30 de junho de 2014

"Subestimação do CONCEITO DE PERIGO"



O que é assustador nesse caso da criança Marina de 8 anos na França é o fato de que todas as evidencias de abuso infantil estavam visíveis, mas nenhum profissional ou instituição enxergou: as ausências na escola, não foram consideradas relevantes, os vizinhos silenciaram-se, “os pais de Marina, particularmente manipuladores encontravam uma explicação para tudo (se ela come lanches de outras pessoas, é porque ela é bulímica, se tiver inchado o rosto, é uma conjuntivite muito reativo, etc.) Suas palavras são raramente questionada”. Na noite de sofrimento que levou à morte da criança, em agosto de 2009 (privação de refeições, banho de água fria à noite, espancamentos, insultos, isolamento à noite no porão). Quando no hospital, na frente de seu pequeno tamanho, especialmente o rosto, que carrega as marcas de abuso, e atraso no desenvolvimento, os médicos procuram uma doença rara.
O caso é novamente tornado público por ocasião da Conferência Nacional de Proteção das Crianças, na França, em 30 de Junho e 1 de Julho 2014. É possível novas resoluções quando todo um sistema de proteção falha. Que dizer das crianças no Brasil e em todos os países do mundo?
Os pais foram condenados a 30 anos de prisão em 2012. Importante ressaltar que crianças e adolescentes “têm o reflexo de proteger os seus pais”, mesmo que esses sejam seus abusadores. Se os adultos não elaboraram, resinificaram, os abusos dos quais foram vítimas, como vão enxergar no outro algo que não capazes de enxergar em si próprios? Lembramos então a experiência do reflexo espelhar.

19 de junho de 2014

A “Carta 18” e os Afetos Sexuais

“…Existe ainda uma centena de lacunas, grandes e pequenas, em minhas ideias a respeito das neuroses. Mas estou-me aproximando de um ponto de vista abrangente e de alguns critérios gerais de abordagem. Conheço três mecanismos: transformações do afeto (histeria de conversão), deslocamento do afeto (obsessões) e (3) troca de afeto (neurose de angústia e melancolia). Em todos os casos, é a excitação sexual que parece sofrer essas alterações, mas o estímulo para elas não é, em todos os casos, algo sexual. Ou seja, em todos os casos em que as neuroses são adquiridas, elas o são devido a perturbações na vida sexual; mas existem pessoas nas quais o comportamento de seus afetos sexuais é perturbado hereditariamente, e elas desenvolvem as formas correspondentes de neuroses hereditárias. Os aspectos mais gerais a partir dos quais posso classificar as neuroses são os seguintes:
(1) Degeneração.
(2) Senilidade. E o que significa isto?
(3) Conflito
(4) Conflagração.
Degeneração: significa o comportamento inatamente anormal dos afetos sexuais; desse modo, os processos da conversão, do deslocamento e da transformação em angústia ocorrem na proporção em que os afetos sexuais desempenham um papel no decurso da vida.
Senilidade: é evidente. Por assim dizer, é uma degeneração normalmente adquirida na velhice.
Conflito: coincide com minha concepção de defesa [rechaço]; compreende os casos de neurose adquirida em pessoas que não são hereditariamente anormais. O que é rechaçado é sempre a sexualidade.
Conflagração: é uma concepção nova. Significa o que se pode chamar de degeneração aguda (por exemplo, nas intoxicações graves, nas febres, no estágio inicial da paralisia geral) — ou seja, catástrofes em que há perturbações dos afetos sexuais sem causas desencadeantes sexuais. Talvez as neuroses traumáticas pudessem ser abordadas sob esse enfoque.
Naturalmente, o ponto central e principal de todo esse assunto continua sendo o fato de que, em consequência de determinados fatores nocivos sexuais, até mesmo as pessoas sadias podem adquirir as diferentes formas de neurose. O acesso a uma visão mais ampla é proporcionado pelo fato de que, nos casos em que uma neurose se desenvolve sem um fator nocivo, pode-se demonstrar a presença, desde o início, de uma perturbação similar dos afetos sexuais. “Afeto sexual”, naturalmente, é tomado no seu sentido mais amplo, como uma excitação de quantidade definida.
Posso apresentar-lhe o meu mais recente exemplo para apoiar essa tese:
Um homem de 42 anos, forte e elegante, de repente desenvolveu uma dispepsia neurastênica, aos 30 anos, perdendo uns 25 quilos de peso, e a partir daí viveu uma vida limitada e neurastênica. Na época em que isso aconteceu, aliás, ele tinha combinado seu casamento e estava emocionalmente abalado pela doença da noiva. Salvo esse aspecto, porém, não havia fatores sexuais nocivos. Ele se masturbou mais ou menos por um ano, dos 16 anos aos 17 anos; dos 17 em diante, passou a ter relações sexuais normais; muito raramente, coitus interruptus; nenhum excesso, nenhuma abstinência. Ele próprio atribui a causa à sobrecarga a que submeteu sua constituição até a idade de 30 anos: trabalhava, bebia e fumava muito, levava uma vida irregular. Mas esse homem vigoroso, sujeito [apenas] a fatores nocivos corriqueiros, nunca (nunca, entre os 17 e os 30 anos) foi propriamente potente: jamais conseguiu praticar mais de um coito em cada ocasião; sempre ejaculava rapidamente, nunca fez pleno uso de seu sucesso [inicial] junto às mulheres, nunca conseguiu penetrar com facilidade a vagina. Qual era a origem de sua limitação? Não sei dizer. O interessante, todavia, é que isso estava presente justamente nele. Aliás, tratei de duas de suas irmãs, portadoras de neuroses; uma delas está entre as minhas mais bem-sucedidas curas de dispepsia neurastênica”.

Dirigido a Fliess, este extrato de documento, é mais um escrito em que Freud aborda seus estudos sobre as neuroses, seus mecanismos, ou seja,  a transformações do afeto (histeria de conversão), quando os sintomas surgem no corpo como doenças físicas. Deslocamento do afeto (obsessões), quando a formação de compromisso e as compulsões, as dúvidas assumem importância.   Troca de afeto (neurose de angústia e melancolia), que aproximará da psicose, onde os delírios e alucinações passam a ocupar-se do real.

Interroga acerca da energia sexual e seus problemas, quando não equilibrada e alinhada ao sentido do destino que o sujeito percorre, não deixando de levar em consideração as questões relativas à defesa e à hereditariedade. Na classificação das neuroses sugere algo de inato, ou seja, aquilo que “nasce com o sujeito”, é constitucional. Isso significa que pode revelar-se em qualquer momento da vida, mesmo que a madureza tenha alcançado uma idade avançada. Ressalta as neuroses desencadeadas por catástrofes outras, e que afetam a vida sexual do sujeito ou neuroses desencadeadas por sujeitos sadios em função de “determinados fatores nocivos sexuais”. Fica então bem exemplificado o caso tratado por Freud.

Importante ressaltar que “fatores sexuais”, não se referem necessariamente ao sexo biológico, mas principalmente à pulsão de energia que diz respeito à sexualidade, aos afetos, que pode expressar-se nas mais variadas formas: sejam por sentimento exacerbado de narcisismo, de vaidade, arrogância, poder, ou seja, aquilo a que o sujeito desloca seu prazer e que pode causar-lhe sofrimento.

Referência
FREUD, S.  – CARTA 18 (1894), Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996.

15 de junho de 2014

Homem e Natureza


Nós somos seres da natureza!

“Ele foi escolhido como mascote da Copa do Mundo no Brasil por ter a capacidade de se transformar em uma bolinha, mas essa característica do tatu-bola acaba funcionando como um gol contra a espécie, se o time adversário que ele encontrar pela frente for de seres humanos”.
“Toda vez que se assusta, em vez de correr em disparada ou cavar um buraco, como outros tatus, o bola se enrola dentro de uma dura carapaça. O que ao longo da evolução foi uma excelente estratégia para evitar a maioria dos predadores, no convívio com humanos, porém, faz com que ele seja facilmente pego pelas mãos por caçadores. O mamífero aparece como "vulnerável" na Lista Vermelha de espécies ameaçadas de extinção divulgada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)”.

7 de junho de 2014

Poesia - As sem-razões do amor


Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Carlos Drummond de Andrade  

Movimento Psíquico

Eventos traumáticos podem ter diversos encadeamentos e consequências. Diversas causas que podem pré-dispor a uma patologia. Eventos traumáticos não se resumem a um único fato, até porque possui um percurso, difícil de ser situado no tempo. As situações traumáticas podem desencadear um obstáculo interno a satisfação existencial, um sentimento de frustração, de autopunição, baixa autoestima, um sentimento de desagregação do ego, que sinaliza uma frustração narcísica. Enquanto a necessidade de amor é satisfeita, enquanto suas relações estão em harmonia é possível o sujeito está em equilíbrio, se ele possui um funcionamento, recursos psíquicos, que suportam as provações da vida. Embora seja mais “fácil para o destino que para o médico ocasionar uma cura”, quando este se compreende fazendo parte do destino do paciente, torna mais fácil o acesso ao sofrimento do sujeito.

A frustração seja ao que diz respeito às relações e funções sociais, cuidadoras, subsistência, afetivas, trabalho, do sujeito, submete-o a uma tensão psíquica. Para não adoecer necessita transformá-la em energia criativa no sentido do mundo externo e sublimar a tensão. Diante da frustração, seja por quais motivos se manifeste, ela pode afastar o sujeito da realidade, voltando-o para a fantasia, um mundo a parte, criando “novas estruturas de desejo, revivendo traços esquecidos” e que estariam “distantes” da realidade de seu mundo atual, mas que se contrapõe em um laço com o mundo externo, no sentido de torná-lo suportável, ou seja, a fantasia é um recurso psíquico que testa o nível de contato do psiquismo com a realidade e o quanto se move de retroativo. Os sintomas são assim satisfações substitutas e incompatíveis no sentido da mudança no mundo externo, que revelará o conflito, a se defrontar com uma fragilidade na resistência.

Outro movimento possível do psiquismo é realizar um grande esforço interno para que o sujeito sinta-se satisfeito, apesar das frustrações. Nesse sentido ele adoece pelo esforço de adaptar-se ou atender as exigências da realidade, acumulando grandes dificuldades internas, devido à inflexibilidade. O esforço para não fazer mudanças internas e ao mesmo tempo modificar-se gera um conflito, muito maior do que a tentativa de mudança no mundo externo, que se revela nos sintomas no corpo. Então vamos ter na sociedade atual, principalmente entre os jovens, que vivenciam suas frustrações, a tatuagem para marcar a identidade a que pertence, marcar no corpo os conteúdos difíceis de serem incorporados, assimilados pelo sujeito, marcar virilidade, uma vez que esta pode está ausente no pai, marcar algo traumático através de símbolos, encontrar um lugar para determinados conteúdos que estão na história do sujeito e são difíceis de serem simbolizados. Se forem lembranças, sentimentos ficam no corpo como um evento de passagem ao ato, que não é aprofundado, ficando na superfície. Uma linguagem do inconsciente que remete a um sofrimento  ainda difícil de ser falado, elaborado, acalentado, curado, que necessita de empatia. A marca no corpo reflete o horror das experiências que são difíceis de serem faladas, elaboradas. Esse é um esforço interno manifestado no corpo, para adaptar-se ao mundo externo.

No corpo está sempre a manifestação do psiquismo e neste há sempre a manifestação do corpo. Todos os esforços de “superação”, elaboração, simbolização, são louváveis, mas em sua grande maioria fracassam ante o teste de realidade. Se fatores como disposição, hereditariedade, experiências que antecedem a concepção forem potencializadas no sentido de fragilizar os recursos psíquicos da pessoa, então marcar seu corpo vai possibilitar um curso de sofrimento maior, pois também estará em curso os mecanismos de autoflagelação, autopunição, baixa autoestima.

As frustrações, as perdas, as decepções podem ao longo do tempo desencadear doenças, não só pela ausência de recursos psíquicos, contextos de vida, como pelo excessivo gasto de energia do corpo, principalmente quando atingem vários aspectos da vida, principalmente aqueles em que o psiquismo está mais pré-disposto. É possível também que uma forma de retardar o aparecimento de uma neurose ou processo psíquico é inibir o desenvolvimento psíquico e biológico, “adquirindo” determinadas “limitações”, para lidar com as exigências da realidade, mantendo um estado de “doença”, que funciona como defesa frente a realidade. Isso remete a fixações em determinadas vivências, onde as exigências da realidade são remetidas a repetição de experiências, de grande pulsão, energia e que não se dissipa, mesmo com o amadurecimento, adquirindo novas roupagens, a não ser que se tratem, se curem. O esforço ou a ausência de superar as fixações irá pulsionar a “escolha” do funcionamento psíquico.

O fato de pessoas permanecerem “saudáveis” até determinado percurso da vida, quando então, se defrontam com determinadas experiências, ligadas a algum traço de memória, que ainda requer elaboração, superação e que se apresenta aparentemente como se não houvesse conexão com seu percurso de evolução, revela que apesar das mudanças que ocorrem ao longo do processo evolutivo, o sujeito, está submetido a quantidade e qualidade de energia, de pulsão em sua economia mental, que pode ser alterada para mais ou para menos. Esse desequilíbrio entre o mais e o menos irá perturbar o equilíbrio de sua saúde mental. Essa quantidade não é absoluta, mas a quantidade de energia que o ego consegue lidar, de manter a tensão em equilíbrio, sublimar, por isso que a fala enquanto instrumento de linguagem e as diversas formas de linguagem contribui para descarregar essa energia, elaborá-la.

Essa dinâmica psíquica, tão delicada e ao mesmo tempo forte, uma vez afetada por doença orgânica, por alguma exigência de energia, pode ser um facilitador do desenvolvimento de uma doença psíquica, que poderia ficar latente. Mas como tudo demanda cura, há que se formarem as circunstancias para tal. Há sempre o conflito entre o ego e as energias circulantes e as pessoas que melhor harmoniza esse conflito tendem a manterem-se sadias.
Sabemos que não existem estruturas de funcionamento puras e que o ciclo de conflito ou crises psíquicas dá-se como ondas sucessivas com intervalos mais harmonizados, semelhante ao equilíbrio entre quantidade e qualidade de energia, que compõe as substancias que formam o sujeito. As diferentes formas de economia ou energia mental faz parte da constelação patogênica, que o ego não pode desviar-se sem algum dano, pois se articula com os meios que dispõe a individualidade peculiar do sujeito e da realidade. A essência dos fatores precipitantes dificilmente é acessível, enquanto subjetividade. Para isso há que se retornar como uma onda infinitesimal, cujo calculo matemático é impossível.

Referências
FREUD, S.  – TIPOS DE DESENCADEAMENTO DA NEUROSE (1912), Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago - 1996.

Equilíbrio


Para querer iniciar o recolhimento
É necessário consolidar a expansão
Para querer iniciar o enfraquecimento
É necessário consolidar o fortalecimento
Para querer iniciar o abandono
É necessário consolidar o amparo
Para querer iniciar a subtração
É necessário consolidar o aumento
Isto se chama breve iluminação (ampliação da consciência)
O suave e o fraco vencem o rígido e o forte
Os peixes não podem separar-se do lago
O reino que tem o instrumento afiado
Não pode colocá-lo à vista do homem
TAO TE CHING - O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng