23 de dezembro de 2013

Poesia: Em um tempo distante


 corro pelo campo...
ai está você...
o vento carrega nossas vestimentas...
como se fosse nossas almas...
correm uma para outra...
o vento carrega nossos cabelos...
como fios que se unem em um amor infinito...
não é preciso palavras...
nossos pensamentos falam...
de um amor que nasceu...
como a erva do campo.... livre...
como o alecrim do campo... perfumado...
como as arvores do campo... seus frutos no tempo certo...
como a terra, em pura devoção...
como o rio, fiel ao seu destino... encontrar o mar... e transformar-se em chuva...
como a luz das estrelas, que todas as noites se cruzam...como nossos olhares...
Nossos olhos se cruzam na luz das estrelas...
Myriam ‘aya 

“Retorno” do Totemismo na Infância

“A família tem seus fundamentos no relacionamento entre marido e mulher. O laço que mantém a família unida é a fidelidade e a perseverança da mulher. A posição dela é no interior... e a posição dele, no exterior... O fato de o homem e a mulher ocuparem o lugar que lhes corresponde está de acordo com as grandes leis da natureza. Na família uma firme autoridade é necessária; isto é representado pelos pais. Quando o pai é realmente um pai e o filho um filho, quando o irmão mais velho preenche sua função como irmão mais velho, e o mais moço a que lhe é própria, quando o esposo é realmente esposo e a esposa uma esposa, então a família está em ordem. Quando a família está em ordem, todos os relacionamentos sociais da humanidade também estão em ordem. Das cinco relações sociais, três são encontradas no interior da família: a relação entre pai e filho, que é a do amor; entre o marido e a mulher, que é a do recato; entre o irmão mais velho e o irmão mais moço, que é a da correção. O afetuoso respeito do filho é então transferido ao príncipe, (Governante) como lealdade ao dever. A correção e o afeto existentes entre os irmãos são aplicados ao amigo como lealdade e aos superiores como deferência. A família é a célula que dá origem à sociedade, o solo nativo em que o exercício dos deveres morais é facilitado pela natural afeição. Nesse pequeno círculo são criados os princípios éticos que mais tarde serão ampliados às relações humanas em geral”. ( Wilhelm, Richard - I Ching – o livro das mutações, p.123).

Ao “concluirmos” as reflexões sobre Totem e Tabu, nesses últimos meses de 2013, cabe lembrar os sábios escritos de Lao Tsé e Confúcio, pois, o que está colocado é a construção e constituição da família, enquanto espaço de vivência, aprendizado e resinificação.

“a pressuposição de uma mente coletiva, que torna possível negligenciar as interrupções dos atos mentais causadas pela extinção do indivíduo..., que os processos psíquicos sejam continuados de uma geração para outra, ou seja, se cada geração fosse obrigada a adquirir novamente sua atitude para com a vida, não existiria progresso neste campo e quase nenhuma evolução. Isso dá origem a duas outras questões: quanto podemos atribuir à continuidade psíquica na sequência das gerações? Quais são as maneiras e meios empregados por determinada geração para transmitir seus estados mentais à geração seguinte?... Uma parte do problema parece ser respondida pela herança de disposições psíquicas que, no entanto, necessitam receber alguma espécie de ímpeto na vida do indivíduo antes de poderem ser despertadas para o funcionamento real” (p. 159-160).

Quando começamos a pensar no tema do VI Congresso Brasileiro de Psicanálise, neste ano de 2013; Ser Contemporâneo: Medo e paixão e nos 100 anos da obra Totem e Tabu, nos interrogamos sobre esse Contemporâneo, esse Medo e essa Paixão. Ao refletirmos sobre isso nos textos: Incesto, O Sagrado e o Tabu na Atualidade, Espírito e Vida Moderna, e nesse momento O Retorno do Totemismo na Infância, podemos compreender que o Contemporâneo é de algo que retorna com Medo e Paixão, ou seja, demanda elaboração, cura, acolhimento, apaziguamento e porque não dizer um perdoar a si mesmo:  nosso trajeto no planeta. 

A primeira questão é porque o totemismo retorna na infância? Retorna não só porque demanda cura, como também resinificação no sentido de construir os enlaces necessários ao equilíbrio psíquico. É certo que os atos e estruturas psíquicas da infância não compreendem a religião de forma abstrata e sim na concretude que compõe o real. Se o catecismo da religião totêmica como diz Freud compõe:

“Certos animais não podem ser mortos nem comidos e exemplares de sua espécie são criados e cuidados por seres humanos”. Vemos isso atualmente em relação a diversos animais. “Um animal que tenha morrido de morte acidental é pranteado e enterrado com as mesmas honras que um membro do clã”. É comum os animais criados pelos homens, principalmente pelas crianças vivenciarem essa crença. “Quando um dos animais que são geralmente poupados tem de ser morto por força da necessidade, se lhe pedem desculpas e, por meio de diversos artifícios e subterfúgios, faz-se uma tentativa de mitigar a violação do tabu, isto é, a morte”. É comum vermos essa prática, quando um animal tem que ser sacrificado por problemas de saúde. “Muitos clãs utilizam representações de animais em suas insígnias e armas; os homens costumam pintar ou tatuar figuras de animais no corpo”. O que é muito frequente, também, no mundo moderno.

Ou seja, o totem protege o homem, porque é uma classe de objetos animados. Assim a criança em seu mundo de fantasia designa os objetos, e pessoas de forma que os nomes de animais e vegetais estão presentes. Consideramos desnecessário para as reflexões em curso adentramos as teorias nominalistas, sociológicas sobre o totemismo. Por certo que a forma como as crianças nominam o mundo em que vivem tem muito da herança totêmica. Os filhos seguiam o nome do clã, que em geral era o nome de um animal. O totem é em geral a representação de um grupo. A crença na importância do nome era e é pelas crianças, “significativos e essenciais”. “O nome de um homem é um componente principal de sua personalidade, talvez mesmo uma parte de sua alma” (Freud, p. 118). A representação do nome do animal, como um nome próprio, faz parte do sistema totêmico de forma transcendental, como tendo o homem um elo com todos os seres da natureza.

Algumas tribos acreditavam na reencarnação e o local em que a criança foi concebida era importante, pois poderia ser um lugar que algum espírito esperasse para a reencarnação e assim penetraria no corpo da mãe. Dessa forma havia uma negação da paternidade em benefício de honrar a alma dos antepassados. Na construção do totem está o espírito “guardião de um antepassado”. Para relações tão intrínsecas é possível que uma saída às regras do totemismo tenha sido a exogamia, cujo destino era a prevenção do incesto entre irmãos e irmãs e filhos e pai e mãe, vindo a se constituir as “classes matrimoniais”. Na sociedade atual vemos que essas proibições devem ser compreendidas dentro não só da lei jurídica, mas na lei que compõe a estrutura interna de cada sujeito, e que a transgressão geralmente leva a infortúnios e sofrimentos difíceis de serem acalentados. Ou seja, os instintos humanos mais profundos devem caminhar no sentido de inserção na lei. O fato de que “as mais precoces excitações sexuais dos seres humanos muito novos, são invariavelmente de caráter incestuoso e que tais impulsos, quando reprimidos, desempenham um papel que pode ser seguramente considerado — sem que isso implique uma superestima — como forças motivadoras de neuroses, na vida posterior” (Freud, p.129-130), revela que a semelhança entre as relações das crianças com os animais não é permeada por uma “arrogância”, mas uma amorosidade. E quando não é possível essa amorosidade há que pensarmos nos sintomas que ai se revelam.

As crianças possuem uma relação com os animais como se fizessem parte da mesma natureza, como iguais. Essa identificação, que não deixa de ser uma preservação do totemismo, hoje com grande ênfase na sociedade entre adultos, pelas mais diversas razões, embora a mais explícita é designada por “animais de companhia”. Na relação com os animais há um deslocamento afetivo, importante no desenvolvimento infantil e no bem-estar de adultos e idosos. Mas pode ocorrer muitas vezes de forma invertida, e as experiências vivenciadas com animais  conduzir a diversos caminhos ambivalentes. O importante é compreender os deslocamentos realizados e seus sintomas, pois sobre o animal totêmico, tão presente nos dias atuais, recai as proibições do tabu: não matar o totem e não ter relações sexuais com ele, ou seja, com sua representação; “cuja repressão insuficiente ou redespertar formam talvez o núcleo de todas as psiconeuroses”. Aquilo que não é vivenciado simbolicamente pode assumir diversos destinos, sintomatologias, passagem ao ato. Assim vemos na domesticação de animais um deslocamento da forma primitiva de totemismo. Nesse percurso há uma mudança de objetos totêmicos e da passagem  ao ato seja dos sacrifícios expiatórios com animais, ou seres humanos. Na simbolização da relação com os animais vai-se sublimando as provações da vida e afastando-se da passagem pelo ato. 

Ao refletirmos sobre o totemismo na infância, é necessário lembrar sobre os animais considerados sagrados dos tempos primeiros até a época atual, e sua característica ambivalente. O totem tanto nos tempos chamados primitivos, primeiros e em sua continuidade no curso da evolução humana colocou-se como um substituto dos desejos reprimidos, que os apazigua e se uma vez infringidos resultam em sofrimentos obscuros. Importante ressaltar que apesar de nos tempos primeiros existir uma demanda por um controle dos instintos e que o totemismo teve e tem sua função, vemos nessa sequencia de tempo que das tragédias humanas foram surgindo sentimentos fraternos, solidários, a “santificação do laço de sangue”, possibilitando relações de harmonia e equilíbrio, deixando as leis de serem aplicadas apenas ao clã, para estender-se à sociedade, ou seja, teremos o “Não matarás”. Embora o sentimento de culpa, resultante da passagem ao ato, envolva particularidades, que formará o arcabouço de determinadas sintomatologias, ele só pode ser aliviado pelo sentimento de solidariedade. Que esse tenha sido o percurso para o conceito de Deus, “a psicanálise recomenda-nos ter fé nos crentes que chamam Deus de seu pai, tal como o totem era chamado de ancestral tribal” (Freud, p.150).

Os substitutos utilizados na infância segue a vida do homem como pontes que vão ligando as etapas de sua vida. A saber, a representação da expiação pelo sacrifício animal ou humano é complexo e requer a compreensão de suas particularidades na história humana. Assim segue-se que o luto é uma expressão de apaziguamento com aquele que morreu. O que vemos no totemismo na infância é o complexo do pai. Essa relação dos filhos para como o pai, a lei, está na subjetividade de cada pessoa, mas os fios que ligam os processos coletivos da mente, sucessivos nas gerações, revelam dificuldades que, para serem superadas exige um trabalho interior de renúncia, aceitação, incorporação da lei, do lugar na concepção que Lacan designa por nó borromeano (a fantasia, o simbólico e o real). A superação, elaboração dos sentimentos primitivos, como o ciúme, a inveja, a disputa, a relação de poder material, requer uma ação trabalhosa, como a de um artesão de diamantes. Mas a compreensão de que esse artesão simbólico vai de geração a geração através da arquitetura psíquica interpretando, “desfazendo deformações”, dogmas, costumes, refazendo a herança psíquica é um caminho possível, de reencontro com a essência que habita cada ser humano, que não deixa de ser a mesma luz do diamante.

Referências
FREUD, S.  – TOTEM E TATU E OUTROS TRABALHOS (1913 – 1914),  Obras Completas de Psicanálise - volume XIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.

8 de dezembro de 2013

Nelson Mandela: Um homem, um discurso para a eternidade.

Foto: http://blogs.estadao.com.br/adriana-carranca/do-front-da-pobreza-o-ultimo-desejo-de-mandela/

Difícil alguma palavra sobre essa vida dedicada à paz no planeta. Um homem, um discurso para a eternidade. Daqui a 100 anos ainda estaremos nos referenciando a ele como ao Arcebispo Desmond Tutu, a Martin Luther King Jr. Reproduzimos aqui a palavra, como uma lamparina, a iluminar os caminhos da humanidade, que jamais deve ser esquecida, pois diz respeito à dignidade da vida no planeta.
O discurso de Nelson Mandela por ocasião do Prêmio Nobel da Paz, divulgado. http://brazilafrica.com/noticias/para-todos-os-que-sofreram-e-que-terao-derrubadas-as-paredes-desumanas-que-os-dividem/
 Grifos nossos, pela sensibilidade das palavras.
“a humanidade não pode mais ser tragicamente ligada à meia-noite sem estrelas de racismo e guerra”.
 “Os que sofreram terão derrubadas as paredes desumanas que dividem”
Série em homenagem a Mandela publica discurso no Prêmio Nobel da Paz
Na continuação da série em homenagem a Nelson Mandela, o Portal brazilafrica.com divulga o discurso do líder sul-africano na entrega do Prêmio Nobel da Paz, em 10 de dezembro de 1993. Neste ano, o então presidente da África do Sul, F.W. de Klerk, também recebeu o prêmio, por derrubar lei que bania o Congresso Nacional Africano e, com isso, libertar Mandela e outros presos.
"Sua Majestade o Rei,
Sua Alteza Real,
Sr. Primeiro-Ministro,
Madame Gro Brundtland,
Ministros,
Membros do Parlamento e embaixadores,
Estimados membros do Comitê Norueguês do Prêmio Nobel,
Companheiro laureado, Sr. F. W. de Klerk,
Ilustres convidados,
Amigos, senhoras e senhores:
Eu me sinto verdadeiramente humilde por estar aqui hoje para receber o Prêmio Nobel da Paz deste ano.
Eu estendo os meus sinceros agradecimentos ao Comitê Norueguês do Prêmio Nobel por nos elevar à condição de um vencedor do Prêmio Nobel da Paz.
Eu também gostaria de aproveitar esta oportunidade para parabenizar o meu compatriota e colega laureado, presidente de estado F.W. de Klerk, pelo recebimento desta grande honra.
 Juntos, vamos unir dois sul-africanos diferentes, o falecido Chefe Albert Luthuli e o Arcebispo Desmond Tutu, cujas seminais contribuições para a luta pacífica contra o sistema de apartheid você fez uma homenagem merecida atribuindo-lhes o Prêmio Nobel da Paz.
Não será presunçoso de nossa parte acrescentar, também, entre os nossos antecessores, o nome de outro Prêmio Nobel da Paz em dívida, o falecido estadista afro americano, o reverendo Martin Luther King Jr.
Ele também lutou contra e morreu tentando contribuir para uma solução das mesmas grandes questões do dia que tivemos que enfrentar enquanto sul-africanos.
Falamos aqui do desafio das dicotomias de guerra e paz, violência e não-violência, racismo e dignidade humana, opressão e repressão, liberdade e direitos humanos, pobreza e liberdade de querer.
Nós estamos aqui hoje como nada mais do que um representante dos milhões de nosso povo que se atreveram a levantar-se contra um sistema social cuja própria essência é a guerra, a violência, o racismo, a opressão, a repressão e o empobrecimento de um povo inteiro.
Eu também estou aqui hoje como representante de milhões de pessoas em todo o mundo, do movimento anti-apartheid, de governos e organizações que se juntaram a nós, não para lutar contra a África do Sul enquanto um país ou contra qualquer um de seus povos, mas para se opor a um sistema desumano e demandar um fim rápido para o crime de apartheid contra a humanidade.
Esses incontáveis seres humanos, dentro e fora do nosso país, tiveram a nobreza de espírito para ficar no caminho da tirania e injustiça, sem buscar ganho pessoal e egoísta. Eles reconheceram que um dano contra um é um dano contra todos e, portanto, atuaram juntos em defesa da justiça e decência humana comum.
Por sua coragem e persistência de muitos anos, nós podemos, hoje, até mesmo definir as datas em que toda a humanidade vai se unir para celebrar uma das vitórias notáveis humanas do nosso século.
Quando esse momento chegar, nós vamos, juntos, nos  alegrar com uma vitória comum sobre o racismo, o apartheid e o governo da minoria branca.
 Esse triunfo trará ao fim uma história de 500 anos de colonização africana, que começou com o estabelecimento do império português.
Assim, ele vai marcar um grande passo em frente na história e também servir como uma garantia comum dos povos do mundo para combater o racismo onde quer que ocorra e qualquer aparência que assumir.
Na ponta sul do continente africano, uma rica recompensa está no fazer, um presente de valor inestimável está na preparação, para aqueles que sofreram em nome de toda a humanidade, quando eles sacrificaram tudo – a liberdade, a paz, a dignidade e realização humana.
Esta recompensa não será medida em dinheiro. Nem pode ser contada no preço dos metais raros e pedras preciosas que descansam nas entranhas do solo africano sobre os quais pisamos nas pegadas de nossos antepassados. Ela vai e deve ser medida pela felicidade e bem-estar das crianças – os cidadãos mais vulneráveis em qualquer sociedade e os maiores de nossos tesouros.
As crianças devem, finalmente, brincar na savana aberta, não mais torturadas pelas dores da fome ou devastadas pela doença ou ameaçadas com o flagelo da ignorância, abuso sexual e outros abusos. Não sendo mais necessário envolverem-se em atos cuja gravidade ultrapasse as exigências de seus tenros anos.
Em frente a esse público diferenciado, nós comprometemos a nova África do Sul com a busca incessante dos fins definidos na Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento da Criança.
A recompensa da qual temos falado também deve ser medida pela felicidade e bem-estar das mães e pais dessas crianças, que devem andar sem medo de serem assaltados, mortos por o lucro político ou material, ou cuspidos por serem mendigos.
Eles também devem ser aliviados do pesado fardo do desespero que eles carregam em seus corações, nascidos com a fome, a falta de moradia e o desemprego.
Para todos os que sofreram, o valor desse presente deve ser medido pela felicidade e bem-estar de todas as pessoas do nosso país, que terão derrubadas as paredes desumanas que os dividem.
Estas grandes massas viraram as costas para o sério insulto à dignidade humana, que descreveu alguns como mestres e outros como servos, e transformou cada um em predador, cuja sobrevivência depende da destruição do outro.
O valor da nossa recompensa deve ser medido pela paz alegre que triunfará, porque a humanidade comum que une pretos e brancos em uma só raça humana, terá dito a cada um de nós que todos viveremos como as crianças do paraíso.
Assim, devemos viver, porque teremos criado uma sociedade que reconhece que todas as pessoas nascem iguais, com todos os direitos em igual medida para a vida, a liberdade, a prosperidade, os direitos humanos e a boa governança.
Tal sociedade nunca deve permitir novamente que devam haver prisioneiros de consciência, nem que os direitos humanos de qualquer pessoa deva ser violado.
Também não deve mais acontecer que os caminhos para uma mudança pacífica sejam bloqueados por usurpadores que procuram tirar o poder do povo, em busca de seus próprios fins desprezíveis.
Em relação a estas questões, nós apelamos àqueles que governam a Birmânia (antigo nome do Myanmar) para que libertem nossa companheira Prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, e que a comprometam e às aqueles que ela representa em um diálogo sério, para o benefício de todo o povo da Birmânia.
Oramos para que aqueles que têm o poder de fazê-lo que o façam, sem mais demora, permitir que ela use seu talento e energia para o bem maior do povo de seu país e da humanidade como um todo.
Longe da rude e confusa política de nosso país, gostaria de aproveitar esta oportunidade para juntar-me ao Comitê Nobel norueguês e prestar homenagem ao meu colega laureado, Sr. FW de Klerk.
Ele teve a coragem de admitir que um terrível mal havia sido feito para o nosso país e as pessoas, através da imposição do sistema de apartheid.
Ele conseguiu entender e aceitar que todas as pessoas da África do Sul devem, através de negociações e como participantes iguais no processo, determinar juntas o que eles querem fazer do seu futuro.
Mas ainda existem algumas pessoas no nosso país, que erroneamente acreditam que podem dar a sua contribuição para a causa da justiça e da paz com o apego a lemas que têm sido provados significarem nada além de desastre.
A nossa esperança continua sendo de que estes também sejam abençoados com razão necessária para perceber que a história não pode ser negada e que a nova sociedade não pode ser criada reproduzindo o passado repugnante, no entanto, refinado ou sedutoramente reembalado.
Vivemos na esperança de que como ela luta para refazer-se, a África do Sul vai ser como um microcosmo do novo mundo que está se esforçando para nascer.
Este deve ser um mundo de democracia e respeito pelos direitos humanos, um mundo livre dos horrores da pobreza, fome, miséria e ignorância, livre da ameaça e do flagelo das guerras civis e agressões externas e sem a carga da grande tragédia de milhões forçados a tornarem-se refugiados.
Os processos em que a África do Sul e o sul da África como um todo estão envolvidos acenam e pedem a todos nós que tomemos esta maré na inundação e façamos desta região um exemplo vivo no qual as pessoas de consciência gostariam que o mundo fosse.
Nós não acreditamos que este Prêmio Nobel da Paz pretenda ser um elogio para assuntos que aconteceram e passou.
Ouvimos as vozes que dizem que é um apelo de todos aqueles que, em todo o universo, que buscavam o fim do sistema do apartheid.
Nós entendemos essa chamada, para a qual dedicamos o que resta de nossas vidas ao uso da experiência única e dolorosa do nosso país para demonstrar, na prática, que a condição normal para a existência humana é democracia, justiça, paz, sem racismo, sem sexismo, prosperidade para todos, ambiente saudável, de igualdade e solidariedade entre os povos.
Movido por esse apelo e inspirado pela eminência depositada em nós, assumimos que nós também vamos fazer o que pudermos para contribuir com a renovação do nosso mundo, de modo que ninguém deva, no futuro, ser descrito como os miseráveis da terra.
Que nunca seja dito pelas gerações futuras que a indiferença, o cinismo ou o egoísmo nos fez deixar de viver de acordo com os ideais de humanismo que o Prêmio Nobel da Paz abraça.
Deixe as aspirações de todos nós provarem que Martin Luther King Jr. estava certo quando disse que a humanidade não pode mais ser tragicamente ligada à meia-noite sem estrelas de racismo e guerra.
Deixe os esforços de todos nós provarem que ele não era um mero sonhador quando ele falou da beleza da genuína fraternidade e paz como sendo mais preciosa que diamantes, prata ou ouro.
Deixe uma nova era despontar!
Obrigado.”

2 de dezembro de 2013

É Natal - "Um só Coração"



Essa bela canção é um presente a todas as almas. A música não possui fronteiras. Não importa em que idioma seja cantado, porque o som atinge todos os corações irmanando-os na paz, na esperança, no amor. “Um só coração”!

1 de dezembro de 2013

Espírito e "Vida Moderna"

“A alma animista reúne propriedades de ambos os lados. Sua qualidade móvel e volátil, seu poder de abandonar o corpo e tomar posse, temporária ou permanentemente, de outro corpo – são características que nos fazem lembrar de maneira inequívoca a natureza da consciência. Mas a maneira como ela permanece oculta por trás da personalidade manifesta faz lembrar o inconsciente; a imutabilidade e a indestrutibilidade são qualidades que já não atribuímos aos processos conscientes, e sim aos inconscientes, e encaramos estes como o verdadeiro veículo da atividade mental” (Freud, [1913-1914] p.104).

Quando falamos sobre http://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2013/11/o-sagrado-e-o-tabu-na-atualidade_8.html nos referimos a semelhança entre as proibições dos tabus e as proibições morais e que as formações culturais estão relacionadas a elementos que fazem parte dos instintos, principalmente de autopreservação. É fato que o percurso de nossa civilização deixou marcas mnêmicas que retornam e se repetem em nossa vivência diária, em nossos hábitos, muitos dos quais não nos damos conta. As ciências que tratam da mente, do psiquismo, inevitavelmente irão se deparar sejam por quais caminhos forem com o animismo. “O animismo, em seu sentido mais estrito, é a doutrina de almas e, no mais amplo, a doutrina de seres espirituais em real” (Freud, p.87). Em toda a história da humanidade, e há sempre que nos referirmos a ela, pois os objetos antigos, chamados de antiguidades são profundamente valiosos em seu caráter material e subjetivos, para as pessoas e povos. Desnecessário lembrar aqui as bibliotecas mundiais, os patrimônios históricos, às  construções antigas. Assim a compreensão da natureza e do universo desde os povos primitivos a nossa atualidade povoam “o mundo com inumeráveis seres espirituais”, que são a causa de inúmeros fenômenos. A crença de que não apenas os seres vivos possuem uma alma, mas que os objetos inanimados são dotados de certos poderes estão desde a origem do homem seja pelo totemismo, ou expressões mais antigas, que não são objetos dessas reflexões. Assim como Freud começou sua autoanálise pelo estudo dos sonhos, ele supõe que os homens primitivos observando seu sono e sonhos e principalmente a morte, que até hoje desperta os mais variados interesses, desenvolveram a visão alma-corpo, que se mantém até hoje de forma muito forte em nossas vidas, constituindo em certa medida sua base. É assim o sentido dessa fala de Freud:

O animismo é um sistema de pensamento. Ele não fornece simplesmente uma explicação de um fenômeno específico, mas permite-me apreender todo o universo como uma unidade isolada de um ponto de vista único. A raça humana, se seguirmos as autoridades no assunto, desenvolveu, no decurso das eras, três desses sistemas de pensamento — três grandes representações do universo: animista (ou mitológica), religiosa e científica. Destas, o animismo, o primeiro a ser criado, é talvez o mais coerente e completo e o que dá uma explicação verdadeiramente total da natureza do universo. A primeira Weltanschauung humana é uma teoria psicológica. Iria mais além de nossos atuais objetivos demonstrar como grande parte dela persiste na vida moderna, seja sob a forma degradada da superstição, seja como a base viva de nossa fala, nossas crenças e nossas filosofias” (Freud - 1913 – 1914 - p.89).

Na antiguidade a concepção animista era utilizada como forma de obter sobre o outro, como através da telepatia, por exemplo, ou de rituais que se pudesse obter, poder sobre os fenômenos da natureza. Da mesma forma a importância atribuída aos nomes, pois saber o nome de um espírito era uma forma de poder. Muitas dessas concepções herdamos nos tempos civilizados, principalmente no que diz respeito às pesquisas com telepatia e as experiências aproximadas com neurônios espelhos. Muitas são as formas utilizadas através da história do homem para obter poder sobre o outro. Com o canibalismo acreditava-se que se alimentando de parte do corpo de outra pessoa adquiria-se as suas qualidades. Talvez no futuro olhemos para o presente e veremos na doação de órgãos uma forma de se obter o mesmo poder, que é o poder da vida. Se o que movia a crença dos homens primitivos era a força dos seus desejos, essa é uma questão que não mudou no mundo atual, sejam por quais crenças ou estruturas psíquicas fluem, uma vez que os atos psíquicos estão sujeitos ao desejo.

É Dessa forma que uma valorização do pensamento e a ênfase de que tudo o que “for feito às ideias inevitavelmente acontecerá também com as coisas”. Para isso Freud adota a expressão “onipotência dos pensamentos”, e argumentará que é na neurose obsessiva que essa forma de pensamento encontra eco.

Muitos povos, culturas acreditam que os pensamentos são livres e que a expressão deles implica em sua realização. A intenção é manter afastadas as “expectativas de desgraça”, que é a morte. Embora nesse artigo Freud distinga a fase animista, a fase religiosa e a fase científica como excludentes, vemos  que no fluir da vida subjetiva de cada um, essas fases se interpõem e apenas por motivos políticos e acadêmicos separam-se. Assim como as fases do desenvolvimento humano se interdependem e não se extingue jamais. Se assim não fosse não poderíamos observar o narcisismo ao longo da evolução do sujeito. “ a condição de apaixonado, que é psicologicamente tão notável e é o protótipo normal das psicoses, mostra essas emanações em seu máximo, comparadas com o nível do amor a si mesmo” (Freud, p.99). E exatamente como ele afirma que ainda não se descobriu nenhuma raça que não possua o conceito de espíritos. Como a morte é o grande enigma da exigência humana, que confronta os sujeitos com suas crenças gerando conflitos muitas vezes insolúveis.
  
Se a primeira criação teórica dos homens foram os espíritos, é porque ser sobrevivente possui um significado, angustiante e em muitos momentos desagregador. Remete a angústia do existir, da qual mínguem está isento. Mas de qual sobrevivência se estar falando se o enigma permanece mesmo nas pesquisas da física quântica, mecânica, da astrofísica? Então o sobrevivente não possui mais o poder que lhe é atribuído.

“Quando nós, não menos que o homem primitivo, projetamos algo para a realidade externa, o que acontece certamente deve ser o seguinte: estamos reconhecendo a existência de dois estados — um em que algo é diretamente fornecido aos sentidos e à consciência (ou seja, está presente neles) e, ao lado deste, outro, em que a mesma coisa é latente, mas capaz de reaparecer. Em resumo, estamos reconhecendo a coexistência da percepção e da memória, ou, em termos mais gerais, a existência de processos mentais inconscientes ao lado dos conscientes. Poder-se-ia dizer que, em última análise, o ‘espírito’ das pessoas ou das coisas reduz-se à sua capacidade de serem lembradas e imaginadas após a percepção delas haver cessado”. (Freud - 1913 – 1914 - p. 103- 104)

É possível que o fenômeno psíquico da crença nos espíritos teve que passar pela fé, pela prece, onde se dá a piedade em ação e só assim o homem apazigua seus temores da sobrevivência, da ansiedade de fontes inconscientes, de um futuro incerto e assim do “pavor da própria consciência”. Importante ressaltar que esses conteúdos surgem também nos sonhos,  nos pensamentos oníricos. Através dos sonhos grande parte desse material se expressa, como também “através das fobias, do pensamento obsessivo e dos delírios”. É o que constitui grande parte dos sintomas, em “determinantes ocultos”, e o que leva esses sintomas a possuírem “formas tão variadas e contraditórias nas diferentes pessoas”. Se para a psicanálise adentrar a essas construções é difícil, sem cair na superficialidade ou no “senso comum”, é porque muito há que pesquisar e compreender. Um exemplo é quando as mulheres selvagens (e as atuais) estão com limitações durante a menstruação “são devidos a um horror supersticioso ao sangue e, sem dúvida, isto constitui um de seus determinantes. Mas seria errado menosprezar a possibilidade de que neste caso o horror ao sangue sirva também a propósitos estéticos e higiênicos, que, em todo caso, são obrigados a ocultar-se atrás de motivos mágicos” (Freud, p. 107).

Se o animismo sobrevive com força em nossa sociedade moderna, é porque muito sobre a vida mental há que nos interrogarmos. Essa é uma questão abordada por diversas áreas da ciência, mas com muito pré-conceito por psicanalistas. São inúmeros os exemplos que Freud cita nesse artigo, mas fiquemos apenas com um para nosso estudo e reflexão: “cita uma superstição alemã segundo a qual uma faca não deve ser deixada com o fio para cima, por temor que Deus e os anjos possam se machucar nela. Não poderemos identificar nesse tabu uma advertência premonitória contra possíveis ‘atos sintomáticos’ em cuja execução uma arma afiada poderia ser empregada por impulsos maldosos e inconscientes?” (Freud -1913 – 1914 - p. 108). Desnecessário enumerar várias práticas de vida em seu dia a dia que trata da vida animista onde confluem com as religiões, crenças e pesquisas científicas. Assim no caminho de “conclusão” das reflexões sobre Totem e Tabu – Ser Contemporâneo: Medo e Paixão - tomemos o rumo com a interrogação porque o totemismo retorna na infância.

Referências
FREUD, S.  – TOTEM E TATU E OUTROS TRABALHOS (1913 – 1914),  Obras Completas de Psicanálise - volume XIII. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

O Caminho e a Ponderação


A ponderação torna enraizado o leviano
A quietude torna governado o inquieto
Por isso o Homem Superior termina o dia de caminhada sem se afastar da ponderação e dos recursos
Embora existam maravilhas em perspectiva
Permanece quieto e naturalmente transcendente
Como pode um senhor de dez mil veículos utilizar seu corpo levianamente sob o céu?
Ao ser leviano, perderia a raiz
Ao ser inquieto, perderia o governo
 TAO TE CHING - O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng

17 de novembro de 2013

Animismo - Amor e Transcendência


Enquanto o materialismo se acerca dos conceitos, da técnica, dos manuais, das questões egoicas, das relações midiáticas, do poder, do narcisismo, as reflexões oceânicas de Freud são inúmeras e há muito o que aprofundarmos nessas intuições do inconsciente: “talvez o mais importante, item desta primitiva ‘filosofia da natureza’ causa-nos uma impressão menos estranha, uma vez que, embora tenhamos mantido apenas uma crença muito limitada na existência de espíritos e expliquemos os fenômenos naturais pela influência de forças físicas impessoais, nós próprios não estamos muito longe dessa terceira crença, pois os povos primitivos acreditam que os seres humanos são habitados por espíritos semelhantes. Essas almas que vivem nos homens podem deixar suas habitações e emigrar para outros seres humanos; são o veículo das atividades mentais e são até certo ponto independentes de seus corpos. Originalmente, as almas eram representadas como muito semelhantes às pessoas e foi somente no decorrer de um longo desenvolvimento que elas perderam suas características materiais e se tornaram ‘espiritualizadas’ em alto grau” (Freud, 1913 – 1914, p. 87-88).

11 de novembro de 2013

Poesia - Jornada


...cumprir a jornada...
...as vicissitudes do mundo...
...a insensatez juvenil...
...tempo e lugares...
...se embaralham...
...a saudade infinita...
...para um aprendizado necessário...
...o último encontro...
...face a face...
...lagrimas contidas...
...promessas...devoção...
...contar o tempo?
...não há números.
... cumprir o caminho...
... meu coração lhe pertence...
Nunca estarei separada de ti.
Cumprirei provas...
...mas tua suave ternura...
devoção, renuncia, fidelidade,
teu doce amor
me faz voar...
...na eternidade,
não há separação...
...juntos na mesma jornada.

Myriam M’aya

8 de novembro de 2013

O Sagrado e o Tabu na Atualidade

“Se uma só pessoa consegue gratificar o desejo reprimido, o mesmo desejo está fadado a ser despertado em todos os outros membros da comunidade. A fim de sofrear a tentação o transgressor invejado tem de ser despojado dos frutos de seu empreendimento e o castigo, não raramente proporcionará aqueles que o executam uma oportunidade de cometer o mesmo ultraje, sob a aparência de um ato de expiação. Na verdade, este é um dos fundamentos do sistema penal humano e baseia-se, sem dúvida, corretamente, na pressuposição de que os impulsos proibidos encontram-se presentes tanto no criminoso como na comunidade que se vinga” (Freud, [1913-1914] p.84)

“Voltar às costas à realidade é, ao mesmo tempo, afastar-se da comunidade dos homens”.

“Tabu” é uma expressão banalizada e utilizada nos dias atuais para se referenciar a algo “que não constitui mais um costume” ou a algo que é difícil intervir. “Tabu” significa “sagrado”, “misterioso”, “proibido”, “impuro”, ou seja, significa a existência de pessoas ou coisas que são sagradas, misteriosas, santas, e que a violação no que diz respeito a elas implica em graves punições. Há um temor de violação do sagrado. Talvez seja o conjunto de leis mais antigo que existe, “os primeiros sistemas penais humanos podem ser remontados ao tabu”. Os tabus visam à proteção de pessoas importantes, proteger mulheres, crianças, pessoas comuns dos poderosos, do contato com cadáveres, determinados alimentos, proteger o nascimento, o casamento e as funções sexuais, proteção contra a cólera dos deuses e dos espíritos, proteção de crianças em gestação, prevenir contra ladrões a propriedade de uma pessoa. Assim determinados perigos provocados pela violação do tabu podem ser evitados por atos de expiação.

Interessante é certo animismo no tabu, pois “pessoas ou coisas consideradas como tabu, podem ser comparadas a objetos carregados de eletricidade... com efeito destrutivo”. É a força mágica do tabu que define as consequências da violação do mesmo, É natural que os primeiros tabus na história do homem tenham sido e ainda são os ligados aos chefes, sacerdotes e pessoas mortas. Há muito de enigmático nos tabus que a ciência materialista não consegue desvendar, até porque muitos dos tabus são difíceis de explicar sua existência. Assim algumas pessoas ou coisas vão ter um potencial de carga maior, que possa causar efeito maior sobre o indivíduo. O núcleo do totemismo que algumas civilizações ainda conservam até hoje, diz respeito às proibições de matar e comer determinados animais. Em relação aos seres humanos os tabus que de certa forma ainda conservamos diz respeito à iniciação dos rapazes, a menstruação, o pós-parto, os recém-nascidos, os mortos e as pessoas enfermas, ou seja, cada uma dessas categorias exige um ritual no sentido de não absorverem ou passar energias que não são benéficas.

O fenômeno do tabu que diz respeito a proibições, é de certa maneira inconsciente no psiquismo do indivíduo, e implica em uma repetição. Isso não passou despercebido a Freud. Essa repetição aparentemente sem motivo é mantida pelo medo de que se rompidas, algo  de nefasto aconteça, principalmente no que diz respeito ao tocar, ao contato físico ou intelectual e aqui a semelhança com sintoma na neurose obsessiva. Mas nesse caso o deslocamento pode ocorrer para diversos objetos ou atos. Desde tempos remotos fala-se do poder de determinados objetos que funcionam como tabu ou mesmo o hálito sagrado de um sacerdote que pode causar até a morte. É sabido dos estudos arqueológicos sobre o poder dos objetos sagrados em relação a todas as formas de expressão de religiosidade pelos indivíduos. É dessa proibição e da necessidade de tocar pela repetição que se constrói uma atitude ambivalente de amor e ódio pelo objeto desejado.

Os tabus são proibições desde a antiguidade primitiva e faz parte da evolução psíquica do homem no planeta, transmitidos de uma geração a outra e muitas vezes reinventados. “Quem pode afirmar se coisas tais como ‘ideias inatas’ existem ou se no presente exemplo atuaram, isoladamente ou em conjunto com a educação, para ocasionar a fixação permanente de tabus?” (Freud, p.48). Assim as leis básicas do totemismo eram “não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais” com membros do clã totêmico. A proibição pode gerar um conflito que possibilita a ambivalência, potencializado, se uma pessoa não viola nenhum tabu, como um sacerdote, um rei, um chefe Estado, uma pessoa que pelo seu caráter não pode ser imputado erros, transforma-se em um tabu, despertando pelo seu contrário o conflito de ambivalência, necessitando de intermediários, pois seriam alvos de inveja. Portanto o tocar exerce uma função importante, pois “o tocar é o primeiro passo no sentido de obter qualquer espécie de controle sobre uma pessoa ou objeto ou de tentar fazer uso dos mesmos” (Freud, p. 50).

A transgressão implica em expiação ou punição. O tabu foi e continua sendo uma forma de controlar os instintos e desejos que desagrega o indivíduo e o grupo em que vive. A renúncia é assim um primeiro exercício de autocontrole. Muitos dos resquícios do tabu aparecem na neurose obsessiva com seus sintomas e ambivalência de maior ou menor ênfase dependendo da subjetividade do sujeito. O tabu referente aos inimigos era tratado com cerimonias de apaziguamento da alma do inimigo assassinado, restrições sobre o assassino com expiação, purificação e ritos cerimoniais lamentando e pedindo seu perdão. Assim são descritas as falas: “Não tenhais raiva”, dizem, “porque vossa cabeça está aqui conosco; se tivéssemos tido menos sorte, nossas cabeças poderiam estar agora expostas em vossa aldeia. Oferecemos o sacrifício para vos apaziguar. Vosso espírito pode agora descansar e deixar-nos em paz. Por que fostes nosso inimigo? Não teria sido melhor que tivéssemos permanecido amigos? Então vosso sangue não teria sido derramado e vossa cabeça não teria sido decepada” (Freud p. 52). É comum ver esses mesmos rituais no mundo atual em relação aqueles que são considerados inimigos no dia a dia.

Expirar, purificar, ficar de luto, prantear para transformar os antigos inimigos em amigos sempre foi uma prática comum na antiguidade aos dias atuais. A sociedade civilizada não aboliu a reverência aos inimigos e em suas práticas de vida. Mesmo porque permanecem os “sentimentos de remorso, de admiração, de consciência pesada”, por tê-lo prejudicado. A purificação também diz respeito ao cheiro do sangue dos assassinados, ao cheirarem poderiam morrer. É conhecido que os trabalhadores que abatem os animais para consumo estão mais vulneráveis a enfrentar problemas psíquicos, os sobreviventes de guerras, os indivíduos que fazem parte de instituições policiais, quando tiram a vida de outra pessoa são afastados temporariamente,  os coveiros possuem seus rituais, sendo comum a ingestão de álcool. “Talvez possa sugerir que o isolamento temporário ou permanente dos carrascos profissionais, isolamento que persistiu até os dias presentes, tenha algo a ver com esse fato. A posição do carrasco público na sociedade medieval oferece uma representação do funcionamento do tabu entre os selvagens” (Freud, p.56-57). Permanece o tabu do homem morto, do que praticou a violência e de tudo que entrou em contato com eles.

Esta relação com aquilo que se considera sagrado, misterioso estende-se também aos governantes. Desde os tempos primitivos acreditava-se que os governantes, sacerdotes, reis deveriam ser protegidos, mas também que se deveria proteger-se deles, uma vez que se acreditava, e que de alguma forma nossa civilização revela vestígios desses rituais, que eles constituem “veículos do poder mágico misterioso e perigoso que se transmite por contato, como uma carga elétrica”, que pode causar efeitos inesperados. Grande parte da concepção, dos rituais de proteção de nossos governantes, sacerdotes, reis, na sociedade atual guardam vestígios dos tempos primeiros, tanto no que diz respeito o tocar e ser tocado. Ser tocado é sempre como um remédio. “Diz-se que Carlos I curou uma centena de pacientes com um só toque, em 1633. Mas foi após a Restauração da monarquia sob o reinado de seu dissoluto filho, Carlos II, que as curas reais da escrofulose atingiram o ápice. No decorrer de seu reinado, calcula-se que ele tenha tocado perto de cem mil pessoas dia” (Freud, p.57). Ao mesmo tempo em que a vida dos governantes, sacerdotes só é importante se seus deveres para com o povo são cumpridos. Do contrário transforma-se em ódio e vira um criminoso. Dessa concepção surge a necessidade de isolar as pessoas consideradas perigosas.

Os sacerdotes, os reis e governantes sempre tiveram que cumprir um grande número de tabus, ao mesmo tempo em que aquilo que pode constituir-se em um tabu para o povo, podem não o ser para eles. Essas diferenças, ambivalências estão no cerne da constituição humana em maior ou menor grau a depender da individualidade em questão. Pensar que onde habita um sentimento de afeição pode habitar inconscientemente um sentimento de hostilidade nos revela o quanto estar em harmonia consigo próprio é complexo na história da humanidade, principalmente porque muitas vezes essa hostilidade é silenciada por uma intensificação da afeição “que se expressa em solicitude e se torna compulsiva, porque de outro modo seria inadequada para desempenhar a missão de manter sob repressão a corrente de sentimento contrária e inconsciente” (Freud, p.64). Então é possível supor que ao se idolatrar determinado objeto, pode estabelecer no inconsciente uma corrente oposta de hostilidade.

Em nossa relação com as pessoas, quando se exagera na importância de determinada pessoa, ela passa  a ser também responsável por tudo de ruim que aconteça. A imagem que uma criança tem de seus pais é de excessivo poder, e está ligada a admiração. Essa fantasia encontra eco no mundo primitivo, quando se atribuía poderes aos reis e sacerdotes sobre a chuva, o sol, o vento e na medida que decepciona suas expectativas os depõem ou matam. O mesmo tabu que exalta os reis acima dos mortais o aprisiona e o mata, tornando-o mais escravo do que seus súditos. Da mesma forma o complexo de emoções de uma criança para com seus pais (complexo paterno), podem torna-los prisioneiros de seus filhos.

Os tabus referentes aos inimigos aos governantes estendem-se aos mortos e não poderia ser diferente, pois a morte sempre foi um enigma, como também o mais grave infortúnio que poderia acometer o homem. Portanto tocar em um cadáver sempre foi um tabu, mesmo para algumas pessoas na sociedade atual, ou algumas comunidades. Tanto assim que desde a antiguidade era designado alguém para essa função. Hoje temos os serviços funerários. A questão é manter o espírito da pessoa morta a distancia. A relação com a morte sempre foi angustiosa, fonte de dor, o horror pelo destino do corpo. As cerimonias desde a antiguidade visavam e de certa forma herdamos esses rituais, eram manter a distancia o espírito do morto. “É por isso que os homens gostavam de enterrar os mortos em ilhas ou no outro lado dos rios e essa, por sua vez, é a origem de expressões como ‘Aqui e no Além’” (Freud, p.72-73). Essa malignidade dos mortos foi diminuindo, ficando restrito aos indivíduos que eram assassinados.

A distancia a ser mantida do morto ou de seus parentes, é uma forma de defesa, contra o ressentimento da alma do morto e pelo contraste existente entre o “sofrimento consciente e a satisfação inconsciente pela morte que ocorreu”. Esses sentimentos funcionam como oposição ao luto, deslocando algum sentimento de hostilidade inconsciente que possa haver e que com o tempo torna-se menos agudo, de forma que o tabu em relação aos mortos possam ser atenuados e até esquecidos. “O luto tem uma missão psíquica muito específica a efetuar; sua função é desligar dos mortos às lembranças e as esperanças dos sobreviventes. Quando isto é conseguido, o sofrimento diminui e, com ele, o remorso e as autocensuras e, consequentemente, também o medo” (Freud, p.78). De certa forma as proibições do tabu dizem respeito a ambivalência emocional. Há sentimentos contraditórios que comandam as relações humanas. O tabu nos remete a questão da consciência, de suas culpas, ou seja, a percepção de uma censura interna de um ato de desejo, que poderia ser evitado. É natural compreender que a consciência tenha surgido com ambivalência, conflitos, escolhas contraditórias.

Existe uma semelhança fundamental entre as proibições dos tabus e as proibições morais. Embora essa transição e os aspectos psíquicos envolvidos não são de todo identificáveis, mas podemos supor que mudanças ocorridas nos grupos, nas sociedades e nas subjetividades dos indivíduos, devem ter possibilitado que muitos tabus, originaram questões morais. As formações culturais estão relacionadas a elementos que fazem parte dos instintos, principalmente de autopreservação. É fato que o percurso de nossa civilização deixou marcas mnêmicas que retornam e se repetem em nossa vivência diária, em nossos hábitos, muitos dos quais não nos damos conta.

Referências
FREUD, S.  – TOTEM E TATU E OUTROS TRABALHOS (1913 – 1914),  Obras Completas de Psicanálise - volume XIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.