28 de fevereiro de 2017

I - Jung e “a função transcendente”


“Por "função transcendente" não se deve entender algo de misterioso e por assim dizer suprassensível ou metafísico, mas uma função que, por sua natureza, pode-se comparar com uma função Publicado em Geist und Werk, estudo comemorativo do 75º aniversário de Daniel Brody, Rhein-Verlag, Zurique, 1958. Matemática de igual denominação, e é uma função de números reais e imaginários. A função psicológica e "transcendente" resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes”.

“A experiência no campo da psicologia analítica nos tem mostrado abundantemente que o consciente e o inconsciente raramente estão de acordo no que se refere a seus conteúdos e tendências. Esta falta de paralelismo, como nos ensina a experiência, não é meramente acidental ou sem propósito, mas se deve ao fato de que o inconsciente se comporta de maneira compensatória ou complementar em relação à consciência. Podemos inverter a formulação e dizer que a consciência se comporta de maneira compensatória com relação ao inconsciente. A razão desta relação é que: 1) os conteúdos do inconsciente possuem um valor liminar, de sorte que todos os elementos por demais débeis permanecem no inconsciente: 2) a consciência, devido a suas funções dirigidas, exerce uma inibição (que Freud chama de censura) sobre todo o material incompatível, em consequência do que, este material incompatível mergulha no inconsciente; 3) a consciência é um processo momentâneo de adaptação, ao passo que o inconsciente contém não só todo o material esquecido do passado individual, mas todos os traços funcionais herdados que constituem a estrutura do espírito humano e 4) o inconsciente contém todas as combinações da fantasia que ainda não ultrapassaram a intensidade liminar e, com o correr do tempo e em circunstâncias favoráveis, entrarão no campo luminoso da consciência”.

Abordar as questões da obra de Jung, por certo não é tarefa fácil, como não é tarefa fácil as questões freudianas, lacanianas, principalmente quando há discordâncias. Mas é um percurso necessário para compreensão do humano. Nesse trecho do capitulo A Função Transcendente – A Natureza da Psique – Jung conceitua sua compreensão sobre a questão do consciente e do inconsciente.

Nesse sentido começamos por anotar que a “função transcendente”, como a própria expressão revela é da ordem da metafísica do suprassensível. O que contradiz com o que ele fala no texto. Jung compreende como “transcendente”, “a união dos conteúdos conscientes e inconsciente”. De certa forma é. Mas é mais que isso a expressão “transcendente” e Kant muito adentrou-se em sua obra sobre a metafísica. Compreender “transcendente apenas como a união dos conteúdos do consciente e do inconsciente é muito raso. E afirmar que isso não é metafísica é um equívoco. Que para haver “acordo”, entre os conteúdos do inconsciente e do consciente, é necessário que a censura, que é o superego, que concordamos, ser permeável, mas até o ponto em que o sujeito consiga dar sustentação aos conteúdos que são permitidos a passagem ao consciente e que o ego dê sustentação a esses conteúdos de forma “equilibrada”, para que sejam compreendidos. Sem isso é muito mais difícil. O inconsciente nunca é uma forma de “compensar” o consciente, e vice-versa, pois no inconsciente, estão os conteúdos mnêmicos dos quais o sujeito não possui estrutura para dar sustentação. Aqui Jung se contradiz ao colocar “ 3) a consciência é um processo momentâneo de adaptação, ao passo que o inconsciente contém não só todo o material esquecido do passado individual, mas todos os traços funcionais herdados que constituem a estrutura do espírito humano e 4) o inconsciente contém todas as combinações da fantasia que ainda não ultrapassaram a intensidade liminar e, com o correr do tempo e em circunstâncias favoráveis, entrarão no campo luminoso da consciência. ” Isso é transcendência, metafísica.
Que os conteúdos do inconsciente são mais expostos na estrutura psicótica, não há divergência, porque a censura do superego é menor.

O fundamental da natureza da psique são os conteúdos inconscientes, que transcendem. Aqui está a memória “esquecida” temporariamente, para que o sujeito mantenha sua estrutura psíquica, suas defesas, e possa em seu caminhar existencial resgatar lentamente suas lembranças, de forma que estas, venham a compor um todo, que é seu eu, sua essência. Quais compensações, ou repetições, que por força da catexia, assumem uma quantidade maior, são os sintomas, que revelarão aquilo que é “segredo para o próprio sujeito!”. Muitos são os recursos e circunstancias a serem percorridas nessa reconstrução.
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Carl Gustav Jung - A NATUREZA DA PSIQUE - Obras Completas de C. G. Jung -Volume VIII/2 - Tradução de: Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, OSB - Título do original alemão: Die Dynamik des Unbewussten - Walter Verlag, AG, Olten - Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa: Editora Vozes Ltda.

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