7 de junho de 2014

Movimento Psíquico

Eventos traumáticos podem ter diversos encadeamentos e consequências. Diversas causas que podem pré-dispor a uma patologia. Eventos traumáticos não se resumem a um único fato, até porque possui um percurso, difícil de ser situado no tempo. As situações traumáticas podem desencadear um obstáculo interno a satisfação existencial, um sentimento de frustração, de autopunição, baixa autoestima, um sentimento de desagregação do ego, que sinaliza uma frustração narcísica. Enquanto a necessidade de amor é satisfeita, enquanto suas relações estão em harmonia é possível o sujeito está em equilíbrio, se ele possui um funcionamento, recursos psíquicos, que suportam as provações da vida. Embora seja mais “fácil para o destino que para o médico ocasionar uma cura”, quando este se compreende fazendo parte do destino do paciente, torna mais fácil o acesso ao sofrimento do sujeito.

A frustração seja ao que diz respeito às relações e funções sociais, cuidadoras, subsistência, afetivas, trabalho, do sujeito, submete-o a uma tensão psíquica. Para não adoecer necessita transformá-la em energia criativa no sentido do mundo externo e sublimar a tensão. Diante da frustração, seja por quais motivos se manifeste, ela pode afastar o sujeito da realidade, voltando-o para a fantasia, um mundo a parte, criando “novas estruturas de desejo, revivendo traços esquecidos” e que estariam “distantes” da realidade de seu mundo atual, mas que se contrapõe em um laço com o mundo externo, no sentido de torná-lo suportável, ou seja, a fantasia é um recurso psíquico que testa o nível de contato do psiquismo com a realidade e o quanto se move de retroativo. Os sintomas são assim satisfações substitutas e incompatíveis no sentido da mudança no mundo externo, que revelará o conflito, a se defrontar com uma fragilidade na resistência.

Outro movimento possível do psiquismo é realizar um grande esforço interno para que o sujeito sinta-se satisfeito, apesar das frustrações. Nesse sentido ele adoece pelo esforço de adaptar-se ou atender as exigências da realidade, acumulando grandes dificuldades internas, devido à inflexibilidade. O esforço para não fazer mudanças internas e ao mesmo tempo modificar-se gera um conflito, muito maior do que a tentativa de mudança no mundo externo, que se revela nos sintomas no corpo. Então vamos ter na sociedade atual, principalmente entre os jovens, que vivenciam suas frustrações, a tatuagem para marcar a identidade a que pertence, marcar no corpo os conteúdos difíceis de serem incorporados, assimilados pelo sujeito, marcar virilidade, uma vez que esta pode está ausente no pai, marcar algo traumático através de símbolos, encontrar um lugar para determinados conteúdos que estão na história do sujeito e são difíceis de serem simbolizados. Se forem lembranças, sentimentos ficam no corpo como um evento de passagem ao ato, que não é aprofundado, ficando na superfície. Uma linguagem do inconsciente que remete a um sofrimento  ainda difícil de ser falado, elaborado, acalentado, curado, que necessita de empatia. A marca no corpo reflete o horror das experiências que são difíceis de serem faladas, elaboradas. Esse é um esforço interno manifestado no corpo, para adaptar-se ao mundo externo.

No corpo está sempre a manifestação do psiquismo e neste há sempre a manifestação do corpo. Todos os esforços de “superação”, elaboração, simbolização, são louváveis, mas em sua grande maioria fracassam ante o teste de realidade. Se fatores como disposição, hereditariedade, experiências que antecedem a concepção forem potencializadas no sentido de fragilizar os recursos psíquicos da pessoa, então marcar seu corpo vai possibilitar um curso de sofrimento maior, pois também estará em curso os mecanismos de autoflagelação, autopunição, baixa autoestima.

As frustrações, as perdas, as decepções podem ao longo do tempo desencadear doenças, não só pela ausência de recursos psíquicos, contextos de vida, como pelo excessivo gasto de energia do corpo, principalmente quando atingem vários aspectos da vida, principalmente aqueles em que o psiquismo está mais pré-disposto. É possível também que uma forma de retardar o aparecimento de uma neurose ou processo psíquico é inibir o desenvolvimento psíquico e biológico, “adquirindo” determinadas “limitações”, para lidar com as exigências da realidade, mantendo um estado de “doença”, que funciona como defesa frente a realidade. Isso remete a fixações em determinadas vivências, onde as exigências da realidade são remetidas a repetição de experiências, de grande pulsão, energia e que não se dissipa, mesmo com o amadurecimento, adquirindo novas roupagens, a não ser que se tratem, se curem. O esforço ou a ausência de superar as fixações irá pulsionar a “escolha” do funcionamento psíquico.

O fato de pessoas permanecerem “saudáveis” até determinado percurso da vida, quando então, se defrontam com determinadas experiências, ligadas a algum traço de memória, que ainda requer elaboração, superação e que se apresenta aparentemente como se não houvesse conexão com seu percurso de evolução, revela que apesar das mudanças que ocorrem ao longo do processo evolutivo, o sujeito, está submetido a quantidade e qualidade de energia, de pulsão em sua economia mental, que pode ser alterada para mais ou para menos. Esse desequilíbrio entre o mais e o menos irá perturbar o equilíbrio de sua saúde mental. Essa quantidade não é absoluta, mas a quantidade de energia que o ego consegue lidar, de manter a tensão em equilíbrio, sublimar, por isso que a fala enquanto instrumento de linguagem e as diversas formas de linguagem contribui para descarregar essa energia, elaborá-la.

Essa dinâmica psíquica, tão delicada e ao mesmo tempo forte, uma vez afetada por doença orgânica, por alguma exigência de energia, pode ser um facilitador do desenvolvimento de uma doença psíquica, que poderia ficar latente. Mas como tudo demanda cura, há que se formarem as circunstancias para tal. Há sempre o conflito entre o ego e as energias circulantes e as pessoas que melhor harmoniza esse conflito tendem a manterem-se sadias.
Sabemos que não existem estruturas de funcionamento puras e que o ciclo de conflito ou crises psíquicas dá-se como ondas sucessivas com intervalos mais harmonizados, semelhante ao equilíbrio entre quantidade e qualidade de energia, que compõe as substancias que formam o sujeito. As diferentes formas de economia ou energia mental faz parte da constelação patogênica, que o ego não pode desviar-se sem algum dano, pois se articula com os meios que dispõe a individualidade peculiar do sujeito e da realidade. A essência dos fatores precipitantes dificilmente é acessível, enquanto subjetividade. Para isso há que se retornar como uma onda infinitesimal, cujo calculo matemático é impossível.

Referências
FREUD, S.  – TIPOS DE DESENCADEAMENTO DA NEUROSE (1912), Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago - 1996.

Nenhum comentário: