10 de dezembro de 2016

Poesia - Amor Eterno...


Esse amor... centelha que ilumina,
imagem indefinida...
exilada, peregrina entre desconhecidos...
tua imagem no perfume que exala...
tempos, lugares...
o perfume de tua presença
na tua “ausência”
teu amor com devoção...
faz tua alma cheia de amor...
a separação, dor...
o perfume desse amor...
nos mantém unidos,
exala pela eternidade...
para todos os seres...
profundo, intenso,
não pode pertencer...
somente a nós...
essa centelha, que nos habita...
doamos a todas as almas...
e assim permanecemos unidos.

Myriam’aya

A Contextura psíquica do ódio - “Síntese”


 7. “Síntese”

Amor... “Pois de amor andamos todos precisados!
Em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija,
Nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para frente...” Carlos Drummond de Andrade

Não foi nosso objetivo refletir sobre o ódio abordando-o em uma estrutura neurótica, psicótica. Nosso objetivo foi abordá-lo naquilo que é mais difícil nesse momento da história humana, que se dissemina pelo planeta: é o ódio perverso, sádico. Embora esse possa “atravessar” qualquer estrutura, com contornos que assumem outras diferenças significativas. O que vivemos no planeta nesse momento da civilização deve interrogar a todos, seja como indignação, como falta de esperança, “como o tão falado fim dos tempos”, mas não podemos deixar de nos interrogar, de como compreender esse mundo e reconstruí-lo na paz, em nossa reumanização.

Escrever um artigo, com seis capítulos, sobre o ódio é tarefa difícil, árdua, incompleta, inquietante, angustiante, em muitos momentos. Mas é o dever ético de contribuir com a reflexão de um afeto tão complexo e com muita ênfase na civilização em que vivemos atualmente no planeta, para que, começando a compreendê-lo, possamos vislumbrar a paz. Longe de ser uma “síntese” é mais uma reflexão. A evolução do homem e seu psiquismo supõe a sublimação dos instintos primitivos. Evolução de uma relação saudável com o outro. Portanto há muito que caminhar através de décadas e séculos na superação desses instintos tão presentes, ainda hoje, no planeta. As guerras, os conflitos, os ódios, na atual evolução tecnológica, desta civilização, é o sintoma de uma desagregação moral, de uma necessidade sádica de vontade de poder, da construção, alimentação de ressentimentos, mágoas e ódios para dominar e matar não só pela passagem ao ato, mas simbolicamente, uns aos outros pelo prazer sádico e perverso. Há uma desagregação do superego, da lei simbólica. O que leva esses sujeitos a fazer essa “escolha”, é o que Freud define como o “poder sombrio do destino, que apenas poucos dentre nós são capazes de encarar como impessoal”. Porque encarar como impessoal é afastar-se da compaixão para com o outro, ou seja distanciar-se de si mesmo. Se os homens ainda sentem que precisam sofrer, odiando-se mutuamente, alimentando um sentimento de vingança, disputa, domínio é porque necessitam expiar seu masoquismo e sadismo moral, que ainda demanda a lei, o superego. Há uma submissão a si próprio, uma escravidão própria, o ego submete-se ao sofrimento, do masoquismo e/ou sadismo seja infringindo-o a si próprio ou ao Outro, na “esperança” de que punindo-se ou punindo o Outro, irá conquistar sua liberdade. Que esperar de algo que “faz opção” pelo sofrimento, para além do princípio do prazer? O cansaço que advêm da caminhada, quando então a marcha levanta a poeira e aquele sentimento de ódio guardado, no mais profundo do inconsciente por séculos, décadas, ignorado pelo próprio sujeito descola-se por uma fração se segundo, e isso, pode ser o suficiente, para que se descole definitivamente. 

O cansaço pode ser a chamada “luz no fim do túnel”. Mas não é só a temperatura do meio ambiente do planeta que está subindo, porque a temperatura simbólica, o ódio flamejante está aumentando. O materialismo com seu desejo de poder tudo “consome”. Os homens investidos de autoridade institucional, quando, afastam-se da realidade, fantasiam, ou alucinam a um poder absoluto. Veem o Outro como não pertencente ao humano. O desejo de poder afasta o sujeito da realidade, aproximando-o do sadismo que é constituinte de uma estrutura perversa. E esta necessita muitas vezes, de uma fagulha que é o ódio para que venha a tornar-se o combustível.

Expurgar o ódio requer um gasto de energia, pois a rememoração traz de volta o afeto, nem sempre de forma pacificada, mas como ele foi vivido em determinado momento. Então é possível que esse ódio inconsciente, que o sujeito sequer saibe que existe e como todo reprimido retorna, assim que é ativado por uma lembrança. Supõe-se muitas vezes, não na mesma intensidade, mas com outro componente que é a dor. O ódio é um sentimento que pode ser esquecido, com o tempo, fica adormecido, onde o sujeito acredita não mais odiar, onde acredita que esse afeto nocivo está elaborado, “resolvido” substituído por afetos positivos de amor. Mas basta uma representação mnêmica para que ele retorne. Em muitas situações, não com a mesma força, mas com quantidade e qualidade correspondente a sua diluição no tempo. Não haver limite para externar o ódio, seja para qual for a representação subjetiva, social, subverte-se mais do que o estado de direito, mas  a própria lei subjetiva interna  de cada um. Então surgem os sujeitos nos seus instintos primitivos.

O ódio em muitas circunstancia, funciona enquanto instancia primária de defesa, como uma forma do sujeito se manter ligado aos seus objetos ou “acalentar” suas feridas. A passagem ao ato pode funcionar como uma descarga para o próprio sujeito com seus diversos representantes. Portanto permitir que ele se descole, gera um vazio, que precisa ser preenchido pelo perdão. É estancar as próprias feridas, é trilhar o caminho da reconstrução psíquica, mas isso não é tarefa fácil. Quando a dor do ódio causar um incomodo físico, ela começa a criar as condições para ser drenado e curado. Drenar o ódio é refazer o percurso das dores e sofrimentos, reelaborando-os. Caminho difícil, espinhoso, cheio de renúncias, atemporal. O que “define” isso é uma insuportabilidade da negação do sujeito pelo “mundo” que o rodeia, uma repressão da dor, que não foi possível ser externada ou foi pela revolta, pelo ato de destruição do outro. Ele se torna um nada, por maior que seja o seu sadismo. E a um nada não cabe uma existência corpórea, porque seu corpo e sua subjetividade já foi negada pela indiferença do mundo que compõe o universo do sujeito.

Ao drenar o ódio o sujeito se implica consigo mesmo, se interroga. Assim surgirá uma revolta, uma projeção da própria culpa, uma passagem de algoz a vítima, a indiferença, um remorso, um sentimento de culpa, a necessidade do próprio resgate e da reparação. Então começará a surgir o senso ético, moral e as renuncias instituais primitivas. O amor ainda é aqui um afeto ideal, mas “inexistente”, porque o sujeito “não possui experiências com o mesmo” ou perdeu. O modelo do ideal, dá o caminho a ser percorrido, mesmo que esse caminho a ser percorrido, seja o da eternidade e o afasta dos instintos primitivos, no sentido de renunciá-los. A resiliência é o registro do destino, do sofrimento na memória e os recursos utilizados para lidar com ele. Um novo sofrimento é a “prova” da resiliência. A dor fica, até ser reelaborada como força energética. O amor, esse sentimento oceânico, como dizia Freud, parece destituído da relação sujeito-objeto, e tudo se transforma em algo do qual faz parte e está interligado, subjetivado. Mas o amor transcende a consciência, o tempo, como o compreendemos. É possível que fique “esquecido”, para que possa encontrar outros objetos de representação que necessitam dessa doação. O imperativo categórico do amor é a verdade, no sentido de justiça moral, ética e liberdade.

Nossa “vidinha” cotidiana nas seduções mundanas nos afasta dos propósitos da existência de cada um de nós e nos joga no abismo do "nirvana" narcísico patológico. Vivemos em uma civilização com muita evolução tecnológica, mas isso não se reverte para a evolução da consciência humana, da moral, da ética, solidariedade, da compaixão, do sentimento universal de uma só irmandade na terra, desde a relação com a natureza, os vegetais, os animais, a água, e todos os recursos disponíveis. Ainda não nos sentimos irmãos dos nossos irmãos humanos, tão pouco de nossos irmãos vegetais, animais, minerais etc. Não nos sentimos integrados à natureza, ao universo, como se as leis que nos governam, não fossem as mesmas leis da natureza e do universo. Assumimos o lugar de deuses sem alma, somos totens de nós mesmos, nos adoramos, pelo nosso egoísmo, avareza, inveja, competição, arrogância, vontade de poder. Há que resgatar nossa relação com nossos ancestrais, com nossa espiritualidade, seja qual for à forma em que está se expresse. Há que nos religarmos com a natureza e o universo. Porque o corpo é composto de minerais, átomos, água, energias, vibrações, mas ainda não compreendemos. Sequer pensamos nos universos paralelos que a ciência começa a estudar. Então, o que há entre nós e o espaço onde habita as estrelas pertence ao desconhecido, que só o inconsciente pode ter alguns traços mnêmicos.

É por isso que a humanização requer infinitos aprendizados, mas “a carícia não quer simples contato; parece que o homem sozinho pode reduzi-la a um contato, e, então, ele perde o sentido próprio da carícia. Isso porque a carícia não é simples toque: é um modelar. Acariciando o outro, faço nascer sua carne pela minha carícia, sob meus dedos. A carícia é o conjunto de cerimônias que encarnam o Outro. Mas dir-se-á o outro já não estava encarnado? Para ser exato não. A carne do outro não existia explicitamente para mim, já que eu captava o corpo do Outro em situação; tampouco existia para o outro mesmo, posto que ele a transcendia rumo às suas possibilidades e rumo ao objeto”. (Sartre, p. 485). Acariciar não só no sentido do toque suave ao corpo do outro, pelo abraço, pelo deslizar do olhar, das mãos, da voz, mas pela suavidade do contato subjetivo, pela quietude de respeito à vida do outro, pela responsabilidade em cada palavra ou silêncio proferido, pela lealdade com a verdade do amor, da compaixão, da solidariedade, da irmandade, da escuta delicada, acolhedora, do tempo a ser dedicado a cada pessoa, do cuidado afetivo, de saber que a construção de uma família, uma comunidade, um país, um planeta humano, passa necessariamente pela renuncia dos instintos primitivos, pela superação da promiscuidade em todas as suas formas, representações, do preconceito e suas variantes, do “tirar vantagens matérias” entre os diversos sujeitos, pela superação da vingança, pela conquista do perdão. Temos que seguir na terra olhando o céu com a luz das estrelas e o destino como o curso do rio. Pois o amor ao preencher o vazio que o ódio estancado, drenado deixa, cura todas as feridas deste, que nasce dos punhais  encravados na alma. Só o amor cura e liberta de todos os erros cometidos por ódio, arrogância, vaidade, apego. Porque a vida é essa delicadeza fugaz, que se revela de instantes a instantes na luz do amor.

Referências
FREUD, S. PROBLEMA ECONÔMICO DO MASOQUISMO (1924). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996.
LACAN, Jacques -  O SEMINÁRIO, Livro 10, a angústia. A Causa do Desejo. Rio de Janeiro, Zahar – 2005
SARTRE, Jean-Paul – O SER E O NADA – As Relações Concretas com o Outro. Editora Vozes, 15ª edição, 2007

4 de dezembro de 2016

Poesia - A palavra


A palavra pode unir os homens,
a palavra pode também separá-los,
a palavra pode servir o amor
como pode servir a amizade e o rancor.
Livra-te da palavra que pode provocar o ódio.

Leon Tolstoi

3 de dezembro de 2016

A Contextura psíquica do ódio - O desejo e o ódio



6. O desejo e o ódio

Odeia-se o objeto de desejo que está fora da lei, e assim odeia-se o próprio desejo fora da lei, odeia-se a se próprio. É a foraclusão na perversão. É difícil colocar uma causa para o desejo, porque essa pertence a camadas muito profundas do inconsciente. Ao se pensar na formula do “sujeito dividido” é possível supor na perversão, um sujeito e um objeto para o sádico. O objeto aqui, ao contrário do que supõe Lacan, não está no campo do idealismo, como único ponto de encontro com o real, pois o objeto do desejo, nem sempre está à frente. Fora da estrutura perversa é intuitivo, sensorial. O objeto está atrás do desejo, porque o objeto é sujeito. “O desejo do sádico é exaustivo em todas as relações com o objeto. O desejo sádico, com tudo que comporta de enigmático, só é articulável a partir da esquize, da dissociação que ele almeja introduzir no sujeito, no outro, impondo-lhe, até certo limite, o que não poderia ser tolerado – até o limite exato em que aparece no sujeito uma divisão, uma hiância entre  de sujeito e o que ele sofre,  aquilo de que pode padecer em seu corpo.  Não é tanto o sofrimento do outro que é buscado na intenção sádica, mas sua angústia” (Lacan, p.117). O sádico deseja mais do que o corpo do objeto, deseja sua alma. O sádico deseja “fazer vibrar” a angústia do outro. Quanto maior a angústia do outro, maior o prazer do sádico, mas e a angústia subjetiva não manifesta? É ai que o sádico se perde. No contraponto da “causa do desejo”, Lacan considera que “Kant articulou como a condição de exercício de uma razão pura prática de uma vontade moral propriamente dita, na qual ele situa o único ponto em que pode manifestar-se uma relação com um puro bem moral” (Lacan, p.117). A questão é que Lacan “esquece” que para Kant a filosofia é a crítica da própria razão, e que, portanto irá se interrogar e interrogar o próprio desejo, o que não procede ao desejo sádico. Assim no conhecimento pela razão pura crítica, há que interrogar o que a razão pode conhecer e entender pela transcendência. Ou seja, essa interrogação não habita o universo do sujeito que odeia. Quando o ódio faz um estrago muito grande no sujeito que odeia, ele quer se livrar do ódio, pela mesma via sádica consigo próprio, mas isso que poderia ser uma resinificação e reelaboração percorre inúmeras vezes a via da repetição.

O que caracteriza o desejo sádico é o rito, embora ele não “saiba” o que procura. Ele procura ser o próprio objeto de prazer da sua vítima pelo sofrimento que imprime a esta, pelo ódio que abriga em sua ferida psíquica. Mas sua dor tornou-se sua forma de prazer. Para ele o princípio do prazer se realiza como dor. Como esse prazer encontra um esgotamento nele, ele precisa de um objeto que não seja ele mesmo. Ele que já fez um trajeto no masoquismo, mas se esgotou. Para o masoquista sair de sua posição de “resto”, objeto de si mesmo, necessita de um outro, que ele não vê como “resto” ou se esse outro sujeito se coloca como “resto” por certo cairá em sua teia sádica. A maldade seja para consigo próprio ou para com o outro é a elaboração do desejo sem a lei, onde se supõe “possível”, ignorá-la. “O mito do Édipo não quer dizer nada senão isto: na origem, o desejo como desejo do pai, e a lei são uma e a mesma coisa. A relação da lei com o desejo é tão estreita que somente a função da lei traça o caminho do desejo. O desejo, como desejo pela mãe, é idêntico à função da lei. É na medida em que proíbe esse desejo que a lei impõe o desejá-la, pois, afinal, a mãe não é, em si mesma, o objeto mais desejável. Se tudo se organiza em torno do desejo pela mãe, se devemos preferir que a mulher, seja outra que não a mãe, que quer dizer isso, senão que um mandamento se introduz na própria estrutura do desejo?  Numa palavra, desejamos no mandamento. O mito do Édipo significa que o desejo do pai é o que cria a lei” (Lacan, p.120). Então no sadismo está uma estrutura perversa, onde a lei simbólica é subvertida, ignorada, e a angústia gerada precisa ser descarregada, pois o ser faltante “não existe”, precisa ser reconstruído. Se reconhecer como objeto do próprio desejo é masoquismo e sair de cena, ficar aquém dela, olhar o outro em sua falta é encontrar a própria falta.

O sujeito que odeia afasta-se da lei, da moralidade, pois não elabora o complexo de Édipo, o início do desejo ao nascer e no percurso de sua primeira infância. Então o prazer pelo próprio sofrimento é o “primeiro” instante desse ódio, que é revivido durante a vida. Odiar a si próprio é o começo do “resto” de si, que evolui nas mágoas, ressentimentos, como forma de fazer sofrer-se, como um castigo, que evolui para as “ações pecaminosas, que devem então ser expiadas pelas censuras da consciência sádica”. Se o sujeito retorna o sadismo para ele é uma intensificação do masoquismo. Mas não exclui que ao mesmo tempo “escolha” o outro como objeto do seu sadismo, seja como forma de masoquismo, seja por um ato perverso de ódio, como forma de drenar o próprio ódio. Não é possível falar de sadismo sem seu “contraponto” o masoquismo. Em determinadas circunstancias estão relacionados, independente se a vítima e o algoz estão no mesmo sujeito. Então a questão que se coloca é como sair desse circuito negativo e patológico. Essa é uma questão, cuja “resposta”, está na subjetividade do próprio sujeito. Surge um cansaço do sofrimento, um esgotamento do sofrer que alimentará seus recursos psíquicos e seu processo de autoconhecimento. É necessário que o sujeito se implique consigo mesmo, se interrogue. Assim surgirá uma revolta, uma projeção da própria culpa, uma passagem de algoz a vítima, um remorso e um sentimento de culpa, que é o início da entrada na lei, a necessidade do próprio resgate e da reparação. Então começará a surgir o senso ético, moral e começa as renuncias instituais primitivas.
(Referências na Síntese do artigo, quando for publicado)