10 de maio de 2014

“Escolha” e Defesa

É possível supor que quando falamos de escolha temos alternativas, caminhos, ou formas de existir. Nem sempre as escolhas são possíveis, pois quando há um rompimento com a lei, o que fica diz respeito ao compulsório, obrigatório, ou seja, um retorno à lei. Assim quando falamos da escolha da neurose ou da estrutura é mais complexo, porque nos vem a imagem de várias possibilidades de estrutura diante de um sujeito em desenvolvimento e ele, por razões enigmáticas “escolhe” uma em detrimento da outra.  Freud pensou o que ele denominou de “a escolha da neurose”, em diversas formas, indo e vindo, mas permanecendo o enigma da “escolha”. Da passagem pela questão da hereditariedade ou às etapas do desenvolvimento cronológico do ser humano, do período em que ocorreu uma experiência traumática, e que o único recurso foi  determinada defesa. Embora a questão da gênese situa-se “na mais remota infância”, assim como os conteúdos recalcados.

A onda pulsional, de energia, que cerca o desenvolvimento do ser humano irá possibilitar ou não a repressão, algo que deveria ser experimentado como repugnância, é experimentado como prazer. A sexualidade na constituição do humano e sua provação na triangulação familiar, acrescido do enigma que habita cada um, desde que é gerado, há muito de complexo nos caminhos que percorre. Se da neurose histérica, obsessiva, as psicoses e perversões, os traços que se intercruzam são “arestas” “depurações” a serem percorridas por cada indivíduo. Se na histeria há uma identificação com a pessoa amada, nas psicoses e perversões  é desfeita a identificação, para figuras exteriores, mas os traços existentes do narcisismo deixa obscuro esse rompimento, pois algo de amor existiu e permanece, sendo difícil identificar em que tempo.

É certo que a ciência há que avançar no estudo do psiquismo humano, fora do materialismo, aproximando-se de outras áreas do conhecimento. Como diz Freud: “O problema de saber por que e como uma pessoa pode ficar doente de uma neurose acha-se certamente entre aqueles aos quais a psicanálise deveria oferecer uma solução” (p.341). É o que remete a “escolha” do funcionamento psíquico. Todos trazem ou não disposições ao nascer de determinantes patogênicos, assim como as circunstancias da vida constitui provações de “escolhas” de caminhos, defesas, que vão inserindo o constitucional. Todas as funções psíquicas sejam a função intelectual, sexual, emoções, sentimentos, raciocínios de juízo de valor, ou capacidade de julgamento racional imparcial, sublimações, passam por um longo e complicado desenvolvimento, por caminhos tortuosos, que demandam muito discernimento. Nesses caminhos tortuosos do desenvolvimento, é possível que algumas funções fixem-se em determinadas etapas, que pode evoluir ou regredir em função de circunstancias internas ou externas.

As interrogações sobre a “escolha” do funcionamento psíquico, não deve ficar como um problema para a pesquisa biológica. É fato que algumas pré-disposições para desenvolver estarão vinculadas a eventos que venham pulsioná-las a repetição, desde a gestação. Seu aparecimento tardio revela a cronificação de fixações e disposições primitivas. Complexo identificar em que ponto ocorreu inibições de uma ou mais função psíquica. Todos os fatores envolvidos estão marcados no inconsciente e num processo de livre associação “todos possuem, em seu próprio inconsciente, um instrumento com que podem interpretar as elocuções do inconsciente das outras pessoas” (p.344), na medida em que se desenvolve o autoconhecimento e um distanciamento “crítico”, onde o afeto não se configura como um véu a encobrir a essência dos seres, que se inter-relacionam.

É possível dizer que na dialética história do sujeito o objeto de escolha, suas determinações, devem se possível, em um desenvolvimento saudável está mais distante do ego, possibilitando um acalento de sua ferida narcísica, de sua vaidade, arrogância e egoísmo. As sutilezas e particularidades da escolha do objeto de identificação são complexas e no que diz respeito ao psiquismo há que analisar cada caso. A disposição a determinado funcionamento psíquico pode seguir um curso crônico estável, como pode também passar por variadas oscilações, como uma onda. A antítese masculina e feminina, o ativo e o passivo, estão presentes desde o início da gestação, vindo a se constituir em significado e significantes diante das vicissitudes da vida, que vão se modelando e remodelando através dos instintos e suas sublimações.

Ao interrogarmos sobre “escolhas” de funcionamento, estruturas psíquicas, há que pensarmos no que diz respeito ao desenvolvimento do caráter. “As mesmas forças instituais” que estão em operação nos recursos de funcionamento e defesa, estão presentes na formação do caráter. Aqui um fracasso da repressão e o retorno do reprimido seguem livre curso no sentido das sublimações ou do sadismo, num percurso de experiências primitivas, em que a “passagem ao ato” é desprovido de emoções como compaixão, empatia e o outro assume a característica de objeto de pesquisa, conhecimento e não de afeto. É certo que “os estádios de desenvolvimento dos instintos do ego” ainda necessitam, no presente, de muitos estudos. A aceleração ou retardamento desse ou daquele instinto, sejam por quais circunstancias forem, podem ser facilitadores para o desenvolvimento da neurose histérica, obsessiva, psicoses ou perversões. Se todas as intervenções na vida buscam relações amorosas sublimadas no sentido daquilo que podemos falar como cura, há que supormos que “escolha” está mais para procura, evolução e cura do que para uma opção.

Referências
FREUD, S.  – A DISPOSIÇÃO À NEUROSE OBSESSIVA - UMA CONTRIBUIÇÃO AO PROBLEMA DA ESCOLHA DA NEUROSE (1913), Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago - 1996.
FREUD, S.  – RASCUNHO K, Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

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