vida”, “além da alma”, filme sobre Freud, e no artigo “Além do Princípio do Prazer”, é o que está além da vida na terra.

Quando o (s) objeto (s) de amor parte (m), termina (m) o que resta? Como deslocar a energia investida? Como reinvestir? De onde vem a resiliência? Como preencher o vazio da “falta”?  Quando a vida cai no abismo da falta, do vazio, desagregação, a poderosa questão que se coloca, e que não temos a pretensão de responder, mas refletir, e assim construir caminhos que possam contribuir para a compreensão é: Porque um sujeito perde o desejo de viver e subjuga o poderoso instinto da vida, e em um ato de desilusão, decepção, desamparo, desespero e mata-se? Comete um crime contra si próprio, suja suas mãos de sangue. Então, há que pensar essa decepção, desilusão e desespero como uma “libido desiludida”, onde não há mais o que preservar como instinto de vida e o ego de forma egoísta e desesperado renuncia a autopreservação. E nesse sentido, há uma visão estereotipada do suicídio, como um ato mecânico, que “surge do nada”. Mas é um ato, muitas vezes, construído durante um processo de vida. Portanto o indicador de idade, fica assim mascarado, pela ação progressiva e lenta de grande parte dos atos, que em sua maioria, perfaz o percurso de uma vida, que segue lentamente seu percurso invisível, até a "gota d'água final", o que não exclui os atos “impulsivos” e “repentinos” de muitos sujeitos.

O suicídio precede uma história de vida, violações da lei do incesto, de perdas, lutos, melancolias, depressão, desilusões, decepções, um desamparo perante a vida e um desencanto com a vida. Mais do que isso. Para que os traumas, as perdas, os lutos, as melancolias, as desilusões, decepções e o desencanto com a vida, e o sentimento de desamparo, encontre ressonância no sujeito, é necessário, na grande maioria das vezes uma lembrança de um ato já praticado. Sem esse recurso mnêmico é mais difícil a consecução do suicídio, porque o humano, vive da repetição, para a partir daí construir novas resiliências, novas possibilidades. Então há que vencer o gozo do próprio assassinato e suas construções constitucionais e circunstanciais, porque para “Além do Princípio do Prazer”, vinculado a preservação da vida, há “Além do Princípio do Prazer”, vinculado a morte. Freud demonstrou isso ao citar o enigma dos protozoários. https://caminhosdapsiq.blogspot.com/search?q=A+%E2%80%9Csubstancia+viva%E2%80%9D+que+nos+habita

A vida é repleta de práticas viciantes, para mascarar a dor, o vazio, em certezas delirantes, que é necessário “recuarmos” no tempo e interrogar sobre essa dor “insuportável”, que leva o sujeito a assassinar a si próprio. De onde vem e há quanto tempo essa dor habita o sujeito, não é possível identificar. Muitos são os substitutos da dor, muitos são os significantes, muitas são as transferências. Estes vão desde as mais diversas substancias psicoativas, práticas e condutas, hábitos, com a “intenção” de mascarar a dor e impedir o ato final, mas vai minando o sujeito, sua psique, sua saúde física, seu espírito. Então vamos “enumerar” esses significantes. O uso de substancias psicoativas, o álcool, as práticas promíscuas, que possibilitam as doenças sexualmente transmissíveis, a alimentação prejudicial, em sua qualidade de acordo com o metabolismo do sujeito, anorexia, bulimia, a exposição ao estresse excessivo, a prática moral sobre o outro, denegrindo-o, alimentando afetos de mágoa, ressentimento, ódio, inveja, a vaidade, a arrogância, a síndrome do “super-homem”, a ambição de poder, a greve de fome, tida como estratégia de greve política, mas que abriga uma estrutura delirante, o não cuidar de sua saúde física e mental, o vício das redes sociais, dos aplicativos, que permite consumir a energia do sujeito de forma viciante (se não acessar determinado aplicativo ou página da rede social, por um dia, o sujeito entra em uma espécie de abstinência como qualquer outro vício, porque não pode viver sem esse vício, que supre sua falta, seu vazio, sua dor). Quem trata em profundidade essa questão é o  http://www.hopital-marmottan.fr/ São infinitos significantes, que vai minando o ego, consumindo sua energia e minando o próprio sujeito, até o momento em que a catexia, não é suficiente para mantê-lo vivo. Então temos que ampliar a concepção mecânica de suicídio e pensar no suicídio, como toda prática que desencadeia profundos prejuízos ao sujeito, seu ego, sua psique, seu corpo, sua alma. Uma questão que se coloca é sobre os “gatilhos” que acionam a dor latente, porque a dor transcende o tempo e o espaço. O gatilho possui uma conexão de afinidade com a dor. Cada sujeito há que interrogar sobre sua dor. Mas, há outra questão mais complexa: se é possível uma conexão entre duas catexias, então ao sentir a dor do outro o sujeito “utiliza” essa dor como gatilho, que faz sangrar sua própria dor, uma sombra que sobrepõe a própria dor. Um mecanismo complexo, por certo.

A “mudança”, requer séculos. Aqui o prazer de viver é o prazer de morrer, encontrar a sonhada paz interior. Grande engano. Adentra-se a um outro “inferno”. Por certo os indícios para o suicídio revelam-se na mais tenra idade e são invisíveis, pois não é possível para o leigo, voltado exclusivamente para seu ego, perceber um outro, que está em sofrimento com a vida, por inúmeras razões, muito subjetivas, individuais e com inúmeros significantes. É importante não deixarmos de considerar o viés narcísico, em que só existe o próprio mundo. Quando surgem os primeiros sinais é na adolescência, por isso se fala dos grandes índices de suicídio na adolescência. Mas a potencialidade para a passagem ao ato de matar-se sempre esteve presente, pois o desencanto, desilusão, o desamparo, o desespero diante dos sofrimentos e os sofrimentos invisíveis são presentes desde a constituição do sujeito. Há uma inadequação ao mundo, que é revelada na adolescência e que é vista pela sociedade como “inadequação social”. Então muitos são os recursos e muitas são as lutas do sujeito para preservar a própria vida, até o ato final.

Há que estabelecer uma conexão entre suicídio e estruturas clínicas. Se nas neuroses, temos a conversão dos sintomas para o corpo, nas psicoses a alternância entre o real e o delírios e alucinações, na perversão temos a negação da lei, a pergunta que surge e para a qual não há ainda uma resposta conclusiva e acreditamos, que por muito tempo, não haverá é: em qual estrutura clínica o sujeito está mais vulnerável? No momento uma resposta definitiva a essa questão não é possível. Há muitas variáveis a serem consideradas tanto subjetivas, constitucionais do próprio sujeito e circunstanciais de seu percurso de vida. Muitas são as circunstancias de vida do sujeito e muitas são as tragédias circunstanciais da vida, que impõem ao sujeito uma “saída” sangrenta a própria vida, a ser resgatada em alto custo. Mas podemos colocar algumas pinceladas, próprias de algumas estruturas: nas estruturas neuróticas, a conversão dos sintomas, nas psicoses os delírios e alucinações e na perversão o prazer da dor do outro pela própria dor, que subverte a lei.

E como diria Freud: como desinvestir toda a energia de amor e realoca-la em outros objetos de amor? Está para além da vida. A questão do suicídio é uma epidemia para além da vida, que exige uma profunda compreensão de seus mecanismos latentes, para gestão não só de políticas públicas, mas uma compreensão profunda da história e subjetividade do sujeito. Há cada 40 segundos no mundo alguém comete um crime de suicídio. https://nacoesunidas.org/oms-suicidio-e-responsavel-por-uma-morte-a-cada-40-segundos-no-mundo/ Uma epidemia, complexa, que precisa ser tratada de todas as formas. Com políticas de saúde mental consistentes, com levantamento de grupos de risco, com abordagens terapêuticas eficazes, pois para além da vida, o assassinato da própria vida possui um custo psíquico, como qualquer outro assassinato. Então há que advertir os vieses de estrutura clínica que atravessam o sujeito, na passagem ao ato. O senso comum fala das punições para tal crime, é certo que o assassinato de si próprio, transgride todas as leis de preservação da vida e o sujeito terá que se haver com sua culpa, remorsos e compreensão do seu ato, para refazer o caminho em direção a preservação da vida apesar das dores. O importante é a compreensão do ato, sua subjetividade e significantes, o fortalecimento do ego, de uma estrutura psíquica saudável e porque não falar de uma evolução do espirito imortal no sentido de vencer não só a repetição, mas principalmente os significantes, que desencadearam e desencadeia o processo suicida. Exige que o sujeito saia de seu circuito suicida, invisível, onde ele retira seu prazer do sofrimento, pois “perdeu a sensação do prazer na alegria, esperança, paz, felicidade. Mas qual é o “amor além da vida”? É aquele com a resiliência e capacidade de fazer renuncias, para além do ego e num ato de abnegação ser capaz de renunciar ao ego, por amor. Então ficamos com a frase do I Ching: “mais importante que a vida, é que o bem prevaleça”. Contraditório? Não. Porque aqui o comando do ego, é de uma estrutura clínica saudável, porque inclui o outro. É o “amor além da vida”, é o dever por amor, é a renúncia por amor!
Referência

FREUD, S. – BREVES ESCRITOS - CONTRIBUIÇÕES PARA UMA DISCUSSÃO ACERCA DO SUICÍDIO - (1910) - Obras Completas de Psicanálise - volume XI Rio de Janeiro, Imago-1996. 

18 de março de 2018

O enigma da lei...



A história se repete! Não como farsa!
enfim!
a conversa termina?
porque?
já sabemos porquê!
nos defrontamos novamente com a lei!
inevitavelmente!
mas tu me amas, porque eu estou dentro da lei.
esse é o enigma!
e é realmente é um enigma!
indecifrável, para quem está fora.
eu sou um enigma, porque estou na lei!
e a lei é um enigma...
que só conhece quem está dentro da lei!
mas mesmo assim eu te amo,
por compreender a semente de lei, que existe em te,
ainda fora da lei,
duas almas do lado oposto da vida, da lei...
mas em um tempo na eternidade,
tu estarás na lei, novamente,
então, estaremos juntos! 
Myriam’aya

15 de fevereiro de 2018

Correspondência entre Freud e Jung – Associação e Transferência



11 de abril de 1906, Berggasse
Caro colega,
Muito grato pelo envio de seus Estudos de Diagnóstico de Associação; que a impaciência já me levava a adquirir. Naturalmente seu último estudo, “Psicanálise e Experimentos de Associação”, foi o que mais me agradou, pois nele o senhor demonstra, com base em sua própria experiência, que tudo o que já pude dizer sobre os campos ainda inexplorados de nossa disciplina é verdade. Confio em que o senhor venha a estar, muitas vezes, em condição de me apoiar, mas aceitarei também, de bom grado, quaisquer retificações de sua parte.
Atenciosamente,
Dr. Freud

Burghölzli-Zurique, 5 de outubro de 1906
Caro Professor Freud,
Queira aceitar meu agradecimento mais sincero pelo presente que gentilmente me enviou. Essa coletânea de seus estudos breves há de ser bem recebida por todos aqueles que desejam familiarizar-se rápida e abrangentemente com seu modo de pensar. É de se esperar que o número de seus seguidores em ciência continue a aumentar no futuro, a despeito dos ataques que Aschaffenburg,1 aplaudido pelas sábias autoridades, fez à sua teoria — dir-se-ia mesmo à sua própria pessoa. O que de mais lamentável há nesses ataques é que, a meu ver, Aschaffenburg se apega a exterioridades, quando os méritos de sua teoria se encontram no domínio psicológico, do qual os psicólogos e psiquiatras modernos têm uma compreensão bem limitada. Não faz muito, mantive com Aschaffenburg uma animada correspondência sobre sua teoria e pude então defender esse ponto de vista, que talvez, professor, nem mereça sua concordância integral. O que valorizo acima de tudo, e tem sido de grande ajuda no trabalho psicopatológico que aqui desenvolvemos, é a sua concepção psicológica; com efeito, ainda me encontro muito longe de compreender a terapia e a gênese da histeria, pois é bastante insatisfatório o material de que dispomos sobre ela. Quero dizer que sua terapia não me parece depender apenas dos afetos liberados por ab-reação, mas também de certas relações (rapports) pessoais, a e acredito que a gênese da histeria, embora predominantemente sexual, não o seja exclusivamente. Encaro de igual modo sua teoria da sexualidade. Insistindo apenas nessas delicadas questões teóricas, Aschaffenburg se esquece do essencial, sua psicologia, da qual sem dúvida a psiquiatria há de colher um dia recompensas sem fim. Espero mandar-lhe em breve um pequeno livro meu onde, partindo de sua posição, abordo a psicologia da demência precoce. Nesse livro publiquei também o caso que despertou a atenção de Bleuler para a existência de seus princípios, se bem que na época com obstinada resistência da parte dele. Mas a conversão de Bleuler, como o senhor deve saber, é agora completa. Renovando meus agradecimentos, subscrevo-me.
Respeitosamente,
C.G. Jung

As correspondências entre Freud e Jung, sempre foram relegadas pelos psicanalistas e “esquecidas”. Porque? Porque sempre foi uma relação, que os psicanalistas, prefeririam, que não tivesse existido, principalmente depois de Lacan. Aceitar a relação entre esses dois estudiosos, amigos, é aceitar confluências entre suas teses, o que para os psicanalistas Lacanianos é inadmissível. Estuda-se Lacan e através deste Freud e não o contrário, pois o próprio Lacan se colocava como freudiano. Embora as contribuições de Lacan trouxeram um outro olhar aos conceitos freudianos, na questão técnica, na interpretação, e direção clínica Freud continua imbatível. Nessa correspondência vemos as primeiras discussões sobre os seguinte imperativos categóricos, fundamentais na psicanálise: A associação livre, que permite as conexões mnêmicas complexas (o inconsciente); a discussão sobre a etiologia das neuroses, até hoje foco de amplo debate; As relações com rapports, ou seja, a construção de outro pilar da psicanalise, que é a relação de transferência, fundamental na direção clínica, onde o sujeito projeta no psicanalista seus desejos, permitindo que eles sejam tratados, resinificados, interpretados. E por último, como não poderia deixar de ser, até os tempos atuais, as críticas a psicanálise, que desde o seu nascedouro nunca deixaram de existir, principalmente, no que diz respeito a etiologia da sexualidade na formação das patologias. Essa resistência dos profissionais de saúde mental e das pessoas em geral, refletem um desconhecimento da obra freudiana, que nunca acessaram e ao preconceito. Que é difícil cada sujeito se interrogar sobre o lado obscuro de sua sexualidade, não é segredo para ninguém, e talvez aqui esteja o ponto de resistência, o implicar-se com o próprio desejo.

1 Gustav Aschaffenburg (1866-1944), professor de psiquiatria e neurologia em Heidelberg e, mais tarde, em Halle e Colônia; nos E.U.A. depois de 1939, ensinou e praticou em Baltimore e Washington.

Referência
FREUD / JUNG - CORRESPONDÊNCIA COMPLETA, p.43-44-45 - Organizada por WILLIAM McGUIRE - Coleção Psicologia Psicanalítica Direção de Jayme Salomão - IMAGO EDITORA LTDA. Rio de Janeiro

30 de novembro de 2017

Voz e palavra é música


A natureza possui uma linguagem, que lhe é própria. Então Todos os seres no planeta são nossos irmãos, o minúsculo inseto, cumpre a lei e sua função, seu dever no tempo e no espaço. O que denominamos recursos como a água, rios florestas montanhas, vales e até o que denominamos por raça, mais evoluída no planeta, ou seja, o homem, que se utiliza do que ele denomina inteligência, para destruir o outro, a natureza, que nada mais é do que ele mesmo, destruído assim seus irmãos, sua casa, como se a lei do universo, não fosse uma lei de causa e efeito, onde a destruição de suas ações, seu desejo de poder, sua arrogância nas palavras e ações, não ressoasse sobre si mesmo, pelas palavras que proferiu, pelas ações que executou.

Nessa existência que vivemos as palavras, nos humanizou, e nos acompanha, qual sombra, pela sonoridade, pelas ideias, e sentimentos que emitem ou são o espelho de sentimentos intraduzíveis. Escutá-las ou lê-las encontramos sonoridades diferentes, pois quem escuta em uma subjetividade, pode ler em outra subjetividade. A palavra pode ser carregada de leveza, amorosidade, caricia, amor ou violência. É assim que a palavra possui uma enigmática alquimia. É quase um mistério, para quem o escreve ou fala. Reinos já se pacificaram ou guerrearam por causa dela. O profeta Muammad advertia contra “esses homens que erram pelos vales e dizem o que não sentem”.  A esta habilidade do escrever, traduzi-los é o abismo da linguagem, e se pensarmos nos idiomas, só é possível compreendê-los como sentimento. A palavra antecede o ato da leitura, porque está na origem da evolução humana, da troca, da transformação. Possui um significado, um significante muito da subjetividade de cada pessoa. Cada palavra possui seu mistério, seja no discurso do sujeito, nas religiões, nas diversas culturas e idiomas. Essa cumplicidade que nos une pela palavra é porque compartilhamos os mesmos símbolos, significantes, das similitudes. É o que nos une. A barreira da palavra está no fundamentalismo das ideias e conceitos

A palavra é poesia, ao ser pronunciada, evoca uma sonoridade musical que desencadeia sentimentos, representações, significados, significantes profundos, muitas vezes indizíveis. Se a palavra fala, a voz é como uma música, é porque possui uma sonoridade, uma frequência energética em hertz, que desencadeia um turbilhão de emoções. A voz pode ser como um mantra a depender da forma e frequência em que as palavras são pronunciadas. E isso vem da energia, da catexia. Casa voz possui uma melodia, em várias tonalidades a inspirar os sentimentos mais nobres existentes ou não. Que as palavras e os idiomas possuem uma melodia, não há o que interrogar. Mas para além das palavras e de como essas são escritas ou pronunciadas, está a forma como é lido um texto. Embora a pronuncia ou a oralidade da fala, é que encanta, em sua energia iluminada envolve não só os sentidos e sensações, mas a energia de quem escuta, lê ou intui. As redes sociais de certa forma suprimiram, em grande parte, essa sonoridade, pela configuração. Mas a musicalidade da oralidade, através das palavras não se perde, o que faz as pessoas se conectarem com seus afins ou permitirem que sua energia vá se afinizando, com a energia, que em primeiro plano não se apresentava com grande afinidade. Então voz e a palavra é música. Música da alma, da essência do ser. A questão é a afinidade musical entre os seres, que interagem entre si. Não é por acaso que depois da visão a voz e a palavra é um recurso pessoal de aproximação entre os seres. O ar o vento está cheio de voz, palavras e pensamentos. E em um futuro longínquo será o pensamento. As pessoas estarão se conectando entre si pelo pensamento, com os pensamentos musicais afins. Então os pensamentos habitarão as entranhas da alma, alimentar-se-á dos sonhos e cada ser nascerá para si e para o outro. Seja esse outro um humano, a natureza ou o universo.