26 de janeiro de 2013

“Tempos Bárbaros” - Tempos de mal-estar

A história de cada um de nós, do país onde vivemos e o planeta que habitamos é guardada em nossas memórias ancestrais. Nossos heróis sejam pessoais ou públicos há que descansar. Não devemos entronizar as lutas, heróis e mestres ancestrais e em nome destes perpetuar a violência com um discurso de valores morais, éticos, de identidade seja nacional ou das subjetividades para reconstruir o caos do mundo em que vivemos.

É nesse caminho de reflexão que Nagib Aoun no jornal on-line L’Orient-Le Jour  de 29/10/2012 vem em sua crônica “Tempo de Bárbaros”, colocar que desencadear em um momento de conflitos a autoflagelação, sentimento de culpa, lamentações “só levam a mais frustação e vingança”. E o que temos haver com isso? falamos de sujeitos em sofrimento. Sujeitos que justificam suas ações em construções de suas histórias passadas e lavadas em sangue, fundamentadas no prazer que o “poder” pode representar. O que se chamou de primavera árabe e que se estende nos conflitos da Síria, hoje Mali, faz parte de uma história complexa que envolve religião, poder político. Muito se fala de estresse pós-traumático, de trauma psíquico. Que falar do psiquismo desse povo mergulhado em dolorosas lutas não só políticas, mas de famílias, clãs que ainda se movimentam no “dente por dente, olho por olho”? Se pensarmos o funcionamento de uma região como o oriente médio como uma estrutura plasmada por instintos e consciência, há que pensarmos num superego, numa lei e que sem Estado de Direito, não pode haver dignidade.   

Se há um caminho para o caos da região, esse caminho é a lei e não a guerra, seja de Estado ou pessoal dos que ocupam lugar no Estado, ou seja a “opção” pelo exercício do perverso, porque a guerra seja ela qual for é perversa, precisa terminar. Mas a lei comporta o dever, a justiça, de forma que a convivência em sociedade seja parte da cultura. Se os apaziguamentos dos sofrimentos psíquicos passam pela palavra, por rever os significados, por exercício de auto domínio, dos impulsos e instintos o apaziguamento civil não está longe disso. Há que repensar os interesses individuais em função dos grupais ou coletivos, há que se pensar em governos da razão e dos instintos. Se estamos vivendo em “tempos bárbaros” fica como questão sobre que tipo de barbárie é a do mundo “moderno” onde a proteção individual justifica o estado de vigilância eletrônica diária, a defesa da liberdade vira uma forma de opressão e a política uma forma de religião. A vida humana continua valendo o preço da quantidade de ódio presente nas sociedades e por sua vez nos indivíduos, e as questões existenciais não se colocam mais no sentido do “ter ou ser”, mas no sentido do parecer ter ou ser. Esse estado e superficialidade pode ser chamado de bárbaro. Em nome da liberdade garante-se o estado da perversidade. Onde “pode tudo”, não há lei e onde não há lei resta o estado de barbárie seja a nível dos sujeitos ou dos Estados.

 Cabe a cada um de nós refletirmos sobre esse mal-estar permanente do mundo “moderno”, construir no dia a dia uma sociedade justa, onde a lei interdita os instintos que violam a plenitude do outro enquanto sujeito, gestando alternativas e estratégias saudáveis de convivência das questões egóicas que se revelam como patológicas, aos narcisismos que se sobrepõe a relações saudáveis.

21 de janeiro de 2013

Poesia - Tecendo a Manhã



Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto

Ética - Lei Moral

Na reflexão acerca do idealismo transcendental em Kant que é a questão moral, “predicado” de um sujeito e o “dever”, uma “razão posteriormente determinante” em que a lei moral em si é um “imperativo categórico”, estruturante do sujeito. Portanto, orientar-se pela razão prática, implica em compreender que, o florescer do idealismo Kantiano evoluiu como um modelo de ciência, viabilizado pelo movimento, que as ciências físicas e da natureza possibilita. Assim, é possível pensar a metafísica no espaço e no tempo, numa reestruturação metodológica, de forma que as representações do objeto, quando conhecidas a “priori”, pela formulação de conceitos, redefine o lugar do sujeito como aquele que pensa e sente o objeto e suas representações. Nas sociedades orientais, em que o estatuto do casamento é tratado como coisa de Estado e o povo manifesta-se em relação a isso vemos a inexistência de alteridade. Em todo o espaço e tempo da existência humana, a razão percorre sempre os caminhos e problemas metafísicos. Kant irá interrogar que princípios são adequados a tais pensamentos, o que é a crítica da própria razão no seu fazer científico. Na Crítica da Razão Pura percorrerá o caminho para conhecer a razão independente de toda experiência. Os limites de todo conhecimento puro à priori. Mas, a razão também é capaz de determinar a vontade e a ação moral, ou seja, esta não é “empiricamente condicionada”, e então, se estabelece os “imperativos categóricos”, ou seja, a lei moral.  

 As questões que se colocam, quando é exposto tais discussões, que regem um ser e um fazer, numa perspectiva de uma razão prática, são Estado, política e sujeito. Compreendendo que, para Kant, o sujeito é um sujeito moral, e o Estado, como um Estado de direitos. Desta forma a “sabedoria do Estado”, é o direito público, o direito das gentes e o direito cosmopolita. Já a política, é “uma doutrina do exercício do dever”, que não deve vivenciar conflitos com a moral enquanto tal. A vida comunitária só é possível compreender-se com princípios práticos a priori, que constitui “imperativos categóricos”, cujo enunciado Kant nos fala: “ Age de tal modo que possas tratar sempre a humanidade, seja em tua pessoa, seja na do próximo, como um fim; não te sirvas jamais  disso como um meio”; Sem eles seria desprovida de mecanismos de contenção, que limita as ações humanas, como o faz as leis da natureza, estabelecendo a possibilidade da liberdade e assim o ser sujeito. Liberdade que, pela representação do dever determina a vontade do sujeito. Desta forma a lei, sob as suas diversas objetividades (legalidade) e subjetividades (moralidade), constitui-se como realidade estruturante. Kant na Crítica da Razão Prática, “... a lei moral exige a sua observância por dever e não por uma predileção ou por amor ao dever, o que não se deve nem se pode supor” (P.238). No dever da ética kantiana, é possível uma compreensão da razão fundamentada em leis práticas, cujas máximas (princípios subjetivos) não podem conflitar-se, pois representariam uma “vontade patologicamente afetada”. Estar o sujeito “livre” das condições patológicas possibilita a razão, mais que um imperativo, um “dever ser”, uma boa vontade em si mesma; A razão que produz a boa vontade, a produz como um bem supremo. É neste ponto que o conceito de dever contem em si o de boa vontade. Assim amar o outro é se descobrir a si e este prazer é igualmente um dever, uma devoção e o “dever ser”, pode dar um estatuto de alteridade ao sujeito, sem a intervenção das instituições.

20 de janeiro de 2013

A infância é para brincar


E brincando a criança dá significados, ressignifica, constrói e desconstrói seu universo, sua vida na relação triangular com os pais e daí com amigos, colegas. E a infância na modernidade? É a infância do trabalho, da ausência dos pais, da solidão, da internet, da ausência de relações sociais, é a infância adulta, sem limites, sem lei. Aos pais, professores, pediatras, psicólogos, há que refletir nas “doenças” modernas da infância e na presença implicadas como cuidadores. Essa presença possibilita à criança um “fazer sentido” de sua vida do nascimento à morte, garante a continuidade, de sua existência. Não nos sentimos existir, não conquistamos um senso de realidade se alguma continuidade não estiver sendo oferecida e experimentada, é a continuidade corpo-psiquismo, que precisa ir sendo construída e reconstruída a cada passo. São as famílias, grupos, profissionais os objetos mais aptos a oferecer sustentação ao longo da vida, principalmente quando o que está em jogo é a continuidade na posição simbólica do sujeito. Mas, é preciso crescer, expandir-se, se possível, sem rupturas excessivas, e também sem meras repetições. Conter nos oferece condições e vias para a transformação. Sustentar, dar continuidade, transformar são formas importantes do cuidar. Quando falta, há os sofrimentos com a sobrecarga de experiências emocionais obscuras e perturbadoras.

A criança está desde o nascimento frente a frente com esse “outro” diferente, marcado desde sempre pela diferença e pela incompletude; é o outro sexuado e, ele mesmo, desejante, vulnerável, dotado de um inconsciente. Assim o outro cuidador deve ser também uma fonte de questões e enigmas e nesta condição, ele introduz ou desperta uma pulsão, um movimento corpo-psiquismo e uma exigência de resposta; apenas como resposta a esta exigência alguém vem-a-ser.  Está implicado ou em reserva é aprender a dar tempo e espaço, esperar, manter-se disponível sem intromissões excessivas. Há que ressaltar a necessidade de equilíbrio entre estas diferentes formas de presença e alertar-se sobre a possibilidade dos cuidados serem oferecidos não em função das necessidades do cuidador e em prejuízo do cuidado dos sujeitos a quem se destinam. 

O cuidado que não dá sossego, instala a dependência diante da atenção e da aprovação alheia, constrói um estado de alienação.  A moderação da presença implicada e a presença em reserva dependem da capacidade do agente de cuidados conseguir manter-se em reserva e desapegar-se. Ele “deixa ser” e o não-cuidar converte-se em uma maneira muito sutil e eficaz de cuidado. Deixar-se cuidar pelo objeto do cuidado passa a ser em si mesmo uma forma eficaz de cuidar.  Cuidar bem é, entre outras coisas, transmitir bem as funções cuidadoras, é a construção da autonomia. O cuidar converte-se em algo prazeroso e lúdico. Assim o cuidado que se faz presente na “modernidade” em relação à infância é permeado de extremos onde se revela de um lado um acumulo de tarefas e responsabilidades a um desenvolvimento em construção e por outro lado uma ausência, limites, um “tudo pode” na sociedade de consumo. Pode o celular de última geração, internet ilimitada, streaming, ilimitada, o tablet, programação acessada por todas as idades, e como não poderia deixar de ser “roupas de marcas”. Vão sozinhos para a escola, estão sozinhos em casa, onde o cuidado restringe-se ao mínimo, não levando em conta as subjetividades, pois para isso estão aí os profissionais da área de saúde, os professores, e as cobranças do “tem tudo”. E onde fica a falta estruturante? Adultos em miniaturas, distantes da natureza, do brincar, do inventar brinquedos e brincadeiras, não são escutados tampouco escutam. Como quem cuida escuta e toda palavra é apelo e todo apelo implica em resposta, mesmo que tome a forma do silêncio, então não escutam os pais, os professores, os conteúdos escolares. Estão distraídos com objetos que os levam a diagnósticos de TDH, pelo alto índice de exposição à vida on-line e aos jogos competitivos, a quantidade de horas na televisão ou de jogos online ou de Playstation é muito grande. Com a ausência familiar cada vez maior é natural que toda uma sintomatologia apareça.  E a construção do sujeito faltante, porque a falta é estruturante, fica em “suspenso”.

19 de janeiro de 2013

EDITORIAL


Nas reflexões sobre Caminhos da Psique percorreremos pelos caminhos das palavras, das intuições, das representações, dos significantes... Que caminhos são esses que o homem desde os tempos primeiros se interroga? E de qual psiquismo? Um psiquismo que através dos tempos, se interroga se auto define e se autodenomina: alma, psique, psicológico, consciência, inconsciente? Caminhos tecidos, enriquecidos nas lutas, conquistas e provações da vida; Caminhos de sublime luz única; Caminhos que ao percorrerem espinhos e asperezas vão se lapidando, brilhando em todas as cores; Caminhos que vão se transformando em diamantes valiosos; Caminhos que se perdem e se encontram como destinos cujas leis seguem o curso dos rios; Caminhos de dor que se tornam fortes, transformadores; Caminhos que transcendem os instintos da condição de ignorância do homem e alcançam sublime amor; Caminhos que não possuem tempo nem lugar; Caminhos incontáveis como a areia do mar, as estrelas, as galáxias; Caminhos infinitos que se cruzam tecendo fios invisíveis de ternura dando a condição do humano, um Ser que pertence ao universo, integrado a sua harmonia, como o átomo, o éter, a gravidade, a energia, a luz, o som, o desdobramento.

Por certo vivemos em um planeta que passa por constantes transformações, mas que faz uma órbita de perfeito equilíbrio em torno de uma estrela para manter a vida dentro de si equilibrada, pelas leis que regem a natureza e a vida. Sem a lei não é possível o caminho da transformação. Difícil para nós integrarmos esse equilíbrio: muitas dores, sofrimentos, fomes, ódios, guerras, entre indivíduos, comunidades, países, para que o “vencedor” ocupe um “lugar”, um “tempo” de poder como troféu, como se esse existisse. Pura fantasia, ilusão, delírio, alucinação? Assim nos distanciamos do equilíbrio interno e alimentamos a vaidade, a prepotência, arrogância, o narcisismo, a perversão. Nessa complexidade entre a luz e a escuridão, a ignorância vai lentamente se dissipando através do conhecimento, como uma nevoa de ilusão, A ferida narcísica continua demandando um dispêndio de energia para manter esse lugar fictício. Mas “sair” desse lugar é ocupar outra posição, é se implicar, lidar com sua falta, com o seu ser falível, com seu Ser "dividido", com um inconsciente, um consciente e quem sabe um supra consciente a caminho de uma unidade indissolúvel. É assumir a condição de “demasiado humano” e assim tornar-se mais que humano. Portanto os caminhos da psique são complexos, individuais, coletivos, infinitos, mas estão de alguma forma entrelaçados em toda sua beleza, como fios de luz dourada a percorrer, onde um encontra o outro, se encontra e se encontram, caminham juntos. A paz tão sonhada dentro de cada um, em cada país, em cada região deve ser construída no dia a dia nas pequenas transformações que cada pessoa, comunidade, consegue fazer nesta direção. Aqui é um dos pequenos pontos que se ligarão a outros pontos de encontros, para percorrerem juntos esses caminhos, como a fictícia linha do tempo, do amor, mas que se reflete nas formas invisíveis de todo o universo.