Eventos traumáticos podem ter diversos encadeamentos e consequências.
Diversas causas que podem pré-dispor a uma patologia. Eventos traumáticos não
se resumem a um único fato, até porque possui um percurso, difícil de ser
situado no tempo. As situações traumáticas podem desencadear um obstáculo
interno a satisfação existencial, um sentimento de frustração, de autopunição,
baixa autoestima, um sentimento de desagregação do ego, que sinaliza
uma frustração narcísica. Enquanto a necessidade de amor é
satisfeita, enquanto suas relações estão em harmonia é possível o sujeito está
em equilíbrio, se ele possui um funcionamento, recursos psíquicos, que suportam
as provações da vida. Embora seja mais “fácil para o destino que para o médico
ocasionar uma cura”, quando este se compreende fazendo parte do destino do
paciente, torna mais fácil o acesso ao sofrimento do sujeito.
A frustração seja ao que diz respeito às relações e funções sociais,
cuidadoras, subsistência, afetivas, trabalho, do sujeito, submete-o a uma
tensão psíquica. Para não adoecer necessita transformá-la em energia criativa
no sentido do mundo externo e sublimar a tensão. Diante da frustração, seja por
quais motivos se manifeste, ela pode afastar o sujeito da realidade, voltando-o
para a fantasia, um mundo a parte, criando “novas estruturas de desejo,
revivendo traços esquecidos” e que estariam “distantes” da realidade de seu
mundo atual, mas que se contrapõe em um laço com o mundo externo, no sentido de
torná-lo suportável, ou seja, a fantasia é um recurso psíquico que testa o
nível de contato do psiquismo com a realidade e o quanto se move de retroativo.
Os sintomas são assim satisfações substitutas e incompatíveis no sentido da
mudança no mundo externo, que revelará o conflito, a se defrontar com uma
fragilidade na resistência.
Outro movimento possível do psiquismo é realizar um grande esforço
interno para que o sujeito sinta-se satisfeito, apesar das frustrações. Nesse
sentido ele adoece pelo esforço de adaptar-se ou atender as exigências da
realidade, acumulando grandes dificuldades internas, devido à inflexibilidade.
O esforço para não fazer mudanças internas e ao mesmo tempo modificar-se gera
um conflito, muito maior do que a tentativa de mudança no mundo externo, que se
revela nos sintomas no corpo. Então vamos ter na sociedade atual,
principalmente entre os jovens, que vivenciam suas frustrações, a tatuagem para
marcar a identidade a que pertence, marcar no corpo os conteúdos difíceis de
serem incorporados, assimilados pelo sujeito, marcar virilidade, uma vez que
esta pode está ausente no pai, marcar algo traumático através de símbolos,
encontrar um lugar para determinados conteúdos que estão na história do sujeito
e são difíceis de serem simbolizados. Se forem lembranças, sentimentos ficam no
corpo como um evento de passagem ao ato, que não é aprofundado, ficando na
superfície. Uma linguagem do inconsciente que remete a um sofrimento
ainda difícil de ser falado, elaborado, acalentado, curado, que necessita de
empatia. A marca no corpo reflete o horror das experiências que são difíceis de
serem faladas, elaboradas. Esse é um esforço interno manifestado no corpo, para
adaptar-se ao mundo externo.
No corpo está sempre a manifestação do psiquismo e neste há sempre a
manifestação do corpo. Todos os esforços de “superação”, elaboração,
simbolização, são louváveis, mas em sua grande maioria fracassam ante o teste
de realidade. Se fatores como disposição, hereditariedade, experiências que
antecedem a concepção forem potencializadas no sentido de fragilizar os
recursos psíquicos da pessoa, então marcar seu corpo vai possibilitar um curso
de sofrimento maior, pois também estará em curso os mecanismos de
autoflagelação, autopunição, baixa autoestima.
As frustrações, as perdas, as decepções podem ao longo do tempo
desencadear doenças, não só pela ausência de recursos psíquicos, contextos de
vida, como pelo excessivo gasto de energia do corpo, principalmente quando
atingem vários aspectos da vida, principalmente aqueles em que o psiquismo está
mais pré-disposto. É possível também que uma forma de retardar o aparecimento
de uma neurose ou processo psíquico é inibir o desenvolvimento psíquico e
biológico, “adquirindo” determinadas “limitações”, para lidar com as exigências
da realidade, mantendo um estado de “doença”, que funciona como defesa frente a
realidade. Isso remete a fixações em determinadas vivências, onde as exigências
da realidade são remetidas a repetição de experiências, de grande pulsão,
energia e que não se dissipa, mesmo com o amadurecimento, adquirindo novas
roupagens, a não ser que se tratem, se curem. O esforço ou a ausência de
superar as fixações irá pulsionar a “escolha” do funcionamento psíquico.
O fato de pessoas permanecerem “saudáveis” até determinado percurso da
vida, quando então, se defrontam com determinadas experiências, ligadas a algum
traço de memória, que ainda requer elaboração, superação e que se apresenta
aparentemente como se não houvesse conexão com seu percurso de evolução, revela
que apesar das mudanças que ocorrem ao longo do processo evolutivo, o sujeito,
está submetido a quantidade e qualidade de energia, de pulsão em sua economia
mental, que pode ser alterada para mais ou para menos. Esse desequilíbrio entre
o mais e o menos irá perturbar o equilíbrio de sua saúde mental. Essa
quantidade não é absoluta, mas a quantidade de energia que o ego consegue
lidar, de manter a tensão em equilíbrio, sublimar, por isso que a fala enquanto
instrumento de linguagem e as diversas formas de linguagem contribui para
descarregar essa energia, elaborá-la.
Essa dinâmica psíquica, tão delicada e ao mesmo tempo forte, uma vez
afetada por doença orgânica, por alguma exigência de energia, pode ser um
facilitador do desenvolvimento de uma doença psíquica, que poderia ficar
latente. Mas como tudo demanda cura, há que se formarem as circunstancias para
tal. Há sempre o conflito entre o ego e as energias circulantes e as pessoas
que melhor harmoniza esse conflito tendem a manterem-se sadias.
Sabemos que não existem estruturas de funcionamento puras e que o ciclo
de conflito ou crises psíquicas dá-se como ondas sucessivas com intervalos mais
harmonizados, semelhante ao equilíbrio entre quantidade e qualidade de energia,
que compõe as substancias que formam o sujeito. As diferentes formas de
economia ou energia mental faz parte da constelação patogênica, que o ego não
pode desviar-se sem algum dano, pois se articula com os meios que dispõe a
individualidade peculiar do sujeito e da realidade. A essência dos fatores
precipitantes dificilmente é acessível, enquanto subjetividade. Para isso há
que se retornar como uma onda infinitesimal, cujo calculo matemático é
impossível.
Referências
FREUD, S. – TIPOS
DE DESENCADEAMENTO DA NEUROSE (1912), Obras
Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago - 1996.