“Os
resíduos dos dois tipos de experiências (de dor e de satisfação) que acabamos
de examinar são os afetos e os estados de desejo. Estes têm em comum o fato de
que ambos envolvem um aumento da tensão Qn (quantidade da ordem de magnitude
intercelular) em sistema de neurônios impermeáveis — produzido, no caso de um
afeto, pela liberação súbita e, no de um desejo, por soma. Ambos os estados são
da maior importância para a passagem (da quantidade) em sistema de neurônios
impermeáveis, pois deixam atrás dele motivações para isso, que se constituem no
tipo compulsivo. O estado do desejo resulta numa atração positiva para o objeto
desejado, ou mais precisamente, por sua imagem mnêmica; a experiência da dor
leva à repulsa, à aversão por manter catexizada a imagem mnêmica da dor leva à
repulsa, à aversão por manter catexizada a imagem mnêmica hostil. Eis aqui a
atração de desejo primária e a defesa [repúdio] primária”.
“A atração
de desejo pode ser facilmente explicada pelo pressuposto de que a catexia da
imagem mnêmica agradável num estado de desejo supera amplamente em Qn
(quantidade da ordem de magnitude intercelular) a catexia que ocorre quando há
uma simples percepção, de modo que a facilitação particularmente boa passa do
núcleo do sistema de neurônios impermeáveis, para o neurônio correspondente do
pallium”.
“É mais
difícil explicar a defesa primária ou recalcamento — o fato de a imagem mnêmica
hostil ser regularmente abandonada o mais depressa possível por sua catexia.
Apesar disso, a explicação deve estar no fato de que as experiências primárias
da dor foram eliminadas pela defesa reflexa. A aparição de outro objeto, em
lugar do hostil, foi o sinal para o fato de que a experiência da dor estava
terminando, e o sistema de neurônios impermeáveis, pensando biologicamente,
procura reproduzir o estado de sistema de neurônios impermeáveis, que assinalou
a cessação da dor. Com a expressão pensando biologicamente acabamos de
introduzir uma nova base de explicação, que deve ter validade independente,
ainda que não exclua, mas, pelo contrário, exija o recurso a princípios
mecânicos (fatores quantitativos). No caso diante de nós, poderia perfeitamente
ser o aumento de Qn (quantidade da ordem de magnitude intercelular),
invariavelmente produzido com a catexia de uma lembrança hostil, que força o
acréscimo da atividade de descarga e, com isso, também a drenagem da lembrança”.
Esse texto
faz parte dos esboços inéditos das publicações psicanalíticas nos escritos de
Freud sobre Projeto para uma psicologia científica. Aqui estamos lendo o
esquema geral 13. Consideramos oportuna a análise sobre dor e satisfação, que
começamos a percorrer no texto anterior http://www.caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2014/09/repressao-e-dor.html.
A experiência da dor e da satisfação, por mais psíquica que possa ser é
descarregada no corpo físico “na quantidade de magnitude intercelular, nos
neurônios impermeáveis”, mielinizados. A modulação de energia no corpo,
psiquismo e na relação dialética entre essas instancias é complexa e
demanda muitos estudos para o futuro. O que faz os afetos e desejos
trafegarem por essa via é que deixam atrás de si um rastro, que podem
repetir-se. O desejo não é possível sem uma imagem mnêmica, que é desperta por
uma repetição, uma condensação ou uma representação simbólica, um significante.
Esse despertar, que é energizado, pode desencadear uma sensação de prazer ou de
dor e assim a manifestação da defesa. A energia da “imagem mnêmica agradável”,
ou seja, do significante, supera a “magnitude da energia intercelular”, da
simples percepção. Por isso se diz que “ o corpo não responde à energia
psíquica”, pois a limitação orgânica dos neurônios impermeáveis, controlam a
quantidade de passagem da energia. É certo que a imagem mnêmica desagradável,
não é energizada e rapidamente descartada. É o recalcamento. Assim as primeiras
experiências desagradáveis ou de dor, na mais tenra idade são recalcadas e ao
mesmo tempo “força o acréscimo de descarga” e da liberação da lembrança.
Subjetivamente outro objeto é tido como substituto e biologicamente o “sistema
de neurônios impermeáveis” opera a cessação da dor.
Referência
FREUD,
S. – Afetos e Estados de Desejo (1886-1889), Obras Completas de
Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996.
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