“A alma
animista reúne propriedades de ambos os lados. Sua qualidade móvel e volátil,
seu poder de abandonar o corpo e tomar posse, temporária ou permanentemente, de
outro corpo – são características que nos fazem lembrar de maneira inequívoca a
natureza da consciência. Mas a maneira como ela permanece oculta por trás da
personalidade manifesta faz lembrar o inconsciente; a imutabilidade e a
indestrutibilidade são qualidades que já não atribuímos aos processos conscientes,
e sim aos inconscientes, e encaramos estes como o verdadeiro veículo da
atividade mental” (Freud, [1913-1914] p.104).
Quando
falamos sobre http://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2013/11/o-sagrado-e-o-tabu-na-atualidade_8.html nos referimos a semelhança entre as
proibições dos tabus e as proibições morais e que as formações culturais estão
relacionadas a elementos que fazem parte dos instintos, principalmente de
autopreservação. É fato que o percurso de nossa civilização deixou marcas
mnêmicas que retornam e se repetem em nossa vivência diária, em nossos hábitos,
muitos dos quais não nos damos conta. As
ciências que tratam da mente, do psiquismo, inevitavelmente irão se deparar
sejam por quais caminhos forem com o animismo. “O animismo, em seu
sentido mais estrito, é a doutrina de almas e, no mais amplo, a doutrina de
seres espirituais em real” (Freud,
p.87). Em toda a história da humanidade, e há sempre que nos referirmos a ela,
pois os objetos antigos, chamados de antiguidades são profundamente valiosos em
seu caráter material e subjetivos, para as pessoas e povos. Desnecessário
lembrar aqui as bibliotecas mundiais, os patrimônios históricos, às construções antigas. Assim a
compreensão da natureza e do universo desde os povos primitivos a nossa
atualidade povoam “o mundo com
inumeráveis seres espirituais”, que
são a causa de inúmeros fenômenos. A crença de que não apenas os seres vivos
possuem uma alma, mas que os objetos inanimados são dotados de certos poderes
estão desde a origem do homem seja pelo totemismo, ou expressões mais antigas,
que não são objetos dessas reflexões. Assim como Freud começou sua autoanálise
pelo estudo dos sonhos, ele supõe que os homens primitivos observando seu sono
e sonhos e principalmente a morte, que até hoje desperta os mais variados
interesses, desenvolveram a visão alma-corpo, que se mantém até hoje de forma
muito forte em nossas vidas, constituindo em certa medida sua base. É assim o
sentido dessa fala de Freud:
“O animismo
é um sistema de pensamento. Ele não fornece simplesmente uma explicação de um
fenômeno específico, mas permite-me apreender todo o universo como uma unidade
isolada de um ponto de vista único. A raça humana, se seguirmos as autoridades
no assunto, desenvolveu, no decurso das eras, três desses sistemas de
pensamento — três grandes representações do universo: animista (ou mitológica),
religiosa e científica. Destas, o animismo, o primeiro a ser criado, é talvez o
mais coerente e completo e o que dá uma explicação verdadeiramente total da
natureza do universo. A primeira Weltanschauung humana é uma teoria psicológica. Iria mais além de nossos
atuais objetivos demonstrar como grande parte dela persiste na vida moderna,
seja sob a forma degradada da superstição, seja como a base viva de nossa fala,
nossas crenças e nossas filosofias” (Freud - 1913
– 1914 - p.89).
Na
antiguidade a concepção animista era utilizada como forma de obter sobre o
outro, como através da telepatia, por exemplo, ou de rituais que se pudesse
obter, poder sobre os fenômenos da natureza. Da mesma forma a importância
atribuída aos nomes, pois saber o nome de um espírito era uma forma de poder.
Muitas dessas concepções herdamos nos tempos civilizados, principalmente no que
diz respeito às pesquisas com telepatia e as experiências aproximadas com
neurônios espelhos. Muitas são as formas utilizadas através da história do
homem para obter poder sobre o outro. Com o canibalismo acreditava-se que se
alimentando de parte do corpo de outra pessoa adquiria-se as suas qualidades.
Talvez no futuro olhemos para o presente e veremos na doação de órgãos uma
forma de se obter o mesmo poder, que é o poder da vida. Se o que movia a crença
dos homens primitivos era a força dos seus desejos, essa é uma questão que não
mudou no mundo atual, sejam por quais crenças ou estruturas psíquicas fluem,
uma vez que os atos psíquicos estão sujeitos ao desejo.
É Dessa
forma que uma valorização do pensamento e a ênfase de que tudo o que “for feito às ideias
inevitavelmente acontecerá também com as coisas”. Para isso Freud adota a expressão
“onipotência dos pensamentos”, e argumentará que é na neurose obsessiva que
essa forma de pensamento encontra eco.
Muitos
povos, culturas acreditam que os pensamentos são livres e que a expressão deles
implica em sua realização. A intenção é manter afastadas as “expectativas de
desgraça”, que é a morte. Embora nesse artigo Freud distinga a fase animista, a
fase religiosa e a fase científica como excludentes, vemos que no fluir da vida subjetiva
de cada um, essas fases se interpõem e apenas por motivos políticos e
acadêmicos separam-se. Assim como as fases do desenvolvimento humano se
interdependem e não se extingue jamais. Se assim não fosse não poderíamos
observar o narcisismo ao longo da evolução do sujeito. “ a condição de
apaixonado, que é psicologicamente tão notável e é o protótipo normal das
psicoses, mostra essas emanações em seu máximo, comparadas com o nível do amor
a si mesmo” (Freud, p.99). E exatamente como ele afirma que ainda não se
descobriu nenhuma raça que não possua o conceito de espíritos. Como a morte é o
grande enigma da exigência humana, que confronta os sujeitos com suas crenças
gerando conflitos muitas vezes insolúveis.
Se a
primeira criação teórica dos homens foram os espíritos, é porque ser
sobrevivente possui um significado, angustiante e em muitos momentos
desagregador. Remete a angústia do existir, da qual mínguem está isento. Mas de
qual sobrevivência se estar falando se o enigma permanece mesmo nas pesquisas
da física quântica, mecânica, da astrofísica? Então o sobrevivente não possui
mais o poder que lhe é atribuído.
“Quando
nós, não menos que o homem primitivo, projetamos algo para a realidade externa,
o que acontece certamente deve ser o seguinte: estamos reconhecendo a
existência de dois estados — um em que algo é diretamente fornecido aos
sentidos e à consciência (ou seja, está presente neles) e, ao lado deste, outro, em que
a mesma coisa é latente, mas
capaz de reaparecer. Em resumo, estamos reconhecendo a coexistência da
percepção e da memória, ou, em termos mais gerais, a existência de processos
mentais inconscientes ao lado dos conscientes. Poder-se-ia dizer que, em
última análise, o ‘espírito’ das pessoas ou das coisas reduz-se à sua
capacidade de serem lembradas e imaginadas após a percepção delas haver
cessado”. (Freud - 1913 – 1914 - p. 103- 104)
É possível
que o fenômeno psíquico da crença nos espíritos teve que passar pela fé, pela
prece, onde se dá a piedade em ação e só assim o homem apazigua seus temores da
sobrevivência, da ansiedade de fontes inconscientes, de um futuro incerto e
assim do “pavor da própria consciência”. Importante ressaltar que esses
conteúdos surgem também nos sonhos, nos
pensamentos oníricos. Através dos sonhos grande parte desse material se
expressa, como também “através das fobias,
do pensamento obsessivo e dos delírios”. É
o que constitui grande parte dos sintomas, em “determinantes ocultos”, e o que
leva esses sintomas a possuírem “formas tão variadas e contraditórias nas
diferentes pessoas”. Se para a psicanálise adentrar a essas construções é
difícil, sem cair na superficialidade ou no “senso comum”, é porque muito há
que pesquisar e compreender. Um exemplo é quando as mulheres selvagens (e as
atuais) estão com limitações durante a menstruação “são devidos a um
horror supersticioso ao sangue e, sem dúvida, isto constitui um de seus
determinantes. Mas seria errado menosprezar a possibilidade de que neste caso o
horror ao sangue sirva também a propósitos estéticos e higiênicos, que, em todo
caso, são obrigados a ocultar-se atrás de motivos mágicos” (Freud, p. 107).
Se o
animismo sobrevive com força em nossa sociedade moderna, é porque muito sobre a
vida mental há que nos interrogarmos. Essa é uma questão abordada por diversas
áreas da ciência, mas com muito pré-conceito por psicanalistas. São inúmeros os
exemplos que Freud cita nesse artigo, mas fiquemos apenas com um para nosso
estudo e reflexão: “cita uma superstição alemã segundo a qual uma faca não deve
ser deixada com o fio para cima, por temor que Deus e os anjos possam se
machucar nela. Não poderemos identificar nesse tabu uma advertência
premonitória contra possíveis ‘atos sintomáticos’ em cuja execução uma arma
afiada poderia ser empregada por impulsos maldosos e inconscientes?” (Freud -1913 – 1914 - p. 108). Desnecessário enumerar
várias práticas de vida em seu dia a dia que trata da vida animista onde
confluem com as religiões, crenças e pesquisas científicas. Assim no caminho de
“conclusão” das reflexões sobre Totem e Tabu – Ser Contemporâneo: Medo e Paixão
- tomemos o rumo com a interrogação porque o totemismo retorna na infância.
Referências
FREUD,
S. – TOTEM E TATU E OUTROS TRABALHOS (1913 – 1914), Obras
Completas de Psicanálise - volume XIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.
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