Enquanto o materialismo se
acerca dos conceitos, da técnica, dos manuais, das questões egoicas, das
relações midiáticas, do poder, do narcisismo, as reflexões oceânicas de Freud
são inúmeras e há muito o que aprofundarmos nessas intuições do inconsciente: “talvez o mais importante, item desta primitiva ‘filosofia da natureza’ causa-nos uma impressão menos estranha, uma vez que, embora tenhamos mantido apenas uma crença muito limitada na existência de espíritos e expliquemos os fenômenos naturais pela influência de forças físicas impessoais, nós próprios não estamos muito longe dessa terceira crença, pois os povos primitivos acreditam que os seres humanos são habitados por espíritos semelhantes. Essas almas que vivem nos homens podem deixar suas habitações e emigrar para outros seres humanos; são o veículo das atividades mentais e são até certo ponto independentes de seus corpos. Originalmente, as almas eram representadas como muito semelhantes às pessoas e foi somente no decorrer de um longo desenvolvimento que elas perderam suas características materiais e se tornaram ‘espiritualizadas’ em alto grau” (Freud, 1913 – 1914, p. 87-88).
17 de novembro de 2013
11 de novembro de 2013
Poesia - Jornada
...cumprir
a jornada...
...as
vicissitudes do mundo...
...a
insensatez juvenil...
...tempo
e lugares...
...se
embaralham...
...a
saudade infinita...
...para
um aprendizado necessário...
...o
último encontro...
...face
a face...
...lagrimas
contidas...
...promessas...devoção...
...contar
o tempo?
...não
há números.
...
cumprir o caminho...
...
meu coração lhe pertence...
Nunca
estarei separada de ti.
Cumprirei
provas...
...mas
tua suave ternura...
devoção,
renuncia, fidelidade,
teu
doce amor
me
faz voar...
...na
eternidade,
não
há separação...
...juntos
na mesma jornada.
Myriam
M’aya
8 de novembro de 2013
O Sagrado e o Tabu na Atualidade
“Se uma só
pessoa consegue gratificar o desejo reprimido, o mesmo desejo está fadado a ser
despertado em todos os outros membros da comunidade. A fim de sofrear a
tentação o transgressor invejado tem de ser despojado dos frutos de seu empreendimento
e o castigo, não raramente proporcionará aqueles que o executam uma
oportunidade de cometer o mesmo ultraje, sob a aparência de um ato de expiação.
Na verdade, este é um dos fundamentos do sistema penal humano e baseia-se, sem
dúvida, corretamente, na pressuposição de que os impulsos proibidos
encontram-se presentes tanto no criminoso como na comunidade que se vinga”
(Freud, [1913-1914] p.84)
“Voltar às
costas à realidade é, ao mesmo tempo, afastar-se da comunidade dos homens”.
“Tabu” é
uma expressão banalizada e utilizada nos dias atuais para se referenciar a algo
“que não constitui mais um costume” ou a algo que é difícil intervir. “Tabu”
significa “sagrado”, “misterioso”, “proibido”, “impuro”, ou seja, significa a
existência de pessoas ou coisas que são sagradas, misteriosas, santas, e que a
violação no que diz respeito a elas implica em graves punições. Há um temor de
violação do sagrado. Talvez seja o conjunto de leis mais antigo que existe, “os primeiros
sistemas penais humanos podem ser remontados ao tabu”. Os tabus visam à proteção de pessoas
importantes, proteger mulheres, crianças, pessoas comuns dos poderosos, do
contato com cadáveres, determinados alimentos, proteger o nascimento, o casamento
e as funções sexuais, proteção contra a cólera dos deuses e dos espíritos,
proteção de crianças em gestação, prevenir contra ladrões a propriedade de uma
pessoa. Assim determinados perigos provocados pela violação do tabu podem ser
evitados por atos de expiação.
Interessante
é certo animismo no tabu, pois “pessoas ou coisas consideradas como tabu, podem
ser comparadas a objetos carregados de eletricidade... com efeito destrutivo”.
É a força mágica do tabu que define as consequências da violação do mesmo, É
natural que os primeiros tabus na história do homem tenham sido e ainda são os
ligados aos chefes, sacerdotes e pessoas mortas. Há muito de enigmático nos
tabus que a ciência materialista não consegue desvendar, até porque muitos dos
tabus são difíceis de explicar sua existência. Assim algumas pessoas ou coisas
vão ter um potencial de carga maior, que possa causar efeito maior sobre o
indivíduo. O núcleo do totemismo que algumas civilizações ainda conservam até
hoje, diz respeito às proibições de matar e comer determinados animais. Em
relação aos seres humanos os tabus que de certa forma ainda conservamos diz
respeito à iniciação dos rapazes, a menstruação, o pós-parto, os
recém-nascidos, os mortos e as pessoas enfermas, ou seja, cada uma dessas categorias
exige um ritual no sentido de não absorverem ou passar energias que não são
benéficas.
O fenômeno
do tabu que diz respeito a proibições, é de certa maneira inconsciente no
psiquismo do indivíduo, e implica em uma repetição. Isso não passou despercebido
a Freud. Essa repetição aparentemente sem motivo é mantida pelo medo de que se
rompidas, algo de nefasto
aconteça, principalmente no que diz respeito ao tocar, ao contato físico ou
intelectual e aqui a semelhança com sintoma na neurose obsessiva. Mas nesse
caso o deslocamento pode ocorrer para diversos objetos ou atos. Desde tempos
remotos fala-se do poder de determinados objetos que funcionam como tabu ou
mesmo o hálito sagrado de um sacerdote que pode causar até a morte. É sabido
dos estudos arqueológicos sobre o poder dos objetos sagrados em relação a todas
as formas de expressão de religiosidade pelos indivíduos. É dessa proibição e
da necessidade de tocar pela repetição que se constrói uma atitude ambivalente
de amor e ódio pelo objeto desejado.
Os tabus
são proibições desde a antiguidade primitiva e faz parte da evolução psíquica
do homem no planeta, transmitidos de uma geração a outra e muitas vezes
reinventados. “Quem pode afirmar se
coisas tais como ‘ideias inatas’ existem ou se no presente exemplo atuaram,
isoladamente ou em conjunto com a educação, para ocasionar a fixação permanente
de tabus?” (Freud, p.48). Assim
as leis básicas do totemismo eram “não matar o animal
totêmico e evitar relações sexuais” com
membros do clã totêmico. A proibição pode gerar um conflito que possibilita a
ambivalência, potencializado, se uma pessoa não viola nenhum tabu, como um
sacerdote, um rei, um chefe Estado, uma pessoa que pelo seu caráter não pode
ser imputado erros, transforma-se em um tabu, despertando pelo seu contrário o
conflito de ambivalência, necessitando de intermediários, pois seriam alvos de
inveja. Portanto o tocar exerce uma função importante, pois “o tocar é o primeiro
passo no sentido de obter qualquer espécie de controle sobre uma pessoa ou
objeto ou de tentar fazer uso dos mesmos” (Freud, p. 50).
A
transgressão implica em expiação ou punição. O tabu foi e continua sendo uma
forma de controlar os instintos e desejos que desagrega o indivíduo e o grupo
em que vive. A renúncia é assim um primeiro exercício de autocontrole. Muitos
dos resquícios do tabu aparecem na neurose obsessiva com seus sintomas e
ambivalência de maior ou menor ênfase dependendo da subjetividade do sujeito. O
tabu referente aos inimigos era tratado com cerimonias de apaziguamento da alma
do inimigo assassinado, restrições sobre o assassino com expiação, purificação
e ritos cerimoniais lamentando e pedindo seu perdão. Assim são descritas as
falas: “Não
tenhais raiva”, dizem, “porque vossa cabeça está aqui conosco; se tivéssemos
tido menos sorte, nossas cabeças poderiam estar agora expostas em vossa aldeia.
Oferecemos o sacrifício para vos apaziguar. Vosso espírito pode agora descansar
e deixar-nos em paz. Por que fostes nosso inimigo? Não teria sido melhor que
tivéssemos permanecido amigos? Então vosso sangue não teria sido derramado e
vossa cabeça não teria sido decepada” (Freud p. 52). É comum ver esses mesmos rituais
no mundo atual em relação aqueles que são considerados inimigos no dia a dia.
Expirar,
purificar, ficar de luto, prantear para transformar os antigos inimigos em amigos
sempre foi uma prática comum na antiguidade aos dias atuais. A sociedade
civilizada não aboliu a reverência aos inimigos e em suas práticas de vida.
Mesmo porque permanecem os “sentimentos de
remorso, de admiração, de consciência pesada”, por tê-lo prejudicado. A purificação
também diz respeito ao cheiro do sangue dos assassinados, ao cheirarem poderiam
morrer. É conhecido que os trabalhadores que abatem os animais para consumo
estão mais vulneráveis a enfrentar problemas psíquicos, os sobreviventes de guerras,
os indivíduos que fazem parte de instituições policiais, quando tiram a vida de
outra pessoa são afastados temporariamente, os coveiros possuem seus rituais,
sendo comum a ingestão de álcool. “Talvez possa sugerir
que o isolamento temporário ou permanente dos carrascos profissionais,
isolamento que persistiu até os dias presentes, tenha algo a ver com esse fato.
A posição do carrasco público na sociedade medieval oferece uma representação
do funcionamento do tabu entre os selvagens” (Freud, p.56-57). Permanece o tabu do homem morto,
do que praticou a violência e de tudo que entrou em contato com eles.
Esta
relação com aquilo que se considera sagrado, misterioso estende-se também aos
governantes. Desde os tempos primitivos acreditava-se que os governantes,
sacerdotes, reis deveriam ser protegidos, mas também que se deveria proteger-se
deles, uma vez que se acreditava, e que de alguma forma nossa civilização
revela vestígios desses rituais, que eles constituem “veículos do poder
mágico misterioso e perigoso que se transmite por contato, como uma carga
elétrica”, que pode causar
efeitos inesperados. Grande parte da concepção, dos rituais de proteção de
nossos governantes, sacerdotes, reis, na sociedade atual guardam vestígios dos
tempos primeiros, tanto no que diz respeito o tocar e ser tocado. Ser tocado é
sempre como um remédio. “Diz-se que Carlos I
curou uma centena de pacientes com um só toque, em 1633. Mas foi após a
Restauração da monarquia sob o reinado de seu dissoluto filho, Carlos II, que
as curas reais da escrofulose atingiram o ápice. No decorrer de seu reinado,
calcula-se que ele tenha tocado perto de cem mil pessoas dia” (Freud, p.57). Ao mesmo tempo em que a
vida dos governantes, sacerdotes só é importante se seus deveres para com o
povo são cumpridos. Do contrário transforma-se em ódio e vira um criminoso.
Dessa concepção surge a necessidade de isolar as pessoas consideradas perigosas.
Os
sacerdotes, os reis e governantes sempre tiveram que cumprir um grande número
de tabus, ao mesmo tempo em que aquilo que pode constituir-se em um tabu para o
povo, podem não o ser para eles. Essas diferenças, ambivalências estão no cerne
da constituição humana em maior ou menor grau a depender da individualidade em
questão. Pensar que onde habita um sentimento de afeição pode habitar
inconscientemente um sentimento de hostilidade nos revela o quanto estar em
harmonia consigo próprio é complexo na história da humanidade, principalmente
porque muitas vezes essa
hostilidade é silenciada por uma intensificação da afeição “que se expressa em
solicitude e se torna compulsiva, porque de outro modo seria inadequada para
desempenhar a missão de manter sob repressão a corrente de sentimento contrária
e inconsciente” (Freud, p.64). Então
é possível supor que ao se idolatrar determinado objeto, pode estabelecer no
inconsciente uma corrente oposta de hostilidade.
Em nossa
relação com as pessoas, quando se exagera na importância de determinada pessoa,
ela passa a ser também
responsável por tudo de ruim que aconteça. A imagem que uma criança tem de seus
pais é de excessivo poder, e está ligada a admiração. Essa fantasia encontra
eco no mundo primitivo, quando se atribuía poderes aos reis e sacerdotes sobre
a chuva, o sol, o vento e na medida que
decepciona suas expectativas os depõem ou matam. O mesmo tabu que exalta os
reis acima dos mortais o aprisiona e o mata, tornando-o mais escravo do que
seus súditos. Da mesma forma o complexo de emoções de uma criança para com seus
pais (complexo paterno), podem torna-los prisioneiros de seus filhos.
Os tabus
referentes aos inimigos aos governantes estendem-se aos mortos e não poderia
ser diferente, pois a morte sempre foi um enigma, como também o mais grave
infortúnio que poderia acometer o homem. Portanto tocar em um cadáver sempre
foi um tabu, mesmo para algumas pessoas na sociedade atual, ou algumas
comunidades. Tanto assim que desde a antiguidade era designado alguém para essa
função. Hoje temos os serviços funerários. A questão é manter o espírito da
pessoa morta a distancia. A relação com a morte sempre foi angustiosa, fonte de
dor, o horror pelo destino do corpo. As cerimonias desde a antiguidade visavam
e de certa forma herdamos esses rituais, eram manter a distancia o espírito do
morto. “É por isso que os
homens gostavam de enterrar os mortos em ilhas ou no outro lado dos rios e
essa, por sua vez, é a origem de expressões como ‘Aqui e no Além’” (Freud,
p.72-73). Essa malignidade
dos mortos foi diminuindo, ficando restrito aos indivíduos que eram
assassinados.
A
distancia a ser mantida do morto ou de seus parentes, é uma forma de defesa,
contra o ressentimento da alma do morto e pelo contraste existente entre o “sofrimento
consciente e a satisfação inconsciente pela morte que ocorreu”. Esses sentimentos funcionam como
oposição ao luto, deslocando algum sentimento de hostilidade inconsciente que
possa haver e que com o tempo torna-se menos agudo, de forma que o tabu em
relação aos mortos possam ser atenuados e até esquecidos. “O luto tem uma
missão psíquica muito específica a efetuar; sua função é desligar dos mortos às
lembranças e as esperanças dos sobreviventes. Quando isto é conseguido, o
sofrimento diminui e, com ele, o remorso e as autocensuras e, consequentemente,
também o medo” (Freud, p.78). De
certa forma as proibições do tabu dizem respeito a ambivalência emocional. Há
sentimentos contraditórios que comandam as relações humanas. O tabu nos remete
a questão da consciência, de suas culpas, ou seja, a percepção de uma censura
interna de um ato de desejo, que poderia ser evitado. É natural compreender que
a consciência tenha surgido com ambivalência, conflitos, escolhas
contraditórias.
Existe uma
semelhança fundamental entre as proibições dos tabus e as proibições morais.
Embora essa transição e os aspectos psíquicos envolvidos não são de todo
identificáveis, mas podemos supor que mudanças ocorridas nos grupos, nas
sociedades e nas subjetividades dos indivíduos, devem ter possibilitado que
muitos tabus, originaram questões morais. As formações culturais estão
relacionadas a elementos que fazem parte dos instintos, principalmente de
autopreservação. É fato que o percurso de nossa civilização deixou marcas
mnêmicas que retornam e se repetem em nossa vivência diária, em nossos hábitos,
muitos dos quais não nos damos conta.
Referências
FREUD,
S. – TOTEM E TATU E OUTROS TRABALHOS (1913 – 1914), Obras
Completas de Psicanálise - volume XIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
3 de novembro de 2013
Tabu e a CARTA 50
…Preciso
contar-lhe um sonho interessante que tive na noite após os funerais. Eu me
encontrava num local público e li um aviso que havia lá:
Pede-se
que você feche os olhos.
Imediatamente
reconheci o local como sendo o salão de barbearia a que vou diariamente. No dia
do sepultamento, tive de me demorar ali, esperando minha vez, e por isso
cheguei à casa funerária um tanto atrasado. Na ocasião, meus familiares estavam
aborrecidos comigo porque eu providenciara para que o funeral fosse modesto e
simples, com o que depois concordaram, achando isso bastante acertado. Também
interpretaram um pouco mal o meu atraso. A frase no quadro de avisos tem um
duplo sentido, e em ambos os sentidos significa: “deve-se cumprir a obrigação
para com os mortos”. (Uma desculpa, como se eu não a tivesse cumprido e como se
minha conduta precisasse ser tolerada, e a obrigação, assumida literalmente.)
Assim, o sonho é uma saída para a tendência à autocensura, que costuma estar
presente entre os sobreviventes.
S. Freud,
2 de novembro de 1896
Nesse momento
de reflexão sobre totem e tabu, vemos no percurso de Freud, em seus
sonhos, impulso de sua autoanálise, que o tabu sobrevive não só em nosso
dia a dia, mas transpõe a vigília para o sonho. Na sequencia vamos percorrer o
enigma da sobrevivência do tabu ao longo da trajetória humana, levando-nos a supor que um traço permanece no
inconsciente, como uma lembrança que será recordada e até certo ponto repetida.
Seguir o Caminho
Quem
respira apressado não dura
Quem
alarga os passos não caminha
Quem vê
por si não se ilumina
Quem
aprova por si não resplandece
Quem se
auto-enriquece não cria a obra
Quem se
exalta não cresce
Esses,
para o Caminho, são como os restos de alimento de uma oferenda
Coisas
desprezadas por todos
Por isso,
quem possui o Caminho não atua desse modo
TAO TE CHING - O Livro do
Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng
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