13 de setembro de 2014

“Repressão” e Dor

O que tem de importante na repressão? Podemos responder tudo, mas ressaltamos a formulação de Freud sobre a formação de sintomas. Na repressão está a estrutura psíquica, pois ai está o fenômeno clínico da resistência. Quanto maior a repressão dos conteúdos psíquicos conflituosos ou de sofrimentos, maior a resistência. Podemos utilizar também o termo defesa em relação à repressão, pois se reprime aquilo do qual se necessita defender-se. Na neurose histérica a repressão funciona expulsando a ideia da consciência. Na neurose obsessiva a repressão funciona deslocando a energia emocional para outros objetos. Assim a forma como a repressão funciona depende da estrutura clínica. A repressão existe enquanto um mecanismo de defesa do ego em relação aos conflitos que desencadeiam sofrimento psíquico. Uma vez que a pulsão de energia na repressão é intensa, a ansiedade também.

O instinto transforma-se em repressão no caminho que percorre no ego para realizar-se, mas depara-se com a condenação. O livre curso do instinto sofre repressão porque sua realização causaria grandes estragos, mas estes continuam latentes em função da demanda do instinto, que necessita ser reelaborada. A demanda de um instinto pode ser tão intensa, que causa estrago em algum órgão do corpo humano. A doença é, então, uma forma de escoamento desse(s) instinto(s), contribuindo para aumentar a tensão psíquica e física, que é compreendida como dor. A dor é imperativa, difícil de ser estancada. Pode ser temporariamente “esquecida” com uso de alguma substancia ou uma distração mental. A dor só pode ser cessada mediante um evento agradável, que contribua para a sublimação.

Por certo que a dor é obscura, não é palpável, embora possa atingir órgãos, mas continua sendo subjetiva. Cada pessoa possui seu limiar, dado a suas circunstancias psíquicas. Mesmo um instinto tão primário e imperativo como a fome, quando não é possível satisfazer-se através dos alimentos, encontra outras vias, pelas substancias para “realizar-se”, e aliviar a tensão, que é gerada pela necessidade. Então a repressão age por substituição do objeto, numa relação de prazer e desprazer. Age afastando o sofrimento do consciente, tornando-o inconsciente pelo esquecimento. Enquanto fazendo parte da arquitetura psíquica é possível pensar a repressão como um mecanismo que existe desde sempre, como forma de impedir que determinados conteúdos cheguem ao consciente. É então uma marca, um ponto de fixação, em que o instinto permanece ligado.

A repressão afeta diversas sequências de pensamento, que são representes dos conteúdos reprimidos e que têm alguma ligação com o reprimido. Assim, essas sequencias de pensamento são também reprimidas. Ao tempo em que o consciente repudia os conteúdos que são reprimidos, os conteúdos reprimidos buscam ligação com “novos” conteúdos, que possam representá-los. Portando os conteúdos reprimidos necessitam ser reelaborados, desvelados, interpretados, para que a demanda dos instintos se esvazie, se reformule, seja sublimado, senão continuará se proliferando sob formas e representantes extremos perigosos. Importante ressaltar que permeia todo esse mecanismo aquilo que chamamos subjetividade, enevoada pela fantasia. Instinto e fantasia podem ser potencializadores, e comprometer a relação com o real. Nesse percurso está o tempo do inconsciente e do consciente, possibilitando que os derivados se afastem do representante reprimido, seja pelas distorções, associações, novas ligações para acessar o consciente. A intenção é que o reprimido consiga passar pela censura do consciente e então construir novas possibilidades de interpretação, mesmo que distorcidos no tempo. Fica assim o enigma do existir humano, em que o véu de Maya é o tempo do inconsciente.

As sequencias de pensamentos que ligam por associações as relações com o reprimido pode tornar evidente a tentativa de repressão, que se expressa pelos sintomas, que são “derivados do reprimido”. O afrouxamento da repressão dá-se por processos de comprometimentos do ego, as psicoses, perversões. Mas é possível na relação transferencial em análise ocorrer esse relaxamento, o que possibilita acessos a conteúdos inconscientes mais conflituosos. O delicado movimento e equilíbrio de revelação dos conteúdos que habitam o mais profundo inconsciente implicam no equilíbrio da energia do inconsciente (que ainda não é possível ser medida), quando “alcança certa intensidade”, que possibilitaria vencer a resistência. Assim a repressão age por etapas individuais, em determinadas marcas mnêmicas em espacial de forma a manter o equilíbrio. Se os sintomas, a fantasia, as distorções, modulam esse equilíbrio, por certo necessitam da energia dos neurotransmissores, podendo ser reinstalada posteriormente. O chiste, por exemplo, é um representante instintual e como tal pode ser individual, possuir movimento e reaparecer sob diversas expressões. Tanto a repressão como afrouxamento dessa exige um dispêndio de força, energia. “Podemos supor que o reprimido exerce uma pressão contínua em direção ao consciente, de forma que essa pressão pode ser equilibrada por uma contrapressão incessante” (p.156). O movimento de economia e dispêndio de energia abrange não só o estado de vigília como o estado de sono, que possibilita a formação dos sonhos.

O impulso (ideias, grupo de ideias, necessidades) pode ficar adormecido com pouca energia psíquica e semiconsciente. Ao ser energizado em diversas intensidades e formas, seja pelas vicissitudes da vida ou porque está inserido na estrutura psíquica, revela-se na consciência, sem, contudo excluir a repressão, podendo gerar muita dor. Se for algo conflitante na consciência, a repressão atua. A quantidade de energia movimenta os conteúdos e impulsos no inconsciente e muitos desses são sentidos como afetos, e expressos com sua carga de dor. É o “fator quantitativo do representante instintual”. É o mesmo que não atender um telefonema indesejável ou atender e após reconhecer a procedência do telefonema impedir que a conversação continue. Há muitos enigmas quanto ao  representante instintual. Às vezes não é possível encontrar vestígio dele, outras vezes é temporariamente suprimido, ou aparece transformado como ansiedade ou outro sintoma. Assim aquilo que pode transforma-se em dor é reprimido. Nesse sentido a repressão pode falhar e ser submetida ao nosso exame. O que sinaliza e revela a repressão é o sintoma, mesmo que seja por uma formação substitutiva, mas a repressão em seu curso deixará rastros.

A repressão possibilita a formação substitutiva do desejo e a formação de sintomas, ao mesmo tempo em que estes são também “retorno do reprimido”. Portanto a formação substitutiva e a formação de sintomas são complexas e está aliada a estrutura psíquica e esta ao mecanismo da dor. Assim, medo, ansiedade, angústia, impulsos e instintos diversos podem possuir diversas formações substitutivas e serem formações substitutivas. O trajeto consciente – inconsciente dos conteúdos e representantes ideacionais, trafega no corpo por inervações, seja sensorial, motora, inibindo, excitando, condensando, deslocando. Esse trajeto psíquico-corpo é em alguns momentos interrompido, ou segue um percurso ininterrupto. Os sintomas da defesa psíquica sejam de conversão, obsessiva, delirante, alucinatória, maníaca, depressiva, sádica, conflui em formações substitutas, que podem ser frágeis, fazendo com que a repressão fracasse. Assim as emoções reprimidas, esquecidas, desaparecidas, retorna como ansiedade, autocensura, autopunição. O fracasso da repressão ou da defesa implica como já falamos outrora no retorno do recalcado. Portanto compreender o passado é curar o presente e plantar sementes novas para o futuro.

Referência
FREUD, S.  – REPRESSÃO (1915), Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

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