19 de setembro de 2014

“Afetos e Estados de Desejo” – Dor e prazer

“Os resíduos dos dois tipos de experiências (de dor e de satisfação) que acabamos de examinar são os afetos e os estados de desejo. Estes têm em comum o fato de que ambos envolvem um aumento da tensão Qn (quantidade da ordem de magnitude intercelular) em sistema de neurônios impermeáveis — produzido, no caso de um afeto, pela liberação súbita e, no de um desejo, por soma. Ambos os estados são da maior importância para a passagem (da quantidade) em sistema de neurônios impermeáveis, pois deixam atrás dele motivações para isso, que se constituem no tipo compulsivo. O estado do desejo resulta numa atração positiva para o objeto desejado, ou mais precisamente, por sua imagem mnêmica; a experiência da dor leva à repulsa, à aversão por manter catexizada a imagem mnêmica da dor leva à repulsa, à aversão por manter catexizada a imagem mnêmica hostil. Eis aqui a atração de desejo primária e a defesa [repúdio] primária”.
“A atração de desejo pode ser facilmente explicada pelo pressuposto de que a catexia da imagem mnêmica agradável num estado de desejo supera amplamente em Qn (quantidade da ordem de magnitude intercelular) a catexia que ocorre quando há uma simples percepção, de modo que a facilitação particularmente boa passa do núcleo do sistema de neurônios impermeáveis, para o neurônio correspondente do pallium”.
“É mais difícil explicar a defesa primária ou recalcamento — o fato de a imagem mnêmica hostil ser regularmente abandonada o mais depressa possível por sua catexia. Apesar disso, a explicação deve estar no fato de que as experiências primárias da dor foram eliminadas pela defesa reflexa. A aparição de outro objeto, em lugar do hostil, foi o sinal para o fato de que a experiência da dor estava terminando, e o sistema de neurônios impermeáveis, pensando biologicamente, procura reproduzir o estado de sistema de neurônios impermeáveis, que assinalou a cessação da dor. Com a expressão pensando biologicamente acabamos de introduzir uma nova base de explicação, que deve ter validade independente, ainda que não exclua, mas, pelo contrário, exija o recurso a princípios mecânicos (fatores quantitativos). No caso diante de nós, poderia perfeitamente ser o aumento de Qn (quantidade da ordem de magnitude intercelular), invariavelmente produzido com a catexia de uma lembrança hostil, que força o acréscimo da atividade de descarga e, com isso, também a drenagem da lembrança”.

Esse texto faz parte dos esboços inéditos das publicações psicanalíticas nos escritos de Freud sobre Projeto para uma psicologia científica. Aqui estamos lendo o esquema geral 13. Consideramos oportuna a análise sobre dor e satisfação, que começamos a percorrer no texto anterior http://www.caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2014/09/repressao-e-dor.html. A experiência da dor e da satisfação, por mais psíquica que possa ser é descarregada no corpo físico “na quantidade de magnitude intercelular, nos neurônios impermeáveis”, mielinizados. A modulação de energia no corpo,  psiquismo e na relação dialética entre essas instancias é complexa e demanda muitos estudos para o futuro. O que faz os afetos e  desejos trafegarem por essa via é que deixam atrás de si um rastro, que podem repetir-se. O desejo não é possível sem uma imagem mnêmica, que é desperta por uma repetição, uma condensação ou uma representação simbólica, um significante. Esse despertar, que é energizado, pode desencadear uma sensação de prazer ou de dor e assim a manifestação da defesa. A energia da “imagem mnêmica agradável”, ou seja, do significante, supera a “magnitude da energia intercelular”, da simples percepção. Por isso se diz que “ o corpo não responde à energia psíquica”, pois a limitação orgânica dos neurônios impermeáveis, controlam a quantidade de passagem da energia. É certo que a imagem mnêmica desagradável, não é energizada e rapidamente descartada. É o recalcamento. Assim as primeiras experiências desagradáveis ou de dor, na mais tenra idade são recalcadas e ao mesmo tempo “força o acréscimo de descarga” e da liberação da lembrança. Subjetivamente outro objeto é tido como substituto e biologicamente o “sistema de neurônios impermeáveis” opera a cessação da dor.

Referência
FREUD, S.  – Afetos e Estados de Desejo (1886-1889), Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

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