18 de setembro de 2016

As Sutilezas do Insulto


Por certo que vivemos uma época em que 0 acesso quase imediato  aos acontecimentos na sociedade, contribui para acentuar desvios de caráter, quando se trata de informação. Difícil saber a fonte, a origem e se é verdade ou não. Há no mundo atual uma “fábrica de mentiras” que se autodenomina “jornalismo”, ou “compromisso democrático”. É o terrorismo da informação. Mas isso não fica somente no geral da sociedade. Essa forma de viver permeia as relações mais íntimas entre familiares e amigos: que manipulam, dissimulam, mente, distorcem situações para favorecerem a si próprias, obtendo um gozo de poder sobre o outro. Nesse sentido esse trecho do livro de Arthur Schopenhauer – A Arte de Insultar, nos coloca diante da estrutura perversa do insulto:

1. O insulto como "extrema ratio"
“A presente Arte de insultar é o complemento ideal da Arte de ter razão, o primeiro dos pequenos tratados de Schopenhauer que tiramos de seus escritos póstumos. Concluindo aquele prontuário de estratagemas inventados para se ter sempre razão, Schopenhauer reconhecia, entretanto o limite de toda técnica argumentativa: se discutirmos com um adversário mais inteligente e mais hábil do que nós, não haverá astúcia que resolva; no plano da dialética, não há escapatória, acabaremos fatalmente sendo derrotados. Isso não significa, todavia, que a partida esteja irremediavelmente perdida. De fato, resta um derradeiro, pérfido expediente, o trigésimo oitavo, que aconselha:”

"Quando perceber que o adversário é superior e que você acabará por perder a razão, torne-se ofensivo, ultrajante, grosseiro, isto é, passe do objeto da contestação (dado que aí a partida está perdida) ao contendor e ataque de algum modo sua pessoa".

Como Schopenhauer acrescenta, e como é natural, "essa regra é muito popular, já que qualquer um é capaz de aplicá-la, e portanto é empregada com frequência". Insultar será, pois, como a experiência cotidiana confirma, o término inevitável de nossas discussões. Mas Schopenhauer não vê com bons olhos esse resultado. Para ele, o melhor que há é tentar evitar de qualquer maneira ser arrastados a esse ponto, para o que oferece um par de sugestões práticas:
1) por exemplo, fazer-se de desentendido e ignorar os insultos do adversário; uma série de anedotas clássicas, por ele recolhidas com tal fim, mostram como os homens sábios sabem manter a impassibilidade diante das ofensas e dos insultos mais irritantes.
2) ou, melhor ainda, como Aristóteles já sugeria nas confutações sofisticas e como nosso filósofo também recomenda, evitar discutir com o primeiro que aparecer ou com gente que fala só por falar à maneira dos sofistas, portanto escolher com clarividência os interlocutores com os quais entabular seriamente controvérsias e discussões.
No entanto, como todos bem sabem, apesar de todas as cautelas, muitas vezes acabamos levados ao insulto pelos acasos da vida, inclusive quando menos gostaríamos. Em certas situações, é impossível recuar porque — explica Schopenhauer — quem insulta nos faz perder a honra, mesmo se for o "mais indigno canalha, o mais estúpido animal, um vagabundo, um jogador, um facadista". Portanto, "uma só grosseria supera qualquer argumentação e faz sombra a qualquer espiritualidade". Em outras palavras, como reza a máxima n° 4 da Arte de se fazer respeitar: "A vileza é uma qualidade que, nas questões de honra, supera e suplanta qualquer outra. Se, por exemplo, durante uma discussão ou um colóquio, outro demonstra um conhecimento de causa mais exato, um amor mais rigoroso à verdade e um juízo mais sadio que nós, ou uma superioridade intelectual qualquer que nos faça sombra, podemos logo eliminar essa e qualquer outra superioridade, para não dizer nossa própria inferioridade assim posta a nu, e por nossa vez sermos superiores, tornando-nos vis: uma vileza prevalece e leva a melhor sobre qualquer argumento e, a não ser que nosso adversário não replique com uma vileza ainda maior... somos nós os vencedores, a honra fica conosco, e a verdade, o conhecimento, o espírito e o engenho devem cair fora, derrotados e encurralados pela vileza. Trata-se então de não estarmos despreparados para tal caso.

Esse cotidiano tão comum, que é o insulto obscurece a verdade, através de um recorte de base fundamentalista. É uma agressão perversa, calculada, pensada, para atingir o outro em sua liberdade. Quando um sujeito faz determinada coisa moralmente duvidosa, e aquilo é de certa forma “revelado”, mesmo que seja de forma velada, ele diz que é o outro que está fazendo, seja lá o que for. Ele coloca o moralmente duvidoso no outro. Essa projeção paranoica é sutil, difícil de identificar e demanda desse outro um grande autoconhecimento.

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