Por certo que vivemos uma época em que 0 acesso quase imediato aos acontecimentos na sociedade, contribui para acentuar desvios de caráter, quando se trata de informação. Difícil saber a fonte, a origem e se é verdade ou não. Há no mundo atual uma “fábrica de mentiras” que se autodenomina “jornalismo”, ou “compromisso democrático”. É o terrorismo da informação. Mas isso não fica somente no geral da sociedade. Essa forma de viver permeia as relações mais íntimas entre familiares e amigos: que manipulam, dissimulam, mente, distorcem situações para favorecerem a si próprias, obtendo um gozo de poder sobre o outro. Nesse sentido esse trecho do livro de Arthur Schopenhauer – A Arte de Insultar, nos coloca diante da estrutura perversa do insulto:
1. O
insulto como "extrema ratio"
“A
presente Arte de insultar é o complemento ideal da Arte de ter razão, o
primeiro dos pequenos tratados de Schopenhauer que tiramos de seus escritos
póstumos. Concluindo aquele prontuário de estratagemas inventados para se ter
sempre razão, Schopenhauer reconhecia, entretanto o limite de toda técnica
argumentativa: se discutirmos com um adversário mais inteligente e mais hábil
do que nós, não haverá astúcia que resolva; no plano da dialética, não há
escapatória, acabaremos fatalmente sendo derrotados. Isso não significa,
todavia, que a partida esteja irremediavelmente perdida. De fato, resta um
derradeiro, pérfido expediente, o trigésimo oitavo, que aconselha:”
"Quando
perceber que o adversário é superior e que você acabará por perder a razão,
torne-se ofensivo, ultrajante, grosseiro, isto é, passe do objeto da
contestação (dado que aí a partida está perdida) ao contendor e ataque de algum
modo sua pessoa".
Como Schopenhauer
acrescenta, e como é natural, "essa regra é muito popular, já que qualquer
um é capaz de aplicá-la, e portanto é empregada com frequência". Insultar
será, pois, como a experiência cotidiana confirma, o término inevitável de nossas
discussões. Mas Schopenhauer não vê com bons olhos esse resultado. Para ele, o melhor
que há é tentar evitar de qualquer maneira ser arrastados a esse ponto, para o que
oferece um par de sugestões práticas:
1) por
exemplo, fazer-se de desentendido e ignorar os insultos do adversário; uma série
de anedotas clássicas, por ele recolhidas com tal fim, mostram como os homens sábios
sabem manter a impassibilidade diante das ofensas e dos insultos mais
irritantes.
2) ou,
melhor ainda, como Aristóteles já sugeria nas confutações sofisticas e como nosso
filósofo também recomenda, evitar discutir com o primeiro que aparecer ou com gente
que fala só por falar à maneira dos sofistas, portanto escolher com
clarividência os interlocutores com os quais entabular seriamente controvérsias
e discussões.
No
entanto, como todos bem sabem, apesar de todas as cautelas, muitas vezes acabamos
levados ao insulto pelos acasos da vida, inclusive quando menos gostaríamos. Em
certas situações, é impossível recuar porque — explica Schopenhauer — quem insulta
nos faz perder a honra, mesmo se for o "mais indigno canalha, o mais
estúpido animal, um vagabundo, um jogador, um facadista". Portanto,
"uma só grosseria supera qualquer argumentação e faz sombra a qualquer
espiritualidade". Em outras palavras, como reza a máxima n° 4 da Arte de
se fazer respeitar: "A vileza é uma qualidade que, nas questões de honra,
supera e suplanta qualquer outra. Se, por exemplo, durante uma discussão ou um
colóquio, outro demonstra um conhecimento de causa mais exato, um amor mais
rigoroso à verdade e um juízo mais sadio que nós, ou uma superioridade intelectual
qualquer que nos faça sombra, podemos logo eliminar essa e qualquer outra superioridade,
para não dizer nossa própria inferioridade assim posta a nu, e por nossa vez
sermos superiores, tornando-nos vis: uma vileza prevalece e leva a melhor sobre
qualquer argumento e, a não ser que nosso adversário não replique com uma
vileza ainda maior... somos nós os vencedores, a honra fica conosco, e a verdade,
o conhecimento, o espírito e o engenho devem cair fora, derrotados e
encurralados pela vileza. Trata-se então de não estarmos despreparados para tal
caso.
Esse cotidiano tão comum, que é o insulto obscurece a verdade, através
de um recorte de base fundamentalista. É uma agressão perversa, calculada,
pensada, para atingir o outro em sua liberdade. Quando um sujeito faz
determinada coisa moralmente duvidosa, e aquilo é de certa forma “revelado”,
mesmo que seja de forma velada, ele diz que é o outro que está fazendo, seja lá
o que for. Ele coloca o moralmente duvidoso no outro. Essa projeção paranoica é
sutil, difícil de identificar e demanda desse outro um grande autoconhecimento.
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