É possível supor que quando falamos de escolha temos alternativas,
caminhos, ou formas de existir. Nem sempre as escolhas são possíveis, pois
quando há um rompimento com a lei, o que fica diz respeito ao compulsório,
obrigatório, ou seja, um retorno à lei. Assim quando falamos da escolha da
neurose ou da estrutura é mais complexo, porque nos vem a imagem de várias
possibilidades de estrutura diante de um sujeito em desenvolvimento e ele, por
razões enigmáticas “escolhe” uma em detrimento da outra. Freud pensou o
que ele denominou de “a escolha da neurose”, em diversas formas, indo e vindo,
mas permanecendo o enigma da “escolha”. Da passagem pela questão da
hereditariedade ou às etapas do desenvolvimento cronológico do ser humano, do
período em que ocorreu uma experiência traumática, e que o único recurso
foi determinada defesa. Embora a questão da gênese situa-se “na mais
remota infância”, assim como os conteúdos recalcados.
A onda pulsional, de energia, que cerca o desenvolvimento do ser humano
irá possibilitar ou não a repressão, algo que deveria ser experimentado como
repugnância, é experimentado como prazer. A sexualidade na constituição do
humano e sua provação na triangulação familiar, acrescido do enigma que habita
cada um, desde que é gerado, há muito de complexo nos caminhos que percorre. Se
da neurose histérica, obsessiva, as psicoses e perversões, os traços que se
intercruzam são “arestas” “depurações” a serem percorridas por cada indivíduo.
Se na histeria há uma identificação com a pessoa amada, nas psicoses e
perversões é desfeita a identificação, para figuras exteriores, mas os
traços existentes do narcisismo deixa obscuro esse rompimento, pois algo de
amor existiu e permanece, sendo difícil identificar em que tempo.
É certo que a ciência há que avançar no estudo do psiquismo humano,
fora do materialismo, aproximando-se de outras áreas do conhecimento. Como diz
Freud: “O problema de saber por que e como uma pessoa pode ficar doente de uma
neurose acha-se certamente entre aqueles aos quais a psicanálise deveria
oferecer uma solução” (p.341). É o que remete a “escolha” do funcionamento
psíquico. Todos trazem ou não disposições ao nascer de determinantes patogênicos,
assim como as circunstancias da vida constitui provações de “escolhas” de
caminhos, defesas, que vão inserindo o constitucional. Todas as funções
psíquicas sejam a função intelectual, sexual, emoções, sentimentos, raciocínios
de juízo de valor, ou capacidade de julgamento racional imparcial, sublimações,
passam por um longo e complicado desenvolvimento, por caminhos tortuosos, que
demandam muito discernimento. Nesses caminhos tortuosos do desenvolvimento, é
possível que algumas funções fixem-se em determinadas etapas, que pode evoluir
ou regredir em função de circunstancias internas ou externas.
As interrogações sobre a “escolha” do funcionamento psíquico, não deve
ficar como um problema para a pesquisa biológica. É fato que algumas
pré-disposições para desenvolver estarão vinculadas a eventos que venham
pulsioná-las a repetição, desde a gestação. Seu aparecimento tardio revela a
cronificação de fixações e disposições primitivas. Complexo identificar em que
ponto ocorreu inibições de uma ou mais função psíquica. Todos os fatores
envolvidos estão marcados no inconsciente e num processo de livre associação
“todos possuem, em seu próprio inconsciente, um instrumento com que podem
interpretar as elocuções do inconsciente das outras pessoas” (p.344), na medida
em que se desenvolve o autoconhecimento e um distanciamento “crítico”, onde o
afeto não se configura como um véu a encobrir a essência dos seres, que se
inter-relacionam.
É possível dizer que na dialética história do sujeito o objeto de
escolha, suas determinações, devem se possível, em um desenvolvimento saudável
está mais distante do ego, possibilitando um acalento de sua ferida narcísica,
de sua vaidade, arrogância e egoísmo. As sutilezas e particularidades da
escolha do objeto de identificação são complexas e no que diz respeito ao
psiquismo há que analisar cada caso. A disposição a determinado funcionamento
psíquico pode seguir um curso crônico estável, como pode também passar por
variadas oscilações, como uma onda. A antítese masculina e feminina, o ativo e
o passivo, estão presentes desde o início da gestação, vindo a se constituir em
significado e significantes diante das vicissitudes da vida, que vão se
modelando e remodelando através dos instintos e suas sublimações.
Ao interrogarmos sobre “escolhas” de funcionamento, estruturas
psíquicas, há que pensarmos no que diz respeito ao desenvolvimento do caráter.
“As mesmas forças instituais” que estão em operação nos recursos de
funcionamento e defesa, estão presentes na formação do caráter. Aqui um fracasso
da repressão e o retorno do reprimido seguem livre curso no sentido das
sublimações ou do sadismo, num percurso de experiências primitivas, em que a
“passagem ao ato” é desprovido de emoções como compaixão, empatia e o outro
assume a característica de objeto de pesquisa, conhecimento e não de afeto. É
certo que “os estádios de desenvolvimento dos instintos do ego” ainda
necessitam, no presente, de muitos estudos. A aceleração ou retardamento desse
ou daquele instinto, sejam por quais circunstancias forem, podem ser
facilitadores para o desenvolvimento da neurose histérica, obsessiva, psicoses
ou perversões. Se todas as intervenções na vida buscam relações amorosas
sublimadas no sentido daquilo que podemos falar como cura, há que supormos que
“escolha” está mais para procura, evolução e cura do que para uma opção.
Referências
FREUD, S. – A
DISPOSIÇÃO À NEUROSE OBSESSIVA - UMA CONTRIBUIÇÃO AO PROBLEMA DA ESCOLHA DA
NEUROSE (1913), Obras Completas
de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago - 1996.
FREUD, S. – RASCUNHO K, Obras
Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996.
Nenhum comentário:
Postar um comentário