25 de junho de 2016
22 de junho de 2016
Uma nota sobre o ódio inconsciente
Qual o
receio que muitas vezes as pessoas têm da psicanálise? Porque a psicanálise vai
interrogar o sujeito. A psicanálise vai interrogar seu desejo, vai implicá-lo.
Dessa forma vai conduzi-lo a ele mesmo e o outro vai existir, enquanto seu
objeto de desejo, seja esse desejo no campo da neurose, das psicoses ou do
perverso ou em seus diversos traços em uma estrutura. Na sociedade atual
ninguém deseja se implicar, flexibilizar suas resistências, utilizar a razão. O
sujeito desejante é o sujeito do instinto primário, da projeção ao outro, das
psicoses ou da negação da lei, pela perversão.
O que se
faz presente, já foi passado, porque fez parte de uma construção. Vivemos uma
civilização no início do século XXI, construída no que ainda resta do
materialismo, onde os grupos sociais, que se sentem elitizados, necessariamente
podem não ter poder aquisitivo, sucumbem ao primitivismo do ódio, seja em que
concepção se paute, como verdade absoluta. Uma geração, que para além de não
possuir um caminho na filosofia, enquanto disciplina teórica do conhecimento,
não alcançará pelo materialismo o autoconhecimento necessário à construção e
reconstrução não só da própria vida psíquica, mas também da vida em sociedade.
As redes sociais estão impregnadas de ódio, sangra; a vida está impregnada de
ódio, seja lá pelo que for. Então se for possível uma “escalada”, odeia-se o
pai e/ou a mãe e/ou filho e/ou irmão (a), "companheiro", a
"companheira", o vizinho, a escola, o colega, a faculdade, a
sociedade, a cidade, as manifestações religiosas, espirituais, sejam quais
forem, as manifestações de gênero, os imigrantes, os pobres, a cor da
pele diferente, as regiões pobres do país, os países pobres, as etnias,
as raças, enfim, odeia-se o planeta: essa casa maravilhosa que habitamos.
Há que interrogarmos como foi construída essa dificuldade de lidar com o
diferente, a falta. Assim o outro pobre, imigrante, amarelo, negro, vermelho, de
outro gênero, de outra cidade, região, raça, é um ser faltante, incompleto,
“não deve existir” enquanto sujeito e sim como objeto. É fato que o
inconsciente sempre foi e sempre será um enigma, pois, um psíquico que agora se
acha presente, já foi um passado e poderá ser um futuro. Então é assim que
Freud irá dizer: “que um
elemento psíquico que, se ache agora presente em minha consciência pode
tornar-se ausente no momento seguinte, e novamente presente,” (1912). É assim que esquecer é uma forma de
defesa, de não responsabilizar-se. Então em que momento da existência psíquica
esse ódio foi instalado e insuflado? Ele queima o sujeito que habita, como um
parasita que se alimenta de seu hospedeiro, até sua destruição, pois encontra
alimento e um ambiente receptivo.
Mas, para
que esse ódio tenha sucesso é necessário que ele burle as defesas, para não ser
reconhecido e destruído, e isso “é possível na perversão”. É possível na
construção de um discurso os diversos interesses, que se colocam, como a falada
“democracia”. Se pensarmos na exegese
da palavra desde sua origem na Grécia Antiga (demo=povo e kracia=governo);
temos um governo para o povo. Mas que povo? Na Grécia antiga nem todos podiam
participar dessa “democracia representativa”: Mulheres, estrangeiros, escravos
e crianças não participavam das decisões políticas da cidade. A participação
hoje da “democracia representativa”, é representada, como na Grécia antiga, por
uma elite dominante, com interesses econômicos definidos, mais vinculados a
questões de raça do que de questões partidárias. Esse limite na
participação assumiu formas mais “sofisticadas” na atualidade. Então os
critérios de caráter, honestidade, idoneidade moral, ética não existem. Só é
possível participar de forma partidária, no sentido de “tomar partido” de
acordo com os interesses de grupos econômicos influentes. A questão que se coloca dos interesses
de insuflar o ódio, nesse inconsciente coletivo, que cada sujeito abriga dentro
de si, é algo a se interrogar: porque não tem a família que desejava, o
trabalho, a posição social, a estética física, o padrão moral, a formação
intelectual, etc., enfim há sempre um significante que “encontrará eco no
real”. Manipular esse ódio individual até que ele se torne coletivo é algo que
a história humana durante a segunda guerra mundial,como em um jogo de xadrez,
fez com grandes tragédias. E então parafraseando Sarte o Ser pode ser o Nada e
o Nada pode ser o Ser.
Supõe-se
que as formas presentes de existência, dos conteúdos, é uma “repetição” de
experiências remotas, ou seja, com “outros” representantes; e o que fica
latente é aquilo que precisa ser reelaborado, revisto sob outra linguagem, a
qual é a lei. Mas o ódio subverte a lei. O que está presente em nosso consciente
é o “que nos damos conta”; o mais está no campo/tempo/lugar do inconsciente (na
memória inacessível). É difícil o inconsciente ser revelado. O que lhe escapa,
escapa através dos chistes, das associações, dos diversos representantes e
significantes. Embora muitas vezes furtivas imagens, diálogos, sentimentos se
fazem lembrar, sem uma ordem, influência consistente. A maior parte desse
material permanece inconsciente, necessitando de mediação, para se fazer
presente, resinificado. Essas ideias, sentimentos latentes, são dinâmicas e nem
sempre é possível localizar no tempo, mas existem de forma inconsciente. O
próprio ódio, enquanto um sintoma de algo que se envenenou, sem chegar a
consciente elaborado, existe em cada sujeito, que há de se interrogar em sua
subjetividade, qual a fonte de seu ódio, que se dirige para o outro, mas que
começa em si próprio, no seu inconsciente, em outras palavras, o que o sujeito
odeia em si próprio? A resistência às ideias inconscientes constitui a essência
delas. É possível pensar que o ódio e suas manifestações é um ato social, mas é
antecedido de um ato psíquico que começa como um “ato inconsciente e pode permanecer
assim ou continuar a evoluir para a consciência, segundo encontra resistência
ou não”, pois a lei do inconsciente é algo a ser construída na inserção do
sujeito na cultura e nos recursos que o superego possui, ou seja, aquilo que é
constitucional. Se o ódio é um negativo, para que justifique a si próprio
necessita encontrar eco no real. Mas que real é esse que se configura pelo
ódio? Pelo negativo? É um real sem resinificação, um real possível de ser
interrogado: mas o que possui de positivo “nisso”? Mas o ódio
só é possível ser compreendido no campo do perverso, porque requer outro
sintoma, que é a vingança, como sadismo. Então, há que cada sujeito se implicar
em seu discurso e em suas passagens ao ato sem necessitar dos grupos sociais,
instituições para manterem-se anônimos, pois o anonimato é a terra dos
deserdados.
Referência
FREUD, S.. UMA NOTA SOBRE O INCONSCIENTE
NA PSICANÁLISE (1912) - Obras Completas de Psicanálise -
volume XII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
12 de junho de 2016
"O Começo da Vida"
Os avanços das pesquisas sobre os seres humanos, na compreensão dessa maravilhosa máquina biológica e simultaneamente da subjetividade que a compõe é excepcional. Um vídeo para ver e sentir.
10 de junho de 2016
Caminhos do Inconsciente...
As
palavras de Freud ecoam, principalmente quando falamos de consciente e
inconsciente e a qual comando estamos mais fortemente vinculados e conscientes,
dado as devidas diferenças de subjetividades e seus percursos. As modulações
entre consciente e inconsciente, requerem um aprofundamento do
autoconhecimento, que “não dá saltos”. É um percurso, lento e muitas vezes
doloroso. Qualquer absolutismo aqui requer um reexame dos sentimentos de
arrogância e ignorância sobre si mesmo.
“A
psicanálise escapou a dificuldades..., negando energicamente a igualação entre
o que é psíquico e o que é consciente. Não; ser consciente não pode ser a
essência do que é psíquico. É apenas uma qualidade do que é psíquico, e uma
qualidade inconstante — uma qualidade que está com muito mais frequência
ausente do que presente. O psíquico, seja qual for sua natureza, é em si mesmo
inconsciente e provavelmente semelhante em espécie a todos os outros processos
naturais de que obtivemos conhecimento.”
“A
psicanálise baseia essa asserção numa série de fatos, dos quais passarei agora
a fornecer uma seleção.”
“Sabemos o
que se quer dizer por ideias que ‘ocorrem’ a alguém — pensamentos que
subitamente vêm à consciência sem que se esteja ciente dos passos que a eles
levaram, embora também estes devam ter sido atos psíquicos. Pode mesmo
acontecer que se chegue dessa maneira à solução de algum difícil problema
intelectual, que anteriormente, durante certo tempo, frustrou nossos esforços.
Todos os complicados processos de seleção, rejeição e decisão que ocuparam o
intervalo foram retirados da consciência. Não estaremos apresentando nenhuma
teoria nova se dissermos que eles foram inconscientes e que talvez, também,
assim permaneceram.”
“Em
segundo lugar, colherei um exemplo isolado para representar uma imensa classe
de fenômenos. O presidente de um órgão público (a Câmara Baixa do Parlamento
Austríaco) em certa ocasião abriu uma reunião com as seguintes palavras:
‘Constato que um quorum completo de membros está presente e por isso declaro
encerrada a sessão. ’ Foi um lapso verbal, pois não pode haver dúvida de que
aquilo que o presidente pretendia dizer era ‘aberta’. Por que então disse o
contrário? Esperaremos que nos digam que foi um equívoco acidental, uma falha
em levar a cabo uma intenção, tal como pode facilmente acontecer por diversas
razões: não teve significado e, de qualquer modo, os contrários, de modo
particular e fácil, substituem-se uns aos outros. Se, contudo, tivermos em
mente a situação em que o lapso verbal ocorreu, ficaremos inclinados a preferir
outra explicação. Muitas das sessões anteriores da Câmara tinham sido
desagradavelmente tempestuosas e nada haviam produzido, de modo que seria muito
natural que o presidente pensasse, no momento de fazer sua declaração de
abertura: ‘Se a sessão que está apenas começando estivesse acabada! Preferiria
muito mais encerrá-la do que abri-la!’ Quando começou a falar, provavelmente
não estava cônscio desse desejo — não lhe era consciente —, mas ele achava-se
certamente presente e alcançou sucesso em se fazer efetivo, contra a vontade do
orador, em seu aparente equívoco. Um exemplo isolado dificilmente pode
capacitar-nos a decidir entre duas explicações tão diferentes. Mas, e se todos os outros exemplos
de lapsos verbais pudessem ser explicados da mesma maneira, e, semelhantemente,
todos os lapsos de escrita, todos os casos de leitura ou audição equivocada, e
todos os atos falhos? E se em todos esses casos (sem uma única exceção,
poder-se-ia corretamente dizer) fosse possível demonstrar a presença de um ato
psíquico — um pensamento, um desejo ou uma intenção — que explicasse o equívoco
aparente e que fosse inconsciente no momento em que se tornou efetivo, ainda
que anteriormente pudesse ter sido consciente? Se assim fosse, realmente não
seria mais possível discutir o fato de que existem atos psíquicos que são
inconscientes e o de que às vezes eles são mesmo ativos enquanto se acham
inconscientes, e nesse caso podem inclusive, ocasionalmente, levar a melhor sobre
as intenções conscientes. A pessoa envolvida num equívoco desse tipo pode
reagir a ele de diversas maneiras. Pode desprezá-lo completamente ou notá-lo e
ficar embaraçada e envergonhada. Via de regra, não pode encontrar a explicação
dele por si própria, sem auxílio externo, e quase sempre se recusa — por certo
tempo, pelo menos — a aceitar a solução quando esta lhe é apresentada.”
Se todos
os lapsos verbais, de ações, representantes, de “silêncios”, puderem ser
explicados via inconsciente, é possível demonstrar a presença de um ato
psíquico, um pensamento, um desejo ou uma intenção via inconsciente, que apesar
de desejar se fazer presente ao mesmo tempo não o deseja. Então falamos de
inconsciente revelado. Tarefa árdua e difícil.
Referência
FREUD, S.. ALGUMAS LIÇÕES ELEMENTARES DE
PSICANÁLISE (1940 [1938]) - Obras
Completas de Psicanálise - volume XXIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
Assinar:
Postagens (Atom)