A criança está desde o nascimento frente a frente com esse “outro” diferente, marcado desde sempre pela diferença e pela incompletude; é o outro sexuado e, ele mesmo, desejante, vulnerável, dotado de um inconsciente. Assim o outro cuidador deve ser também uma fonte de questões e enigmas e nesta condição, ele introduz ou desperta uma pulsão, um movimento corpo-psiquismo e uma exigência de resposta; apenas como resposta a esta exigência alguém vem-a-ser. Está implicado ou em reserva é aprender a dar tempo e espaço, esperar, manter-se disponível sem intromissões excessivas. Há que ressaltar a necessidade de equilíbrio entre estas diferentes formas de presença e alertar-se sobre a possibilidade dos cuidados serem oferecidos não em função das necessidades do cuidador e em prejuízo do cuidado dos sujeitos a quem se destinam.
O cuidado que não dá sossego, instala a dependência diante da atenção e da aprovação alheia, constrói um estado de alienação. A moderação da presença implicada e a presença em reserva dependem da capacidade do agente de cuidados conseguir manter-se em reserva e desapegar-se. Ele “deixa ser” e o não-cuidar converte-se em uma maneira muito sutil e eficaz de cuidado. Deixar-se cuidar pelo objeto do cuidado passa a ser em si mesmo uma forma eficaz de cuidar. Cuidar bem é, entre outras coisas, transmitir bem as funções cuidadoras, é a construção da autonomia. O cuidar converte-se em algo prazeroso e lúdico. Assim o cuidado que se faz presente na “modernidade” em relação à infância é permeado de extremos onde se revela de um lado um acumulo de tarefas e responsabilidades a um desenvolvimento em construção e por outro lado uma ausência, limites, um “tudo pode” na sociedade de consumo. Pode o celular de última geração, internet ilimitada, streaming, ilimitada, o tablet, programação acessada por todas as idades, e como não poderia deixar de ser “roupas de marcas”. Vão sozinhos para a escola, estão sozinhos em casa, onde o cuidado restringe-se ao mínimo, não levando em conta as subjetividades, pois para isso estão aí os profissionais da área de saúde, os professores, e as cobranças do “tem tudo”. E onde fica a falta estruturante? Adultos em miniaturas, distantes da natureza, do brincar, do inventar brinquedos e brincadeiras, não são escutados tampouco escutam. Como quem cuida escuta e toda palavra é apelo e todo apelo implica em resposta, mesmo que tome a forma do silêncio, então não escutam os pais, os professores, os conteúdos escolares. Estão distraídos com objetos que os levam a diagnósticos de TDH, pelo alto índice de exposição à vida on-line e aos jogos competitivos, a quantidade de horas na televisão ou de jogos online ou de Playstation é muito grande. Com a ausência familiar cada vez maior é natural que toda uma sintomatologia apareça. E a construção do sujeito faltante, porque a falta é estruturante, fica em “suspenso”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário