13 de julho de 2014

Funcionamento Obsessivo

A representação é uma defesa e uma lembrança do que foi recalcado

O chamado “Transtorno” Obsessivo Compulsivo está no contexto da neurose obsessiva. É assim que em todas as épocas da história da humanidade, o homem necessitou repetir suas experiências para aprender, reaprender ou vivenciá-las de forma diferente, com outras representações, porque não foi, não é possível reelabora-las, contendo ainda conteúdos de muita dor. Esse é o percurso da estruturação da defesa e funcionamento psíquico na história humana. Então quando falamos em defesa ocorre-nos à lembrança, os perigos que podem nos surpreender durante a vida e que nos ameaçam e como nosso corpo reage e as substancias neuroquímicas envolvidas. A vida na terra é repleta de belezas naturais e de profundos sofrimentos. O mundo moderno vem sendo construído a custa da devastação do planeta e da violação da própria vida, seja do corpo, que a expressa, como do arcabouço moral que a sustenta culturalmente. Nessas ações e reações o conceito de defesa é mais profundo envolvendo o funcionamento ou estrutura psíquica, que implica num recalcamento. Se a estrutura de defesa é formada por experiências traumáticas, sejam ativas ou passivas, que poderiam estar envolvidas não só eventos traumáticos externos, circunstanciais, relacionados à natureza, como também eventos subjetivos, que dizem respeitos às experiências vividas pelo indivíduo, há que indicarmos as experiências relacionadas ao gozo que o sujeito estabelece em relação aos seus instintos primitivos. Seja referente aos vícios referentes ao consumo de objetos,  substancias psicoativas, o sexo, o mundo virtual, o jogo seja em cartas, os games, o jogo psicológico patológico, os conteúdos violentos viciantes, a exposição virtual viciante. Fica cada vez mais difícil estabelecer um tempo para a potencialização de experiências traumática, que apresentam diversos objetos como sintomas.

Todos temos uma história que começa com a hereditariedade. O fato de o psiquismo ser estruturado como defesa e de que o retorno do recalcado é uma “falha” na defesa, mas no sentido da cura, elaboração, novos significados, nos leva a percorrer o caminho dos sintomas, como trilhas, que podem levar-nos às forças do recalque, que emerge muitas vezes em oposição ao ego e por isso conflituosa. Essas estruturas de defesa ou funcionamento psíquico estão sempre em movimento. Não são estáticas, rígidas e a  direção é sempre a preservação do ego, mesmo que para isso a “escolha”, seja uma psicose ou perversão. Haverá sempre algo, ao qual o sujeito não possuía recursos psíquicos para significar, elaborar. Na histeria os sintomas, em geral, por conversão, podem desencadear males físicos graves. É tarefa árdua e difícil tornar consciente algo inconsciente. Os sintomas são as pistas do caminho, que podem ser potencializados com o inicio da vida sexual. O abuso sexual de crianças e adolescentes estão na história da humanidade, deixando marcas de muito sofrimento. No mundo moderno, apesar da existência das leis jurídicas, essa é uma patologia, que persiste. Se os abusadores são cuidadores, pais, professores, irmãos, parentes em diversos graus, vizinhos, religiosos, amigos da família, ou crianças e adolescentes maiores, o fato é que o abuso ocorre na maioria das vezes por muito tempo sob ameaça, e deixa danos difíceis de serem elaborados. A baixa na autoestima, “excesso” de masturbação, a depressão, medos, angústia, exacerbação da libido, e em alguns casos a defesa psicótica, seja mania e depressão, acompanhada ou não de delírios, mas o padrão obsessivo é mantido, como forma de fluir a ansiedade e angústia. Em geral o abusador é alguém que de alguma forma sofreu abuso. Então, temos um padrão de repetição.

Desde o nascimento vemos que as crianças adoecem em função de um funcionamento psíquico neurótico histérico ou obsessivo, cheio de autoacusações. Muitas vezes as incursões sexuais que ocorre entre crianças ou entre essas e adolescentes e adultos não são possíveis de serem recalcadas, por atingirem a idade entre oito e dez anos. Ao retroceder as lembranças a mais tenra idade é possível identificar em que circunstancias ocorreu o trauma sexual, que potencializou o desencadeamento da neurose. Hábitos repetitivos, fobias expressam marca mnêmicas, que uma vez despertadas pelas descargas de afeto levam a eclosão da neurose histérica ou obsessiva ou a funcionamentos psicóticos e perversos que variam em intensidade e “qualidade”, de acordo com a carga de experiências vivenciadas e os recursos psíquicos que o sujeito dispõe para ativar as marcas mnêmicas. Importante reconhecer que preexistem experiências, talvez mais profundas que o trauma vivido e que este pode ser a “ponta do iceberg”. Assim a experiência traumática recalcada, existindo como um traço mnêmico, que ao ser ativado por uma experiência do tempo presente, faz o sintoma.

Pressupõem as obsessões experiências que diz respeito a traumas e a pulsão da energia sexual em uma remota idade ou em circunstancias de violência, cujos traços mnêmicos serão revelados pelos sintomas psíquicos e físicos. O que aparece nos sintomas da neurose obsessiva, não são os traumas ou experiências sexuais que se vivenciou de forma passiva, “mas de atos de agressão praticados com prazer e de participação prazerosa em atos sexuais — ou seja, trata-se de atividade sexual” (Freud, 1896 p.168). A idade cronológica, o amadurecimento emocional, e a forma constitutiva de defesa do sujeito irá determinar, como os traumas e as experiências sexuais precoce potencializarão a saúde mental do sujeito. As vivências recalcadas retornam como autoacusações, que se vinculam as lembranças, pois de alguma forma foram sentidas como prazer. Ao retornarem demandam ressignificação no sentido de se tornarem conscientes, surgindo o sentimento de vergonha e nojo, na reelaboração da defesa. Assim lembrar é baixar as defesas e reelaborar o sofrimento, a formação de compromisso, que substitui as lembranças dolorosas, expressa nas representações e afetos obsessivos. 

Quando falamos de autoacusações inerentes a determinados funcionamentos da neurose obsessiva é importante ressaltar que estas estão vinculadas a conteúdos mnêmicos, que  se ligam a experiências do “presente”, mas pertencem ao passado. O que aparece são as representações patológicas, como um compromisso que o sujeito faz consigo próprio. Os atos repetitivos ou de punição do presente assumem o lugar dos traços de memória, de um sofrimento que não é possível muitas vezes localizar no tempo e no espaço. Articular o substrato dos eventos psíquicos, consciente e inconsciente nem sempre é possível pela força com que o recalque se apresenta.  O conteúdo da representação está articulado aos eventos recalcados, embora nem sempre seja possível revelar. A autoacusação pode revelar-se de forma hipocondríaca, compulsão de asseio, limpeza, consumo, comida, bebidas, controles obsessivos de trabalho e pessoas, angústia social, certificar-se das ações realizadas, angústia religiosa, delírios de ser observado e outras representações que precedem um sentimento, de culpa. Os sintomas são retorno do recalcado. Um conjunto de sintomas de espectro mais amplo e de espectro menor se forma para sustentar a defesa. A neurose obsessiva estabelece um compromisso de “acerto de contas”, expresso na luta defensiva para “recalcar o retorno do recalcado” que evolui  para ações obsessivas, repetitivas, no sentido de barrar as lembranças.

Várias são os recursos utilizados pelas pessoas para lidar com o funcionamento obsessivo: desviar os pensamentos obsessivos em um sentido contrário, racionalizar os pensamentos no intuito de retirar o afeto existente, centrar-se nas lembranças conscientes, o que pode levar a um gasto de energia, que esgota o ego. Isso possibilita medidas de penitencia, cerimoniais opressivos (os tiques), medidas de precaução referentes a fobias, superstição, fixação em detalhes. “Os casos graves desse distúrbio terminam na fixação das ações cerimoniais, ou num estado generalizado de mania de duvidar, ou numa vida de excentricidades condicionada pelas fobias” (Freud, 1896 p.173). Na época do primeiro recalcamento da lembrança, surge a consciência da responsabilidade, da implicação do sujeito nos fatos que desencadearam sua neurose. O que fortalece a neurose é a intuição de que algo houve. Então permanece a dúvida que confronta com a “certeza” de viver uma vida moralmente correta, ao menos durante o período em que a defesa é bem sucedida. A essência obsessiva das formações psíquicas é a possibilidade das lembranças virem a se tornar consciente, assim as representações se ligam as obsessões de forma mais ou menos forte, “esclarecida” ou “investida de energia”. Quanto mais consciente as ligações entre as representações e as lembranças forem se tornando, maior o percurso realizado no sentido da “cura”, que é um percurso longo, doloroso, implica em renúncias, autoconhecimento, desenvolve-se lentamente, mas possível de ser trilhado.

Referências
FREUD, S.  – OBSERVAÇÕES ADICIONAIS SOBRE AS NEUROPSICOSES DE DEFESA (1896), Obras Completas de Psicanálise - volume III. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

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