26 de janeiro de 2014

A Letra e suas Revelações

 “Indubitavelmente, objeções foram amiúde levantadas à asserção feita por Stekel de que, em sonhos e associações, nomes que têm de ser encobertos parecem ser substituídos por outros que se lhes assemelham apenas por conterem a mesma sequência de vogais. Uma analogia notável, contudo, é proporcionada pela história da religião. Entre os antigos hebreus, o nome de Deus era tabu; não podia ser falado em voz alta, nem registrado por escrito. (Isto está longe de ser um exemplo isolado da significação especial dos nomes nas civilizações arcaicas.) Esta proibição foi tão implicitamente obedecida que, até o dia de hoje, a vocalização das quatro consoantes do nome de Deus [Y H V H] permanece desconhecida. Ele era, contudo, pronunciado ‘Jehovah’, sendo suprido pelas vogais da palavra ‘Adonai’ (‘Senhor’), contra a qual não havia tal proibição. (Reinach, 1905-12, 1 1.)”.

Em muitos de seus escritos Freud analisa a “palavra”, aquela que é falada ou pensada, sempre na sequência do que deve ser escondido ou revelado pelo psiquismo. Nesse trecho a questão das vogais, não é diferente. Quando uma letra é omitida seja em sonhos, na fala, na escrita, há que pensarmos o que ela esconde, realizar seu percurso, se possível até sua revelação.

Referência
FREUD, S.  – A SIGNIFICAÇÃO DAS SEQÜÊNCIAS DE VOGAIS (1911),  Obras Completas de Psicanálise - volume VII. Rio de Janeiro, Imago-1996.  

14 de janeiro de 2014

......alexandre morais da rosa: Psicanálise - BH

XX ENCONTRO BRASILEIRO DO CAMPO FREUDIANO TRAUMA NOS CORPOS, VIOLÊNCIA NAS CIDADES Belo Horizonte, 21 a 23 de novembro de 2014 ...
Oportuna aproximação do tema Trauma nos Corpos, Violência nas cidades, compreendendo que a questão da violência é complexa e que em um primeiro momento, até por uma passagem ao ato que se dirige a um corpo. Assim mais uma vez lembramos a articulação de Freud em Construções em Análise:

"Se considerarmos a humanidade como um todo e substituirmos o indivíduo humano isolado por ela, descobriremos que também ela desenvolveu delírios que são inacessíveis à crítica lógica e que contradizem a realidade. Se, apesar disso, esses delírios são capazes de exercer um poder extraordinário sobre os homens, a investigação nos conduz à mesma explicação que no caso do indivíduo isolado. Eles devem seu poder ao elemento de verdade histórica que trouxeram à tona a partir da repressão do passado esquecido e primevo” (Freud 1937, p.287)

13 de janeiro de 2014

"Como é por Dentro Outra Pessoa"


Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo. 

Fernando Pessoa

A “Construção” da História do Sujeito

“Mas assim como o arqueólogo ergue as paredes do prédio a partir dos alicerces que permaneceram de pé, determina o número e a posição das colunas pelas depressões no chão e reconstrói as decorações e as pinturas murais a partir dos restos encontrados nos escombros, assim também o analista procede quando extrai suas inferências a partir dos fragmentos de lembranças, das associações e do comportamento do sujeito da análise. Ambos possuem direito indiscutido a reconstruir por meio de suplementação e da combinação dos restos que sobreviveram. Ambos, ademais, estão sujeitos a muitas das mesmas dificuldades e fontes de erro. Um dos mais melindrosos problemas com que se defronta o arqueólogo é notoriamente, a determinação da idade relativa de seus achados, e se um objeto faz seu aparecimento em determinado nível, frequentemente resta decidir se ele pertence a esse nível ou se foi carregado para o mesmo devido a alguma perturbação subsequente. É fácil imaginar as dúvidas correspondentes que surgem no caso das construções analíticas” (Freud 1937 – p.277)

É corrente em psicanálise falar-se de interpretações e pouco de construções. Em seu percurso Freud construiu várias histórias de seus pacientes, que tornaram célebres e muito contribuíram para a compreensão dos sofrimentos humanos. Assim, refletir sobre construções, tão distanciada da atual clínica de saúde mental, seja pela ausência de prontuários narrativos, articulados, ou pela própria dificuldade teórica de articulá-los, ficando mais fácil a denominação ou diagnóstico nominal. Não vamos aqui tão pouco falar de DSM – uma nominação do sofrimento psíquico - Começamos então pelo final do artigo de Freud “Construções em Análise”: “Se considerarmos a humanidade como um todo e substituirmos o indivíduo humano isolado por ela, descobriremos que também ela desenvolveu delírios que são inacessíveis à crítica lógica e que contradizem a realidade. Se, apesar disso, esses delírios são capazes de exercer um poder extraordinário sobre os homens, a investigação nos conduz à mesma explicação que no caso do indivíduo isolado. Eles devem seu poder ao elemento de verdade histórica que trouxeram à tona a partir da repressão do passado esquecido e primevo” (Freud 1937, p.287).  É certo que somente esse trecho daria um imenso artigo. Não só pelas possibilidades que coloca, como pela construção coletiva que as sociedades fazem e influenciam a subjetividade e individualidade. Constituindo “valores” a serem seguidos no sentido de manter a estrutura psíquica dos sujeitos, como são as concepções de beleza, poder, riqueza e segurança, onde para se sentir-se seguro é “necessário ter uma arma”. 

A questão a seguir é a construção ou reconstrução da história que o sujeito faz em análise. Ao analista cabe inserir uma interpretação que contribua na construção, reconstrução de um caminho, um destino. Mas é necessário construir a história, não só enquanto direção clínica, mas como algo que se vai “tecendo a quatro mãos”. Sabemos que não é fácil vencer as repressões primitivas do desenvolvimento humano, principalmente, quando envolve grandes sofrimentos, e aos poucos sendo substituídas por reações mais maduras. Como o fundamental está esquecido, trancado pelo superego, Freud interroga: Que tipo de material põe ele à nossa disposição, de que possamos fazer uso para colocá-lo no caminho da recuperação das lembranças perdidas?” E na sequencia irá nos sinalizar que pela associação livre irá se revelar experiências afetivas, aflitivas, reprimidas e seus sintomas.  

O analista, como o arqueólogo está sempre à procura de algo, que é a “sequencia” de fatos, dos primeiros tempos de existência, que venha a fazer sentido em suas conexões e sintomas. Recordar, lembrar algo que foi vivenciado com intenso sofrimento, e, portanto esquecido, reprimido, não é tarefa fácil. A tarefa do analista não é menos árdua, pois há que “completar aquilo que foi esquecido a partir dos traços que deixou atrás de si ou, mais corretamente, construí-lo”. Algo que está vivo e demanda cura, acolhimento, escuta, acalento. Difícil precisar no tempo e no espaço. O que é facilitador são as repetições dos tempos, sejam quais forem e que facilita a reconstrução. Podemos até dizer, que algo há que se repetir, para que seja reconstruído. Como estamos lidando com algo vivo o essencial dos fatos, vivências, estão preservados em algum lugar inacessível, mas que retorna como sintoma. Há que identifica-los, para além dos sintomas. Algo da estrutura psíquica está sempre preservada. Sobrevive em seus escombros. O mistério que ainda cerca o psiquismo humano em sua estrutura mais refinada atesta o insuficiente conhecimento que temos hoje, para afirmações e verdades absolutas. Não deixam de serem as afirmações e verdades que um momento histórico conseguiu produzir. Há que refinar a escuta, a pesquisa, o estudo.

Se a construção é um trabalho preliminar, o que nos espera? Nos espera a ação do sujeito nessa construção e reconstrução de forma que os novos elementos inseridos possam produzir raízes de uma nova construção, aonde cada fragmento vai se juntando a outro e compondo algo que foi necessário ser fragmentado para sobreviver. Assim construção’ é de longe a descrição mais apropriada. ‘Interpretação’ aplica-se a algo que se faz a algum elemento isolado do material, tal como uma associação”. A palavra e o silêncio do sujeito e do analista  intermedia a construção.

Por certo muitas das lembranças são tão enigmáticas, desfocada dos eventos em questão, que poderão ecoar como delírio, alucinação, pela  forma incompreensível que se apresenta, e que independe da estrutura clínica. Como todo o reprimido está submetido a um forte “impulso ascendente”, pois os traços mnêmicos lá estão redirecionando-o para outros objetos “algo que a criança viu ou ouviu numa época em que ainda mal podia falar e que agora força o seu caminho à consciência, provavelmente deformado e deslocado, devido à operação de forças que se opõem a esse retorno” (Freud 1937, p.285). Como essas lembranças que “não colam” ao processo de construção, estão também submetidas ao “impulso ascendente”, há que cuidar se essa lembrança “afastada” da realidade em questão é apenas uma forma de se inserir na construção ou reconstrução, à medida que as resistências vão sendo vencidas e as novas construções vão se fortalecendo e amadurecendo. Se há um passado de verdades históricas da humanidade, essa causação é complexa, habita todos os seres humanos e cabe a cada um libertar seus fragmentos de verdades históricas em sua complexidade, na sua vida presente, “revelar suas conexões íntimas”, com esperança de construção de um futuro mais assertivo, menos sofrido, mais apaziguado.
Referência

FREUD, S.  – CONSTRUÇÕES EM ANÁLISE (1937),  Obras Completas de Psicanálise - volume XXIII. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

4 de janeiro de 2014

A Essência do Caminho


A boa caminhada não deixa rastros ou pegadas
A boa palavra não deixa imperfeição para críticas
O bom cálculo não utiliza medida nem número
A boa porta não necessita de ferrolho para ser fechada
E não pode ser aberta
O bom nó não necessita de corda para ser atado
E não pode ser desatado
Assim, o Homem Sagrado
É constante e bondoso
Salva os homens e não abandona os homens
É constante e bondoso
Salva coisas e não abandona coisas
Isso se chama herdar a luz
O homem bom é mestre daquele que não é bom
O homem que não é bom é o recurso daquele que é bom
Quem não valoriza seu mestre e quem não ama seu recurso
Mesmo inteligente, permanece enormemente desorientado
A tudo isso denomina-se Maravilha Essencial
TAO TE CHING - O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn - Cherng

A Vida Continua seu Percurso...

Então termina um ciclo! Finda uma data! 2013. Somamos mais um: 2014! Mas o tempo sem calendários, às datas é o tempo da memória, seja inconsciente ou consciente. Quando começamos Caminhos da Psique, não sabíamos muito bem o que iria acontecer, nesse trajeto. Tínhamos a certeza da direção, do desejo, das reflexões, do amor infinito que nos guiaria. Tínhamos, temos e teremos até quando for possível nos encontramos aqui, muitas interrogações, esperanças por uma humanidade em paz, pela paz, harmonia e equilíbrio em cada alma, em cada coração, que pulsa em algum lugar do planeta ou do universo, como uma estrela. Fica aqui nosso profundo agradecimento a todos que por aqui passaram em 2013. É um imenso privilégio encontra-los ao longo do caminho. Não esperávamos por tantas visitas, em tão pouco tempo. Como todo peregrino e todo anfitrião é sempre uma alegria recebê-los em nossa casa e encontra-los pelo caminho. Acreditamos que em algum momento poderá a reflexão não ser a mais apropriada, errarmos a direção, e sermos confundidos em nosso desejo. Mas encontraremos sempre o caminho de volta. Nunca deixará de existir a esperança pela paz, a compaixão por nossos irmãos que vivem nas situações mais difíceis em nosso planeta, onde ainda persiste a fome, o frio, a sede, as guerras, os ódios, os refugiados, as doenças, as prisões sejam do corpo ou da alma. Nunca deixará de existir uma palavra que possa acolher, suavizar as agruras da vida, elucidar a compreensão das vicissitudes da vida. Nunca deixará de existir um infinito amor por todos os seres humanos e por essa casa temporária e transitória que é nosso planeta terra. Então, quando olhamos para uma estrela, nosso olhar e sua luz se encontram e muitos enigmas permanecem em nossa jornada a nos interrogar e a nos levar em frente rumo a esse céu cheio de estrelas. Mas não esqueceremos que acima de todas as tempestades há um céu azul pela luz do sol ou um céu estrelado, a nos sinalizar a transitoriedade da vida. Paz e Esperanças renovadas 2014!