“... a teoria analítica está toda baseada no
conflito fundamental que por intermédio da rivalidade com o pai, liga o sujeito
a um valor simbólico essencial – mas isso, como verão, sempre em função de uma
certa degradação concreta, talvez ligada a circunstancias sociais específicas,
da figura do pai. A própria experiência se estende entre essa imagem do
pai, sempre degradada, e uma imagem cuja importância nossa prática nos
possibilita reconhecer cada vez melhor, além de medir suas incidências no
próprio analista, uma vez que, sob uma forma certamente velada e quase renegada
pela teoria analítica, ele ocupa, de modo quase clandestino, na relação
simbólica com o sujeito, a posição desse personagem muito apagado pelo declínio
de nossa história que é o do mestre – do mestre moral, do mestre que institui
na dimensão das relações humanas fundamentais aquele que está na ignorância, e
que lhe proporciona o que se pode chamar de acesso a consciência, até mesmo à
sabedoria, na aquisição da condição humana” (Lacan, p14).
Por certo vivemos em uma civilização, em que a “necessidade” de
“liberdade”: sexual, livre realização dos instintos e impulsos, “liberdade” de
escolhas fora de todo conceito moral, ético, das virtudes que passaram a ser
tidas como “causa de doenças”, em que a palavra de ordem “liberdade” adquire o
significado de gozo, valendo o imperativo dos instintos, onde a razão e seus
imperativos categóricos da lei moral são tidos como “fora de moda”. Então o que
está na moda? O rompimento com a lei externa, do real e a lei simbólica assumem
características de um sadismo, em que na economia psíquica e na economia
predatória de mercado, tudo é possível e o sujeito se autodenomina com direito
ao prazer material, de viver sua individualidade, mesmo que custe a segregação,
discriminação ou morte do outro, que ao final não passa dele mesmo. Dessa forma
o pai “precisa” romper a lei com seus filhos, para que não se denuncie, e sua
verdade permaneça escondida, e a árvore que poderia dar bons frutos,
apodrece-os, pelo estímulo ao ódio, ressentimento, discriminação, pelo excesso
de gozo mesmo que seja pelo sadismo. Há uma ausência de consciência de si, de
valores, de compaixão, de perdão de amor. Busca-se um mestre. Que mestre?
Referência
LACAN, Jacques - O Mito Individual do Neurótico – Jorge Zahar Editores,
2008
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