31 de janeiro de 2015

Correspondência Freud e Jung - 1906

11 de abril de 1906, IX. Berggasse 191
Caro colega,

Muito grato pelo envio de seus Estudos de Diagnostico de Associação; que a impaciência já me levava a adquirir. Naturalmente seu ultimo estudo, “Psicanalise e Experimentos de Associação”, foi o que mais me agradou, pois nele o senhor demonstra, com base em sua própria experiência, que tudo o que já pude dizer sobre os campos ainda inexplorados de nossa disciplina é verdade. Confio em que o senhor venha a estar, muitas vezes, em condição de me apoiar, mas aceitarei também, de bom grado, quaisquer retificações de sua parte.

Atenciosamente, Dr. Freud


Burgholzli-Zurique, 5 de outubro de 1906
Caro Professor Freud,

Queira aceitar meu agradecimento mais sincero pelo presente que gentilmente me enviou. Essa coletânea de seus estudos breves há de ser bem recebida por todos aqueles que desejam familiarizar-se rápida e abrangentemente com seu modo de pensar. E de se esperar que o número de seus seguidores em ciência continue a aumentar no futuro, a despeito dos ataques que Aschaffenburg, aplaudido pelas sabias autoridades, fez a sua teoria — dir-se-ia mesmo a sua própria pessoa. O que de mais lamentável há nesses ataques e que, a meu ver, Aschaffenburg se apega a exterioridades, quando os méritos de sua teoria se encontram no domínio psicológico, do qual os psicólogos e psiquiatras modernos tem uma compreensão bem limitada. Não faz muito, mantive com Aschaffenburg uma animada correspondência sobre sua teoria e pude então defender esse ponto de vista, que talvez, Professor, nem mereça sua concordância integral. O que valorizo acima de tudo, e tem sido de grande ajuda no trabalho psicopatológico que aqui desenvolvemos, e a sua concepção psicológica; com efeito, ainda me encontro muito longe de compreender a terapia e a gênese da histeria, pois é bastante insatisfatório o material de que dispomos sobre ela. Quero dizer que sua terapia não me parece depender apenas dos afetos liberados por ab-reação, mas também de certas relações (rapports) pessoais, e acredito que a gênese da histeria, embora predominantemente sexual, não o seja exclusivamente. Encaro de igual modo sua teoria da sexualidade. Insistindo apenas nessas delicadas questões teóricas, Aschaffenburg se esquece do essencial, sua psicologia, da qual sem duvida a psiquiatria há de colher um dia recompensas sem fim. Espero mandar-lhe em breve um pequeno livro meu onde, partindo de sua posição, abordo a psicologia da demência precoce. Nesse livro publiquei também o caso que despertou a atenção de Bleuler para a existência de seus princípios, se bem que na época com obstinada resistência da parte dele. Mas a conversão de Bleuler, como o senhor deve saber, é agora completa. Renovando meus agradecimentos, subscrevo-me.

Respeitosamente, C. G. Jung

Nessa correspondência entre Freud e Jung, estão os primeiros estudos sobre a histeria e suas grandes incógnitas, tão presentes no mundo atual, quando muitas das afecções do corpo permanecem incompreensíveis. E mais do que uma expressão do psiquismo no corpo, a histeria coletiva de determinados grupos no país, no momento atual, que em sua dificuldade de se implicar em sua lei interna, transgride não só essa, mas estende às leis do Estado de Direito, num desejo de subvertê-las, para que seus gozos sejam sem culpa. 

25 de janeiro de 2015

Anotações sobre os sonhos


“A interpretação dos sonhos de Freud, apresenta como única função do sonho a transformação em realização de desejo dos restos diurnos desagradáveis que perturbam o sono. A importância desses resíduos do dia e da vida é esclarecida com uma precisão e uma acuidade quase inigualáveis; penso, entretanto, que o retorno dos restos diurnos já representa por si mesmo uma das funções do sonho. Pois se observarmos com minuncia a relação entre a história pessoal e os conteúdos oníricos, torna-se cada vez mais evidente que aquilo a que chamamos restos diurnos (e podemos acrescentar: os restos de vida) são, de fato, sintomas de repetição na neurose traumática também tem uma função intrinsecamente útil ela vai conduzir o trauma a uma resolução, se possível definitiva; melhor do que isso não fora possível no decorrer do acontecimento originário comovente. É de supor que essa tendencia também exista mesmo onde não vinga, ou seja, onde a repetição não leva a nenhum resultado melhor do que o traumatismo originário. Assim, uma definição mais completa da função do sonho seria (em vez de “o sonho é uma realização do desejo”)”.
“Todo e qualquer sonho ainda o mais desagradável, é uma tentativa de levar acontecimentos traumáticos a uma resolução e a um domínio psíquicos melhores no sentido, poderíamos dizer, do “esprit d’escalier, o que na maioria dos sonhos, é facilitado por uma diminuição da inteligência crítica e pelo predomínio do princípio do prazer. Não desejaria portanto, que o retorno dos restos do dia e da vida no sonho fosse considerado o produto mecânico da pulsão de repetição, mas suspeito de que, lá bem atrás, temos a ação de uma tendencia, que deve ser igualmente qualificada de psicológica, para uma nova e melhor resolução, em que a realização do desejo é o meio pelo qual o sonho conseguirá chegar a ela, mais ou menos bem.” (p.128)

Em toda a história do homem no planeta o sonho sempre foi analisado pelos seus enigmas. Sendo um dos primeiros estudos de Freud, permanece até os dias atuais com grandes interrogações, pois é um estado alterado de consciência. Nessa anotação Ferenczi irá validar a tese dos restos diurnos desagradáveis, que fazem parte da vida, na possibilidade de ao repeti-los em sonhos adquirirem novos significados.

Referência

FERENCZI, Sándor – PSICANÁLISE IV (1928). Obras Completas – São Paulo, Martins Fontes, 2011