20 de junho de 2017

“Devemos nos tornar senhores dos sintomas e solucioná-los”...


“Só consideramos que uma análise esteja no seu término quando todas as obscuridades do caso tenham sido elucidadas, as lacunas da memória preenchidas, e descobertas as causas precipitantes das repressões. Os êxitos que assomam de imediato, consideramo-los mais obstáculos do que auxílio ao trabalho da análise; e pomos um fim a esses êxitos, resolvendo constantemente a transferência, na qual eles se baseiam. É essa última característica que constitui a diferença fundamental entre terapia analítica e terapia meramente sugestiva, e que livra os resultados da análise da suspeita de serem sucessos devido à sugestão. Em qualquer outro tipo de tratamento sugestivo, a transferência é cuidadosamente preservada e mantida intocada; na análise, a própria transferencial é sujeita a tratamento, e é dissecada em todas as formas sob as quais aparece. Ao final de um tratamento analítico, a transferência deve estar, ela mesma, totalmente resolvida; e se o sucesso então é obtido ou continua, ele não repousa na sugestão, mas sim no fato de, mediante a sugestão, haver-se conseguido superar as resistências internas e de haver-se efetuado uma modificação interna no paciente.”
“A aceitação de sugestões, em determinados pontos, é, sem dúvida, desestimulada pelo fato de que, durante o tratamento, estamos lutando incessantemente contra resistências capazes de transformar-se em transferências negativas (hostis). E não devemos deixar de assinalar que grande número de descobertas na análise, que de outro modo poderiam ser suspeitas de serem produtos da sugestão, confirmam-se, uma a uma, a partir de outra fonte irrepreensível. Nossos fiadores nesse caso são aqueles que sofrem de demência precoce e paranoia, os quais, naturalmente, estão acima de qualquer suspeita de serem influenciados pela sugestão. As traduções de símbolos e de fantasias, que esses pacientes nos apresentam, e que neles irromperam na consciência, coincidem fielmente com os resultados de nossas investigações acerca do inconsciente dos que apresentam neurose de transferência; e, assim, confirmam a correção objetiva de nossas interpretações, sobre a qual tantas vezes se lançam dúvidas. Penso que os senhores não se desorientarão se, nesses pontos, confiarem na análise.”
“Passo a completar minha descrição do mecanismo de cura, revestindo-o com as fórmulas da teoria da libido. Um neurótico é incapaz de aproveitar a vida e de ser eficiente — incapaz de aproveitar a vida porque sua libido não se dirige a nenhum objeto real, e incapaz de ser eficiente porque é obrigado a empregar grande quantidade de sua valiosa energia, a fim de manter sua libido sob repressão e a fim de repelir seus assaltos. Ele se tornaria sadio se o conflito entre seu ego e sua libido chegasse ao fim, e se o ego mesmo tivesse novamente sua libido à sua disposição. A tarefa terapêutica consiste, pois, em liberar a libido de suas ligações atuais, subtraídas ao ego, e em torná-la novamente utilizável para o ego. Onde então se situa a libido do neurótico? É fácil encontrá-la: está ligada aos sintomas, o que a ela proporciona a única satisfação substitutiva possível, na época. Portanto, devemos nos tornar senhores dos sintomas e solucioná-los — o que é exatamente a mesma coisa que o paciente exige de nós. A fim de solucionar os sintomas, devemos remontar às suas origens, devemos reconstituir o conflito do qual eles surgiram e, com o auxílio das forças motrizes que, no passado, não estavam à disposição do paciente, devemos conduzir o conflito rumo a um resultado diferente.”

Porque é importante, muitas vezes, falar de trechos longos dos escritos freudianos? Primeiro porque é como pinçar um fragmento revelador, segundo para adentrar nas entrelinhas do dito, mas não escrito. É pretensioso afirmar que uma análise “nunca” termina. E o “nunca” aqui fala de um não tempo. Se pensarmos no imenso arquivo que é o inconsciente, cheio de lembranças proibidas, cheias de culpas, remorsos, dores, amores e ódios, de repressões; é como um quebra-cabeça, que aparentemente não se encaixa. Mas, uma análise mais profunda, vai ligando os “fios”, as “peças”, e vai-se verificando, pelos conteúdos que vão surgindo à consciência, que tudo está conectado, e possui um sentido, único e particular, que diz respeito ao percurso do sujeito e a sua essência. Colocar luz nessa “caverna” escura e obscura é elucidar, “amarrar” os pontos, é dar um sentido as conexões de energias, pelos seus significantes. É separar o joio do trigo. É fazer florescer o trigo e eliminar o joio. Por isso a questão da transferência é importante, porque estão implicados analista e analisando. São dois inconscientes que se interconectam. Mas supõe-se que o analista deve, minimamente, ter o controle da transferência, para não invalidar o processo analítico. É preciso um saber de lugar e direção. As terapias de sugestão devem ser vistas com reservas, porque interfere no livre arbítrio do outro. E é claro que o sujeito, se possível, não se implicaria nem com seu livre arbítrio, para não responsabilizar-se para consigo próprio e suas escolhas. Na análise, a transferência não é mantida intocada, pois há que, os sujeitos se implicarem, para que ao “final” do tratamento, esteja resolvida, e a cura seja efetiva, pelo término dos conflitos, sofrimentos internos e seus sintomas. Como viver o presente, pensar o futuro, sem conhecer e curar o passado?
Referência
FREUD, S. - CONFERÊNCIA XXVIII - TERAPIA ANALÍTICA - Obras Completas de Psicanálise - volume XVI. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

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