19 de julho de 2014

Carta Jung-Freud: Demência Precoce

Burgholzli-Zurique, 31 de marco de 1907
 Caro Professor Freud,
Sem duvida alguma o senhor há de ter tirado suas conclusões do prolongamento de meu tempo de reação. Tive uma forte resistência em escrever, pois ate recentemente me incomodava o tumulto dos complexos despertados em Viena. Só agora as coisas se acalmaram um pouco e assim espero ser capaz de escrever-lhe uma carta mais ou menos sensata. O item mais difícil, sua ampla concepção da sexualidade, já foi a essa altura assimilado, até certo ponto, e posto a prova em diversos casos concretos. De modo geral acredito que o senhor esta certo. O autoerotismo como essência da Demência Precoce se impõe cada vez mais a mim como um aprofundamento importante de nosso conhecimento — onde, de fato, ele ira findar? Seus critérios do estádio agudo podem também ser convincentes, mas qualquer tentativa de prova vai de encontro a grandes dificuldades, principalmente de ordem técnica: a Dem. Precoce só nos permite uma compreensão interna limitada da personalidade. Um determinado caso pode parecer totalmente diverso se o “afastamento da libido” ocorrer num complexo acessível a consciência, ou se, pelo contrario, ocorrer em complexo inconsciente. As conexões entre infantilismo e autoerotismo também se tornam cada vez mais claras. Tenho de confiar agora; mais que antes, em meu próprio julgamento independente, pois as resistências do Prof. Bleuler nunca foram tão vigorosas. Particularmente ele contesta a intencionalidade dos sonhos, o que equivale a negar o efeito dissimulador dos complexos, verdadeiro cerne da interpretação onírica. Bleuler tem insuperáveis resistências inconscientes a analise dos próprios sonhos e associações. Em minhas frequentes discussões com ele, patenteou-se-me que a expressão “libido”, e em geral todos os termos (sem duvida justificados em si mesmos) transpostos para a concepção mais ampla de sexualidade, são incompreendidos ou pelo menos não tem valor didático. Na realidade, evocam inibições emocionais que tornam impossível qualquer tipo de ensinamento. Fui assim forcado a uma longa discussão a fim de deixar claro a Bleuler o que o senhor pretende dizer com “libido”. Não seria concebível, tendo em vista a limitada concepção de sexualidade que prevalece em nossos dias, que a terminologia sexual se reservasse apenas as formas mais extremas de sua “libido” e que um termo coletivo menos ofensivo fosse estabelecido para todas as manifestações libidinais? Rank e outro que simplesmente toma a concepção mais ampla de sexualidade como um dogma de tal modo que até eu, que há mais de 4 anos estudo intensamente seu pensamento, tenho dificuldade em compreendê-la. O público para o qual Rank escreve não a compreendera em absoluto. A relação libidinal entre pessoas hipersensíveis e o objeto precisa ser ilustrada por incontáveis exemplos de intensidade variável. O publico, desse modo, pouco a pouco chegaria a ver que sua terminologia (em especial a “pan-sexualidade”!) se justifica plenamente. Em relação a Rank, fica também a impressão incomoda de que ele “jurat in verba magistri” e carece de empirismo. Mais de uma vez, ao lê-lo, fui levado a pensar em Schelling e Hegel. Mas a teoria que o senhor postula é puro empirismo e empiricamente e que deve ser apresentada. Essa, seja como for, e a tarefa fundamental com que o futuro me acena. Procuro, por conseguinte, métodos capazes de desenvolver a psicanalise da maneira mais exata possível, esperando assim lançar as bases para uma popularização cientifica de seus ensinamentos. Uma de minhas próximas tarefas será documentar os sonhos que exprimem desejos, na Demência precoce, com uma quantidade maior de dados empíricos. Só depois de realizados esse e outros trabalhos preparatórios idênticos, posso esperar chegar mais perto do amago da teoria sexual. Como o senhor disse, os sonhos são decerto mais apropriados para uma “confirmação” subjetiva, e o mesmo foi capaz de demonstrar recentemente com alguns exemplos muito bons. Não mais me assaltam duvidas quanto a correção de sua teoria. Os últimos vestígios foram dispersos por minha estada em Viena, que para mim foi um acontecimento de importância imensa. Binswanger já deve ter lhe falado da tremenda impressão que o senhor me causou. Nada mais direi sobre isso, mas faço votos de que meu trabalho pela sua causa lhe demonstre a extensão de minha gratidão e respeito. Espero, chego mesmo a sonhar, que possamos recebê-lo em Zurique no próximo verão ou no outono. Pessoalmente eu me sentiria no auge da alegria com uma visita sua; foram efêmeras demais as poucas horas que passei a seu lado. Riklin prometeu enviar-lhe o trabalho dele sobre contos de fadas tão logo o tenha terminado, embora isso não seja para já. Forel esteve recentemente em Zurique e aproveitei a oportunidade para pedir a um amigo que se avistasse com ele. Vim a saber que o ignora por completo e que a objeção dele ao meu trabalho e que dou muito pouca atenção a hipnose. Ai é que esta o problema. Minha mulher e eu lhe agradecemos muito, bem como a sua esposa e a toda a sua família, pela maneira gentil com que nos receberam.
Cordialmente, Jung

7 de abril de 1907
Caro colega,
Para sentir-me mais a vontade ao lhe falar que uso um papel diferente. Sua visita foi sobremodo prazerosa e gratificante; gostaria de repetir por escrito várias coisas que lhe confiei verbalmente, em particular que o senhor me encheu de confiança em relação ao futuro, que agora me dou conta de ser tão substituível quanto qualquer outro e que não poderia desejar ninguém melhor do que o senhor, tal como o conheci, para continuar e completar minha obra. Estou certo de que não abandonara essa obra, pois já se aprofundou muito nela e com seus próprios olhos pode ver como é belo, amplo e excitante o nosso tema. Certamente tenho planos de fazer-lhe uma visita em Zurique, durante a qual espero que me demonstre seu famoso caso de Dem. precoce, mas não creio que isso ocorra em breve. Preocupa-me também no momento a incerteza de nossas relações com seu chefe. A defesa de nossa posição recentemente feita por ele na Miinchener medizinische Wochenschrift levara-me a considera-lo digno de confiança, mas eis que o senhor me fala de um grave desvio em direção contraria, desvio que, como eu, o senhor provavelmente interpreta como uma reação às convicções que o senhor levou quando regressou. Como o “complexo pessoal” obscurece todo pensamento puramente logico! Em relação a Dem. Precoce. tenho uma proposta a lhe fazer. Depois de sua partida esbocei algumas ideias sobre o assunto que discutimos. Gostaria de transmiti-las ao senhor, a não ser que prefira — por duas razoes — ignora-las. Primeiro, porque o senhor mesmo as pode ter, e segundo porque talvez não lhe agrade aceitar o que quer que seja. Devo dizer que considero uma formula altamente valiosa um tipo de comunismo intelectual, onde nenhuma das partes se preocupa em tomar nota do que da e recebe. Diga-me por favor, com franqueza analítica, se gostaria ou não de examinar esse material, e peco-lhe que não superestime sem saber. Compreendo suas razões quando tenta suavizar o assunto, mas não acredito que o senhor tenha êxito. Mesmo que chamemos o ics. de “psicoide”, ele continuará a ser o ics.; mesmo que não chamemos de “libido” a forca impulsiva da concepção mais ampla de sexualidade, ela continuara a ser libido, e em cada inferência que tirarmos dela voltaremos ao ponto exato do qual tentáramos desviar a atenção com nossa nomenclatura. Se não podemos evitar as resistências, porque não enfrentá-las desde o inicio? O ataque é, em minha opinião, a melhor forma de defesa. E, talvez, por subestimar a intensidade dessas resistências que o senhor espera desarmá-las com pequenas concessões. O que nos pedem e, nem mais nem menos, que abjuremos nossa crença no impulso sexual. A única resposta e professa-la abertamente. Estou certo de que Rank não ira muito longe. O modo como escreve e decididamente auto erótico e ele carece completamente de tato pedagógico. Além disso, como o senhor observa, não superou a influência da dieta intelectual anterior e se perde em abstrações nada fáceis de seguir. Mas a independência de Rank em relação a mim é maior do que talvez pareça; e um homem capaz, muito moco e profundamente honesto, característica sobremodo valiosa na idade dele. Desnecessário dizer que esperamos muito mais do senhor e da maneira como tratará o assunto. O estudo de Bezzola, que ele me enviou recentemente, de modo muito impessoal e talvez por pura “piedade”, não me parece honesto. As observações anexas são produto de uma covardia pessoal, o que justifica a expectativa de um fim melancólico para esse individuo. Encobrir o fato de que síntese é o mesmo que analise parece impostura grave. Afinal, se pela analise tentamos descobrir os fragmentos reprimidos, é apenas com o fim de junta-los novamente. A diferença essencial — o fato de ele não fazer uso de associações, mas só de sensações — significa simplesmente que o trabalho dele se limita a casos de histeria traumática; em outros casos não se encontra esse material. E pelo que sei da estrutura das neuroses e geralmente impossível solucionar o problema terapêutico pela mera revelação das cenas traumáticas. Consequentemente, ele retorna onde Breuer e eu estivemos, ha doze anos, e desde então nada terá aprendido. Pela “piedade”, merece um puxão de orelha, mas temos mais o que fazer. Ainda esse mês você há de receber duas pequenas publicações minhas, uma das quais e a Gradiva,s que talvez o estimule, espero que sem demora, a contribuir com algo de apelo mais geral para os Papers. Muito grato pela promessa de Riklin. Espero que o trabalho dele corresponda as nossas exigências especiais. Entrarei em contato direto com o senhor quando lhe enviar Gradiva. Na Pascoa estive em visita ao estabelecimento de Kahlbaum em Gorlitz e vi um caso dos mais instrutivos, sobre o qual lhe falaria ainda se essa carta, a primeira desde sua visita, já não tivesse se alongado tanto. Minha mulher gostou muito da carta que sua esposa lhe escreveu. Cabe ao anfitrião, não a visita, agradecer pelo prazer e a honra. Infelizmente ela não pode responder agora, pois sofre de iridociclite (benigna), consequência de uma indisposição estomacal. Na expectativa de sua resposta, subscrevo-me Cordialmente, Dr. Freud.

C.G.Jung - Sigmund Freud – CARTAS - (p. 65-70)

Ao seguirmos as correspondências entre Freud e Jung visualizamos os percursos realizados, as incógnitas, dificuldades, incompreensões e o muito do porvir na ciência. Nessa em especial, deparamo-nos com as questões relativas ao estudo da Demência Precoce, que instigou Freud, Jung e Lacan. Ao analisar as memórias de Dr. Schreber, Freud irá delinear a psicose paranoica, e interrogar do quanto esta se ocupará da arquitetura psíquica consciente e inconsciente, bem como a importância da resistência, principalmente no que diz respeito à Demência Precoce ou Psicose Paranoica. Lacan também irá se deter nessa questão em sua tese de doutorado e no seminário III. O tema continua ainda a ser motivo de grandes estudos, pela forma como compromete a personalidade, ou o ego do sujeito. O conceito de sexualidade é ainda motivo de enigmas, ficando esses pesquisadores com a concepção de “libido”, que é ampla e diz respeito à energia pulsional do sujeito. É encantador a forma como Freud compreende a psicanálise, não só no que diz respeito à livre associação, onde de fragmento em fragmento se reconstitui uma história com novos significados. Louvável as expressões “pan-sexualidade”, “comunismo científico” e a importância do rigor científico. 

14 de julho de 2014

Insensatez Juvenil e Família

Ao longo da história ser jovem, mudam as faixas etárias, e hoje está entre a faixa de idade dos 15 aos 24 anos; teve e tem vários significados para as diversas culturas em seus momentos históricos. Os jovens ao longo da história estiveram inseridos em suas famílias, seus destinos influenciados por estas, sejam quais forem os sistemas políticos, econômicos em que essas famílias estiveram ou estão envolvidas. Dos rituais de iniciação através de lutas físicas, “provas” diversas, o uso da força, a dedicação aos estudos e pesquisas, a arte, os jogos esportivos ou games lúdicos ou patológicos, o uso de substancias psicoativas, enfim diversos objetos de representação da vida em grupo e das estruturas psíquica. Assim a juventude passa por diversos significados ao longo do tempo: força, coragem, habilidades, virilidade, inovação, descobertas, irreverencias. A cultura de cada época exerce influência, mas não é determinante, uma vez que o psiquismo traz a história da hereditariedade, bem como o funcionamento próprio das estruturas psíquicas. Há que ressaltar que a subjetividade da juventude, sua composição biológica, onde os hormônios e redirecionamento dos objetos de amor são a ênfase para algumas das características dos jovens. A influência da história ancestral que habita a memória de cada indivíduo permeia o funcionamento psíquico, influenciando seu destino e suas escolhas.

Um pequeno recorte do percurso da juventude desde as grandes guerras mundiais, em que a mulher deixou o cuidado prioritário do lar, dos filhos, para o mercado de trabalho, que precisava de mão de obra barata, e a reposicionava em relação ao seu lugar na família. Foi importante sua recolocação diante da relação em família, bem como na sociedade, na construção de sua autonomia. Mas se esse novo lugar do feminino discutiu sua sexualidade e significados, importantes de serem realizados, colocou-a frente a enigmas que a distanciam de sua feminilidade, sua função materna, sua essência biológica. Essa desconstrução materna contribui na formação de profundos conflitos psíquicos para ela e para os filhos. Tão pouco a desconstrução materna seja possível sem a desconstrução paterna. Por outro lado, a desconstrução paterna coloca em questão a virilidade masculina, a essência masculina, potencializando recuos em sua evolução intelectual e moral. Na medida em que busca em escala ascendente a confirmação de sua masculinidade, seja pela negação da mãe, como pelo grande acesso a pornografia, hoje tão em alta na internet, na prostituição, no alcoolismo e nas drogas, na troca de parceiras e parceiros. Quebram-se as fronteiras da lei subjetiva, e tudo é possível e permitido. E vamos estar diante de traços de uma estrutura perversa. Em cada cultura com suas características e significados. A família se redefine a ser um agrupamento que se encontram para dormir no mesmo local, com laços frágeis de afeto.

Alguns graduados do Direito propalam que a família é uma instituição falida. Isso é transformar uma máxima em um imperativo categórico. As novas configurações de família atendem a uma demanda econômica e política e a fomentação de novos produtos de consumo, pois os padrões de consumo são regidos pelas relações em sociedade e pelos interesses econômicos e políticos. Assim o movimento feminista colocou-se diante de questões difíceis, pois as mulheres em suas duplas ou triplas jornadas potencializa a família em um campo de luta e competição. A função pai, a função mãe está confusa, pois há uma subversão na lei subjetiva e seus significantes. É a geração que deseja a liberdade e seus filhos também, pois além das questões subjetivas que envolve a lei interna, temos uma geração de filhos, jovens, que possuem todos os objetos tecnológicos, mas não tem pais, foram educados pelas creches, babás, ou sozinhos, sendo “os donos da casa”. Eles gritam e são autoritários com os pais, os avós. A cultura da sabedoria “dos mais velhos” não existe. A relação dos filhos com os pais, não são de filhos, mas de iguais em autoridade. A geração sem pais, tudo pode, não trabalha, vivem ligado em sua maioria mais de 15 horas na internet, em festas, drogas e sexo. Propalam nas redes sociais que são a geração Y, Z, “nem-nem”, que não estuda nem trabalha. Hoje já ocupa as estatísticas em mais de 20% no Brasil. Os valores humanos estão “fora de moda”. É conseguir de qualquer jeito o que quer. Onde estão os pais? Vivendo a sua juventude supostamente “esquecida”. A casa, não é mais o lar, o “porto seguro”, a referência. Os papeis e funções estão confusas, em conflito. O filho conhece todas as transgressões do pai e da mãe. Como encontrar seu lugar?

Para que a juventude tenha o status de época da insensatez é necessário que as funções, os lugares sejam resgatados. O pai deve ser um educador magnânimo de coração. A mãe deve ser como a terra, doação e sabedoria. O respeito, a compreensão devem ser em todas as direções. Há que retomar o lugar de exemplo e referência que os pais já ocuparam, onde mesmo no erro dos filhos acolhe e ensina o discernimento entre o certo e errado, o justo e injusto.  Teoricamente, se pensarmos em um adulto maduro emocionalmente, havemos de compreender que a única época que cabe a insensatez é a juventude, pela imaturidade que lhe é própria. Algum caminho de volta, ou alguns significados hão de ser resgatados ou resinificados, para não corremos o risco de caminharmos para a barbárie da vida fácil, sem trabalho, autonomia, valores morais e caráter.

A Beleza do Amor


“Cumpridas todas as tarefas, ficou tudo na mesma”.
“As leis não são corretas. Tudo está um caos. Contudo insiste em praticar a sua ética: música, humanidade e harmonia. O sábio não deve ter apego. Como sabes, se voltar às costas não será o melhor?”
“Ceder não é ser frouxo. A água é frouxa; no entanto a força e a agressividade não a vencem. O protetor, às vezes tem que ser como a água”.
“A verdadeira benevolência é o amor pela humanidade”.
“Beleza é aquilo que o cavalheiro busca fora de si. Quando corteja, o cavalheiro deve ser educado. No verdadeiro amor não existe o mal”.
Lao Zi

13 de julho de 2014

Funcionamento Obsessivo

A representação é uma defesa e uma lembrança do que foi recalcado

O chamado “Transtorno” Obsessivo Compulsivo está no contexto da neurose obsessiva. É assim que em todas as épocas da história da humanidade, o homem necessitou repetir suas experiências para aprender, reaprender ou vivenciá-las de forma diferente, com outras representações, porque não foi, não é possível reelabora-las, contendo ainda conteúdos de muita dor. Esse é o percurso da estruturação da defesa e funcionamento psíquico na história humana. Então quando falamos em defesa ocorre-nos à lembrança, os perigos que podem nos surpreender durante a vida e que nos ameaçam e como nosso corpo reage e as substancias neuroquímicas envolvidas. A vida na terra é repleta de belezas naturais e de profundos sofrimentos. O mundo moderno vem sendo construído a custa da devastação do planeta e da violação da própria vida, seja do corpo, que a expressa, como do arcabouço moral que a sustenta culturalmente. Nessas ações e reações o conceito de defesa é mais profundo envolvendo o funcionamento ou estrutura psíquica, que implica num recalcamento. Se a estrutura de defesa é formada por experiências traumáticas, sejam ativas ou passivas, que poderiam estar envolvidas não só eventos traumáticos externos, circunstanciais, relacionados à natureza, como também eventos subjetivos, que dizem respeitos às experiências vividas pelo indivíduo, há que indicarmos as experiências relacionadas ao gozo que o sujeito estabelece em relação aos seus instintos primitivos. Seja referente aos vícios referentes ao consumo de objetos,  substancias psicoativas, o sexo, o mundo virtual, o jogo seja em cartas, os games, o jogo psicológico patológico, os conteúdos violentos viciantes, a exposição virtual viciante. Fica cada vez mais difícil estabelecer um tempo para a potencialização de experiências traumática, que apresentam diversos objetos como sintomas.

Todos temos uma história que começa com a hereditariedade. O fato de o psiquismo ser estruturado como defesa e de que o retorno do recalcado é uma “falha” na defesa, mas no sentido da cura, elaboração, novos significados, nos leva a percorrer o caminho dos sintomas, como trilhas, que podem levar-nos às forças do recalque, que emerge muitas vezes em oposição ao ego e por isso conflituosa. Essas estruturas de defesa ou funcionamento psíquico estão sempre em movimento. Não são estáticas, rígidas e a  direção é sempre a preservação do ego, mesmo que para isso a “escolha”, seja uma psicose ou perversão. Haverá sempre algo, ao qual o sujeito não possuía recursos psíquicos para significar, elaborar. Na histeria os sintomas, em geral, por conversão, podem desencadear males físicos graves. É tarefa árdua e difícil tornar consciente algo inconsciente. Os sintomas são as pistas do caminho, que podem ser potencializados com o inicio da vida sexual. O abuso sexual de crianças e adolescentes estão na história da humanidade, deixando marcas de muito sofrimento. No mundo moderno, apesar da existência das leis jurídicas, essa é uma patologia, que persiste. Se os abusadores são cuidadores, pais, professores, irmãos, parentes em diversos graus, vizinhos, religiosos, amigos da família, ou crianças e adolescentes maiores, o fato é que o abuso ocorre na maioria das vezes por muito tempo sob ameaça, e deixa danos difíceis de serem elaborados. A baixa na autoestima, “excesso” de masturbação, a depressão, medos, angústia, exacerbação da libido, e em alguns casos a defesa psicótica, seja mania e depressão, acompanhada ou não de delírios, mas o padrão obsessivo é mantido, como forma de fluir a ansiedade e angústia. Em geral o abusador é alguém que de alguma forma sofreu abuso. Então, temos um padrão de repetição.

Desde o nascimento vemos que as crianças adoecem em função de um funcionamento psíquico neurótico histérico ou obsessivo, cheio de autoacusações. Muitas vezes as incursões sexuais que ocorre entre crianças ou entre essas e adolescentes e adultos não são possíveis de serem recalcadas, por atingirem a idade entre oito e dez anos. Ao retroceder as lembranças a mais tenra idade é possível identificar em que circunstancias ocorreu o trauma sexual, que potencializou o desencadeamento da neurose. Hábitos repetitivos, fobias expressam marca mnêmicas, que uma vez despertadas pelas descargas de afeto levam a eclosão da neurose histérica ou obsessiva ou a funcionamentos psicóticos e perversos que variam em intensidade e “qualidade”, de acordo com a carga de experiências vivenciadas e os recursos psíquicos que o sujeito dispõe para ativar as marcas mnêmicas. Importante reconhecer que preexistem experiências, talvez mais profundas que o trauma vivido e que este pode ser a “ponta do iceberg”. Assim a experiência traumática recalcada, existindo como um traço mnêmico, que ao ser ativado por uma experiência do tempo presente, faz o sintoma.

Pressupõem as obsessões experiências que diz respeito a traumas e a pulsão da energia sexual em uma remota idade ou em circunstancias de violência, cujos traços mnêmicos serão revelados pelos sintomas psíquicos e físicos. O que aparece nos sintomas da neurose obsessiva, não são os traumas ou experiências sexuais que se vivenciou de forma passiva, “mas de atos de agressão praticados com prazer e de participação prazerosa em atos sexuais — ou seja, trata-se de atividade sexual” (Freud, 1896 p.168). A idade cronológica, o amadurecimento emocional, e a forma constitutiva de defesa do sujeito irá determinar, como os traumas e as experiências sexuais precoce potencializarão a saúde mental do sujeito. As vivências recalcadas retornam como autoacusações, que se vinculam as lembranças, pois de alguma forma foram sentidas como prazer. Ao retornarem demandam ressignificação no sentido de se tornarem conscientes, surgindo o sentimento de vergonha e nojo, na reelaboração da defesa. Assim lembrar é baixar as defesas e reelaborar o sofrimento, a formação de compromisso, que substitui as lembranças dolorosas, expressa nas representações e afetos obsessivos. 

Quando falamos de autoacusações inerentes a determinados funcionamentos da neurose obsessiva é importante ressaltar que estas estão vinculadas a conteúdos mnêmicos, que  se ligam a experiências do “presente”, mas pertencem ao passado. O que aparece são as representações patológicas, como um compromisso que o sujeito faz consigo próprio. Os atos repetitivos ou de punição do presente assumem o lugar dos traços de memória, de um sofrimento que não é possível muitas vezes localizar no tempo e no espaço. Articular o substrato dos eventos psíquicos, consciente e inconsciente nem sempre é possível pela força com que o recalque se apresenta.  O conteúdo da representação está articulado aos eventos recalcados, embora nem sempre seja possível revelar. A autoacusação pode revelar-se de forma hipocondríaca, compulsão de asseio, limpeza, consumo, comida, bebidas, controles obsessivos de trabalho e pessoas, angústia social, certificar-se das ações realizadas, angústia religiosa, delírios de ser observado e outras representações que precedem um sentimento, de culpa. Os sintomas são retorno do recalcado. Um conjunto de sintomas de espectro mais amplo e de espectro menor se forma para sustentar a defesa. A neurose obsessiva estabelece um compromisso de “acerto de contas”, expresso na luta defensiva para “recalcar o retorno do recalcado” que evolui  para ações obsessivas, repetitivas, no sentido de barrar as lembranças.

Várias são os recursos utilizados pelas pessoas para lidar com o funcionamento obsessivo: desviar os pensamentos obsessivos em um sentido contrário, racionalizar os pensamentos no intuito de retirar o afeto existente, centrar-se nas lembranças conscientes, o que pode levar a um gasto de energia, que esgota o ego. Isso possibilita medidas de penitencia, cerimoniais opressivos (os tiques), medidas de precaução referentes a fobias, superstição, fixação em detalhes. “Os casos graves desse distúrbio terminam na fixação das ações cerimoniais, ou num estado generalizado de mania de duvidar, ou numa vida de excentricidades condicionada pelas fobias” (Freud, 1896 p.173). Na época do primeiro recalcamento da lembrança, surge a consciência da responsabilidade, da implicação do sujeito nos fatos que desencadearam sua neurose. O que fortalece a neurose é a intuição de que algo houve. Então permanece a dúvida que confronta com a “certeza” de viver uma vida moralmente correta, ao menos durante o período em que a defesa é bem sucedida. A essência obsessiva das formações psíquicas é a possibilidade das lembranças virem a se tornar consciente, assim as representações se ligam as obsessões de forma mais ou menos forte, “esclarecida” ou “investida de energia”. Quanto mais consciente as ligações entre as representações e as lembranças forem se tornando, maior o percurso realizado no sentido da “cura”, que é um percurso longo, doloroso, implica em renúncias, autoconhecimento, desenvolve-se lentamente, mas possível de ser trilhado.

Referências
FREUD, S.  – OBSERVAÇÕES ADICIONAIS SOBRE AS NEUROPSICOSES DE DEFESA (1896), Obras Completas de Psicanálise - volume III. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

6 de julho de 2014

O Caminho e o Desejo


O Caminho é uma constante não-ação
Que nada deixa por realizar
Se reis e príncipes pudessem resguardá-lo
Os dez mil seres iriam se transformariam por si
Porém, se na transformação despertassem desejos
Eu iria estabilizá-los através da simplicidade do sem-nome
A simplicidade do sem-nome também se inicia no não-desejo
O não-desejo traz quietude
O céu e a terra, por si, estarão em retidão

TAO TE CHING -O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng

4 de julho de 2014

Poesia - Fala da Alma


É uma brisa leve
É uma brisa leve
Que o ar um momento teve
E que passa sem ter
Quase por tudo ser.
Quem amo não existe.
Vivo indeciso e triste.
Quem quis ser já me esquece
Quem sou não me conhece.
E em meio disto o aroma
Que a brisa traz me assoma
Um momento à consciência
Como uma confidência.
Fernando Pessoa