27 de maio de 2017

Sobre o Inconsciente


O inconsciente. “É a parte obscura, a parte inacessível de nossa personalidade; o pouco que sabemos a seu respeito aprendemo-lo de nosso estudo da elaboração onírica e da formação dos sintomas neuróticos, e a maior parte disso é de caráter negativo e pode ser descrita somente como um contraste com o ego. Abordamos o id com analogias; denominamo-lo caos, caldeirão cheio de agitação fervilhante. Descrevemo-lo como estando aberto, no seu extremo, a influências somáticas e como contendo dentro de si necessidades instintuais que nele encontram expressão psíquica; não sabemos dizer, contudo, em que substrato. Está repleto de energias que a ele chegam dos instintos, porém não possui organização, não expressa uma vontade coletiva, mas somente uma luta pela consecução da satisfação das necessidades instintuais, sujeita à observância do princípio de prazer. As leis lógicas do pensamento não se aplicam ao id, e isto é verdadeiro, acima de tudo, quanto à lei da contradição. Impulsos contrários existem lado a lado, sem que um anule o outro, ou sem que um diminua o outro: quando muito, podem convergir para formar conciliações, sob a pressão econômica dominante, com vistas à descarga da energia. No id não há nada que se possa comparar à negativa e é com surpresa que percebemos uma exceção ao teorema filosófico segundo o qual espaço e tempo são formas necessárias de nossos atos mentais. No id, não existe nada que corresponda à ideia de tempo; não há reconhecimento da passagem do tempo, e — coisa muito notável e merecedora de estudo no pensamento filosófico... nenhuma alteração em seus processos mentais é produzida pela passagem do tempo. Impulsos plenos de desejos, que jamais passaram além do id, e também impressões, que foram mergulhadas no id pelas repressões, são virtualmente imortais; depois de se passarem décadas, comportam-se como se tivessem ocorrido há pouco. Só podem ser reconhecidos como pertencentes ao passado, só podem perder sua importância e ser destituídos de sua catexia de energia, quando tornados conscientes pelo trabalho da análise, e é nisto que, em grande parte, se baseia o efeito terapêutico do tratamento analítico” (Freud, p. 79)

A barbárie que reina no inconsciente diz respeito às marcas mnêmicas. É fato que o inconsciente é a parte obscura do nosso psiquismo, mas não inacessível. Essa acessibilidade dar-se pelo autoconhecimento em um tempo e espaço não cronológico. A cada sujeito o tempo de sua alma. A cada sujeito os recursos e caminhos particulares. Porque o que se conhece em sua grande maioria está no negativo? Por que na história da humanidade todos temos sangue nas mãos, sejam por quais ascendências vividas. Se é um contraste com o ego, o inconsciente ser um “caldeirão fervilhante”, há que lembrarmos que no prefácio de Jung para a tradução do I Ching – O Livro das Mutações tradução de Richard Wilhelm o caldeirão possui alimento espiritual profundo, só acessível através do autoconhecimento. Conhecendo-se, conhece-se o próprio mundo, a própria essência, o mundo, que se vive, viveu ou vai viver. Assim falar do inconsciente, uma instancia da mente atemporal e a-espacial é falar de sincronicidade. “para a sincronicidade, a coincidência dos acontecimentos, no espaço e no tempo, significa algo mais que mero acaso, precisamente uma peculiar interdependência de eventos objetivos entre si, assim como dos estados subjetivos (psíquicos) do observador ou observadores” (Prefácio Jung – I Ching). Se o I Ching  “descreve a si próprio como um caldeirão, isto é, como um recipiente de ritual contendo comida preparada. Deve-se entender comida, aqui, como alimento espiritual. Wilhelm diz a respeito”: "O Ting, enquanto um utensílio pertencente a uma civilização refinada, sugere o cuidado e a alimentação dos homens capazes, o que resulta em benefício da nação... Aqui a cultura atinge sua culminância na religião. O Ting serve para a oferenda de sacrifícios a Deus. Os mais elevados valores terrenos devem ser oferecidos em sacrifício a Deus... A suprema revelação de Deus encontra-se nos profetas e nos santos. Venerá-los é, na verdade, venerar a Deus. Os desígnios de Deus, manifestados através deles, devem ser aceitos com humildade". (Prefácio Jung – I Ching), Há que refletirmos que o inconsciente como caldeirão, é repleto de alimento, acessível a poucos guerreiros corajosos, que se aventuram a penetrá-lo, acessá-lo e beber dos ensinamentos de seus conteúdos e a curar suas feridas ou fazer as reparações necessárias à lei. Como diz Jung quando a “tristeza pela perda da sabedoria” tiver cessado, então nos aventuraremos nessa viagem incomum do autoconhecimento fora do tempo.

Sempre recorremos ao inconsciente quando não encontramos outra saída. Seja que nome damos a esse inconsciente ou o que nos religa a esse inconsciente. Podemos falar que o inconsciente possui argolas de jade e “o jade se distingue pela sua beleza e suave brilho... nos sonhos e nos contos de fadas, a avó, ou ancestral, frequentemente representa o inconsciente, pois esse último, no homem, contém o componente feminino da psique. Se o I Ching não é aceito pelo consciente, pelo menos o inconsciente, em parte, o aceita”. (Prefácio Jung – I Ching). Se o inconsciente o aceita é por que algo há que ainda não é permitido ao consciente ter acesso. “Na exploração do inconsciente deparamos com coisas muito estranhas, das quais um racionalista se afastaria com horror, afirmando, depois, que nada viu. A plenitude irracional da vida ensinou-me a nunca descartar nada, mesmo quando vão contra todas as nossas teorias (que mesmo na melhor das hipóteses têm vida tão curta) ou quando não admitem nenhuma explicação imediata. Naturalmente isso é inquietante e não sabemos, com certeza, se a indicação da bússola está correta ou não, porém a segurança, a certeza e a paz não conduzem a descobertas” (Prefácio Jung – I Ching). O que conduz a paz é o caminho do autoconhecimento, que implica na compreensão do sentido de todas as coisas vivenciadas e de todos os fenômenos que acontecem no percurso da psique, da alma ou como queiram da mente, da consciência, da vida, da renuncia das contingências egoicas. Pois o fortalecimento da essência se dá pela renuncias às contingências do ego.     

Referências
FREUD, S.. - CONFERÊNCIA XXXI – (1933[1932])  - Obras Completas de Psicanálise - volume XXII. Rio de Janeiro, Imago-1996.

JUNG  C.G. - PREFÁCIO - I Ching -  O livro das Mutações – Tradução de Richard Wilhelm.  Tradução para o português Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa Pinto – São Paulo – Ed. Pensamento 2006.

Falar do I Ching - Jung


 "O I Ching não se apresenta com provas e resultados, não se vangloria de si, nem é de fácil abordagem. Como uma parte da natureza, espera até ser descoberto. Não oferece fatos, nem poder, porém para os amantes do autoconhecimento, da sabedoria - se estes existem - parece ser o livro indicado. Para alguns seu espírito parecerá claro como o dia; para outros, sombrio como o crepúsculo; e para outros ainda, obscuro como a noite. Aquele que não o aprecia, não precisa usá-lo e aquele é contra, não é obrigado a considerá-lo verdadeiro. Que o deixem seguir para o mundo em benefício daqueles que sejam capazes de discernir seu significado".
ZURIQUE, 1949  - C. G. JUNG

9 de maio de 2017

Fragmentos Freudianos - A psicanálise exige ao analista um compromisso incondicional


Há que lembrarmos para não esquecermos, que alguns fragmentos, devem ser revelados como foram originados, concebidos, pela importância que possuem, e pela grandeza de suas implicações. A caminho das reflexões de análise terminável e interminável, assim seguimos.

... “a psicanálise originou-se como método de tratamento; ela o desenvolveu muito, mas não abandonou seu chão de origem e ainda está vinculada ao seu contato com os pacientes para aumentar sua profundidade e se desenvolver mais. As informações acumuladas, de que derivamos nossas teorias, não poderiam ser obtidas de outra maneira. As falhas que nós, na qualidade de terapeutas, encontramos constantemente nos propõem novas tarefas, e as exigências da vida real estão efetivamente em guarda contra um exagero da especulação, da qual não podemos, afinal, prescindir em nosso trabalho. Já faz muito tempo, debati os meios usados pela psicanálise para auxiliar os pacientes, quando os auxilia, e o método pelo qual o faz; hoje perguntarei sobre quanto ela realiza”.

“A psicanálise é realmente um método terapêutico como os demais. Têm seus triunfos e suas derrotas, suas dificuldades, suas limitações, suas indicações... É mais correto examinar as próprias experiências do indivíduo. E aqui gostaria de acrescentar que não penso poderem as nossas curas competir com as que se verificam em Lourdes. São muito mais numerosas as pessoas que creem nos milagres da Santa Virgem, do que aquelas que acreditam na existência do inconsciente. Se nos voltarmos para os competidores deste mundo, devemos comparar o tratamento psicanalítico com outros tipos de psicoterapia. Mal se pode mencionar, aqui, os atuais métodos orgânicos de tratamento dos estados neuróticos. A análise, enquanto método psicoterapêutico, não se situa em oposição a outros métodos usados nesse ramo especializado da medicina; não lhes diminui o valor e nem os exclui. Não há nenhuma incoerência teórica se um médico, que gosta de se dizer psicoterapeuta, usa a análise em seus pacientes paralelamente a algum outro método de tratamento, segundo as peculiaridades do caso e as circunstâncias externas favoráveis ou desfavoráveis. É realmente a técnica que obriga à especialização na prática da medicina... A atividade psicanalítica é árdua e exigente; não pode ser manejada como um par de óculos que se põe para ler e se tira para sair a caminhar. Via de regra, a psicanálise possui um médico inteiramente, ou não o possui em absoluto”.

Referência
FREUD, S.. - CONFERÊNCIA XXXIV - EXPLICAÇÕES, APLICAÇÕES E ORIENTAÇÕES  (1933 [1932]) - Obras Completas de Psicanálise - volume XXII. Rio de Janeiro, Imago-1996.