20 de janeiro de 2013

A infância é para brincar


E brincando a criança dá significados, ressignifica, constrói e desconstrói seu universo, sua vida na relação triangular com os pais e daí com amigos, colegas. E a infância na modernidade? É a infância do trabalho, da ausência dos pais, da solidão, da internet, da ausência de relações sociais, é a infância adulta, sem limites, sem lei. Aos pais, professores, pediatras, psicólogos, há que refletir nas “doenças” modernas da infância e na presença implicadas como cuidadores. Essa presença possibilita à criança um “fazer sentido” de sua vida do nascimento à morte, garante a continuidade, de sua existência. Não nos sentimos existir, não conquistamos um senso de realidade se alguma continuidade não estiver sendo oferecida e experimentada, é a continuidade corpo-psiquismo, que precisa ir sendo construída e reconstruída a cada passo. São as famílias, grupos, profissionais os objetos mais aptos a oferecer sustentação ao longo da vida, principalmente quando o que está em jogo é a continuidade na posição simbólica do sujeito. Mas, é preciso crescer, expandir-se, se possível, sem rupturas excessivas, e também sem meras repetições. Conter nos oferece condições e vias para a transformação. Sustentar, dar continuidade, transformar são formas importantes do cuidar. Quando falta, há os sofrimentos com a sobrecarga de experiências emocionais obscuras e perturbadoras.

A criança está desde o nascimento frente a frente com esse “outro” diferente, marcado desde sempre pela diferença e pela incompletude; é o outro sexuado e, ele mesmo, desejante, vulnerável, dotado de um inconsciente. Assim o outro cuidador deve ser também uma fonte de questões e enigmas e nesta condição, ele introduz ou desperta uma pulsão, um movimento corpo-psiquismo e uma exigência de resposta; apenas como resposta a esta exigência alguém vem-a-ser.  Está implicado ou em reserva é aprender a dar tempo e espaço, esperar, manter-se disponível sem intromissões excessivas. Há que ressaltar a necessidade de equilíbrio entre estas diferentes formas de presença e alertar-se sobre a possibilidade dos cuidados serem oferecidos não em função das necessidades do cuidador e em prejuízo do cuidado dos sujeitos a quem se destinam. 

O cuidado que não dá sossego, instala a dependência diante da atenção e da aprovação alheia, constrói um estado de alienação.  A moderação da presença implicada e a presença em reserva dependem da capacidade do agente de cuidados conseguir manter-se em reserva e desapegar-se. Ele “deixa ser” e o não-cuidar converte-se em uma maneira muito sutil e eficaz de cuidado. Deixar-se cuidar pelo objeto do cuidado passa a ser em si mesmo uma forma eficaz de cuidar.  Cuidar bem é, entre outras coisas, transmitir bem as funções cuidadoras, é a construção da autonomia. O cuidar converte-se em algo prazeroso e lúdico. Assim o cuidado que se faz presente na “modernidade” em relação à infância é permeado de extremos onde se revela de um lado um acumulo de tarefas e responsabilidades a um desenvolvimento em construção e por outro lado uma ausência, limites, um “tudo pode” na sociedade de consumo. Pode o celular de última geração, internet ilimitada, streaming, ilimitada, o tablet, programação acessada por todas as idades, e como não poderia deixar de ser “roupas de marcas”. Vão sozinhos para a escola, estão sozinhos em casa, onde o cuidado restringe-se ao mínimo, não levando em conta as subjetividades, pois para isso estão aí os profissionais da área de saúde, os professores, e as cobranças do “tem tudo”. E onde fica a falta estruturante? Adultos em miniaturas, distantes da natureza, do brincar, do inventar brinquedos e brincadeiras, não são escutados tampouco escutam. Como quem cuida escuta e toda palavra é apelo e todo apelo implica em resposta, mesmo que tome a forma do silêncio, então não escutam os pais, os professores, os conteúdos escolares. Estão distraídos com objetos que os levam a diagnósticos de TDH, pelo alto índice de exposição à vida on-line e aos jogos competitivos, a quantidade de horas na televisão ou de jogos online ou de Playstation é muito grande. Com a ausência familiar cada vez maior é natural que toda uma sintomatologia apareça.  E a construção do sujeito faltante, porque a falta é estruturante, fica em “suspenso”.

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