“Por "função transcendente" não se
deve entender algo de misterioso e por assim dizer suprassensível ou
metafísico, mas uma função que, por sua natureza, pode-se comparar com uma
função Publicado em Geist und Werk,
estudo comemorativo do 75º aniversário de Daniel Brody, Rhein-Verlag, Zurique,
1958. Matemática de igual denominação, e é uma função de números reais e
imaginários. A função psicológica e "transcendente" resulta da união
dos conteúdos conscientes e inconscientes”.
“A experiência no campo da psicologia
analítica nos tem mostrado abundantemente que o consciente e o inconsciente
raramente estão de acordo no que se refere a seus conteúdos e tendências. Esta
falta de paralelismo, como nos ensina a experiência, não é meramente acidental
ou sem propósito, mas se deve ao fato de que o inconsciente se comporta de
maneira compensatória ou complementar em relação à consciência. Podemos
inverter a formulação e dizer que a consciência se comporta de maneira compensatória
com relação ao inconsciente. A razão desta relação é que: 1) os conteúdos do
inconsciente possuem um valor liminar, de sorte que todos os elementos por
demais débeis permanecem no inconsciente: 2) a consciência, devido a suas
funções dirigidas, exerce uma inibição (que Freud chama de censura) sobre todo
o material incompatível, em consequência do que, este material incompatível
mergulha no inconsciente; 3) a consciência é um processo momentâneo de adaptação, ao passo que
o inconsciente contém não só todo o material esquecido do passado individual,
mas todos os traços funcionais herdados que constituem a estrutura do espírito
humano e 4) o inconsciente contém todas as combinações da fantasia que ainda
não ultrapassaram a intensidade liminar e, com o correr do tempo e em
circunstâncias favoráveis, entrarão no campo luminoso da consciência”.
Abordar as questões
da obra de Jung, por certo não é tarefa fácil, como não é tarefa fácil as
questões freudianas, lacanianas, principalmente quando há discordâncias. Mas é
um percurso necessário para compreensão do humano. Nesse trecho do capitulo A
Função Transcendente – A Natureza da Psique – Jung conceitua sua compreensão
sobre a questão do consciente e do inconsciente.
Nesse
sentido começamos por anotar que a “função transcendente”, como a própria
expressão revela é da ordem da metafísica do suprassensível. O que contradiz
com o que ele fala no texto. Jung compreende como “transcendente”, “a união dos
conteúdos conscientes e inconsciente”. De certa forma é. Mas é mais que isso a
expressão “transcendente” e Kant muito adentrou-se em sua obra sobre a
metafísica. Compreender “transcendente apenas como a união dos conteúdos do
consciente e do inconsciente é muito raso. E afirmar que isso não é metafísica é
um equívoco. Que para haver “acordo”, entre os conteúdos do inconsciente e do
consciente, é necessário que a censura, que é o superego, que concordamos, ser
permeável, mas até o ponto em que o sujeito consiga dar sustentação aos
conteúdos que são permitidos a passagem ao consciente e que o ego dê
sustentação a esses conteúdos de forma “equilibrada”, para que sejam compreendidos.
Sem isso é muito mais difícil. O inconsciente nunca é uma forma de “compensar”
o consciente, e vice-versa, pois no inconsciente, estão os conteúdos mnêmicos
dos quais o sujeito não possui estrutura para dar sustentação. Aqui Jung se
contradiz ao colocar “ 3) a consciência é
um processo momentâneo de adaptação,
ao passo que o inconsciente contém não só todo o material esquecido do passado
individual, mas todos os traços funcionais herdados que constituem a estrutura
do espírito humano e 4) o inconsciente contém todas as combinações da fantasia
que ainda não ultrapassaram a intensidade liminar e, com o correr do tempo e em
circunstâncias favoráveis, entrarão no campo luminoso da consciência. ” Isso
é transcendência, metafísica.
Que os
conteúdos do inconsciente são mais expostos na estrutura psicótica, não há
divergência, porque a censura do superego é menor.
O
fundamental da natureza da psique são os conteúdos inconscientes, que
transcendem. Aqui está a memória “esquecida” temporariamente, para que o
sujeito mantenha sua estrutura psíquica, suas defesas, e possa em seu caminhar
existencial resgatar lentamente suas lembranças, de forma que estas, venham a
compor um todo, que é seu eu, sua essência. Quais compensações, ou repetições,
que por força da catexia, assumem uma quantidade maior, são os sintomas, que
revelarão aquilo que é “segredo para o próprio sujeito!”. Muitos são os
recursos e circunstancias a serem percorridas nessa reconstrução.
.
Carl
Gustav Jung - A NATUREZA DA PSIQUE - Obras Completas de C. G. Jung -Volume
VIII/2 - Tradução de: Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, OSB - Título do original alemão: Die Dynamik des
Unbewussten - Walter Verlag, AG, Olten - Direitos exclusivos de publicação em
língua portuguesa: Editora Vozes Ltda.