A
representação é uma defesa e uma lembrança do que foi recalcado
O chamado
“Transtorno” Obsessivo Compulsivo está no contexto da neurose obsessiva. É
assim que em todas as épocas da história da humanidade, o homem necessitou
repetir suas experiências para aprender, reaprender ou vivenciá-las de forma
diferente, com outras representações, porque não foi, não é possível
reelabora-las, contendo ainda conteúdos de muita dor. Esse é o percurso da
estruturação da defesa e funcionamento psíquico na história humana. Então
quando falamos em defesa ocorre-nos à lembrança, os perigos que podem nos
surpreender durante a vida e que nos ameaçam e como nosso corpo reage e as
substancias neuroquímicas envolvidas. A vida na terra é repleta de belezas naturais
e de profundos sofrimentos. O mundo moderno vem sendo construído a custa da
devastação do planeta e da violação da própria vida, seja do corpo, que a
expressa, como do arcabouço moral que a sustenta culturalmente. Nessas ações e
reações o conceito de defesa é mais profundo envolvendo o funcionamento ou
estrutura psíquica, que implica num recalcamento. Se a estrutura de defesa é
formada por experiências traumáticas, sejam ativas ou passivas, que poderiam
estar envolvidas não só eventos traumáticos externos, circunstanciais,
relacionados à natureza, como também eventos subjetivos, que dizem respeitos às
experiências vividas pelo indivíduo, há que indicarmos as experiências
relacionadas ao gozo que o sujeito estabelece em relação aos seus instintos
primitivos. Seja referente aos vícios referentes ao consumo de objetos,
substancias psicoativas, o sexo, o mundo virtual, o jogo seja em cartas,
os games, o jogo psicológico patológico, os conteúdos violentos viciantes, a
exposição virtual viciante. Fica cada vez mais difícil estabelecer um tempo
para a potencialização de experiências traumática, que apresentam diversos
objetos como sintomas.
Todos
temos uma história que começa com a hereditariedade. O fato de o psiquismo ser
estruturado como defesa e de que o retorno do recalcado é uma “falha” na
defesa, mas no sentido da cura, elaboração, novos significados, nos leva a
percorrer o caminho dos sintomas, como trilhas, que podem levar-nos às forças
do recalque, que emerge muitas vezes em oposição ao ego e por isso conflituosa.
Essas estruturas de defesa ou funcionamento psíquico estão sempre em movimento.
Não são estáticas, rígidas e a direção é sempre a preservação do ego,
mesmo que para isso a “escolha”, seja uma psicose ou perversão. Haverá sempre
algo, ao qual o sujeito não possuía recursos psíquicos para significar,
elaborar. Na histeria os sintomas, em geral, por conversão, podem desencadear
males físicos graves. É tarefa árdua e difícil tornar consciente algo
inconsciente. Os sintomas são as pistas do caminho, que podem ser
potencializados com o inicio da vida sexual. O abuso sexual de crianças e
adolescentes estão na história da humanidade, deixando marcas de muito
sofrimento. No mundo moderno, apesar da existência das leis jurídicas, essa é
uma patologia, que persiste. Se os abusadores são cuidadores, pais,
professores, irmãos, parentes em diversos graus, vizinhos, religiosos, amigos
da família, ou crianças e adolescentes maiores, o fato é que o abuso ocorre na
maioria das vezes por muito tempo sob ameaça, e deixa danos difíceis de serem
elaborados. A baixa na autoestima, “excesso” de masturbação, a depressão,
medos, angústia, exacerbação da libido, e em alguns casos a defesa psicótica,
seja mania e depressão, acompanhada ou não de delírios, mas o padrão obsessivo
é mantido, como forma de fluir a ansiedade e angústia. Em geral o abusador é
alguém que de alguma forma sofreu abuso. Então, temos um padrão de repetição.
Desde o
nascimento vemos que as crianças adoecem em função de um funcionamento psíquico
neurótico histérico ou obsessivo, cheio de autoacusações. Muitas vezes as
incursões sexuais que ocorre entre crianças ou entre essas e adolescentes e
adultos não são possíveis de serem recalcadas, por atingirem a idade entre oito
e dez anos. Ao retroceder as lembranças a mais tenra idade é possível
identificar em que circunstancias ocorreu o trauma sexual, que potencializou o
desencadeamento da neurose. Hábitos repetitivos, fobias expressam marca
mnêmicas, que uma vez despertadas pelas descargas de afeto levam a eclosão da
neurose histérica ou obsessiva ou a funcionamentos psicóticos e perversos que
variam em intensidade e “qualidade”, de acordo com a carga de experiências
vivenciadas e os recursos psíquicos que o sujeito dispõe para ativar as marcas
mnêmicas. Importante reconhecer que preexistem experiências, talvez mais
profundas que o trauma vivido e que este pode ser a “ponta do iceberg”. Assim a
experiência traumática recalcada, existindo como um traço mnêmico, que ao ser
ativado por uma experiência do tempo presente, faz o sintoma.
Pressupõem
as obsessões experiências que diz respeito a traumas e a pulsão da energia
sexual em uma remota idade ou em circunstancias de violência, cujos traços
mnêmicos serão revelados pelos sintomas psíquicos e físicos. O que aparece nos
sintomas da neurose obsessiva, não são os traumas ou experiências sexuais que
se vivenciou de forma passiva, “mas
de atos de agressão praticados com prazer e de participação prazerosa em atos
sexuais — ou seja, trata-se de atividade sexual” (Freud, 1896 p.168). A idade
cronológica, o amadurecimento emocional, e a forma constitutiva de defesa do
sujeito irá determinar, como os traumas e as experiências sexuais precoce
potencializarão a saúde mental do sujeito. As vivências recalcadas retornam como
autoacusações, que se vinculam as lembranças, pois de alguma forma foram
sentidas como prazer. Ao retornarem demandam ressignificação no sentido de se
tornarem conscientes, surgindo o sentimento de vergonha e nojo, na reelaboração
da defesa. Assim lembrar é baixar as defesas e reelaborar o sofrimento, a
formação de compromisso, que substitui as lembranças dolorosas, expressa nas
representações e afetos obsessivos.
Quando
falamos de autoacusações inerentes a determinados funcionamentos da neurose
obsessiva é importante ressaltar que estas estão vinculadas a conteúdos
mnêmicos, que se ligam a experiências do “presente”, mas pertencem ao
passado. O que aparece são as representações patológicas, como um compromisso
que o sujeito faz consigo próprio. Os atos repetitivos ou de punição do
presente assumem o lugar dos traços de memória, de um sofrimento que não é
possível muitas vezes localizar no tempo e no espaço. Articular o substrato dos
eventos psíquicos, consciente e inconsciente nem sempre é possível pela força
com que o recalque se apresenta. O conteúdo da representação está
articulado aos eventos recalcados, embora nem sempre seja possível revelar. A
autoacusação pode revelar-se de forma hipocondríaca, compulsão de asseio,
limpeza, consumo, comida, bebidas, controles obsessivos de trabalho e pessoas,
angústia social, certificar-se das ações realizadas, angústia religiosa,
delírios de ser observado e outras representações que precedem um sentimento,
de culpa. Os sintomas são retorno do recalcado. Um conjunto de sintomas de
espectro mais amplo e de espectro menor se forma para sustentar a defesa. A
neurose obsessiva estabelece um compromisso de “acerto de contas”, expresso na
luta defensiva para “recalcar o retorno do recalcado” que evolui para
ações obsessivas, repetitivas, no sentido de barrar as lembranças.
Várias são
os recursos utilizados pelas pessoas para lidar com o funcionamento obsessivo:
desviar os pensamentos obsessivos em um sentido contrário, racionalizar os
pensamentos no intuito de retirar o afeto existente, centrar-se nas lembranças
conscientes, o que pode levar a um gasto de energia, que esgota o ego. Isso
possibilita medidas de penitencia, cerimoniais opressivos (os tiques), medidas
de precaução referentes a fobias, superstição, fixação em detalhes. “Os casos graves desse distúrbio
terminam na fixação das ações cerimoniais, ou num estado generalizado de mania
de duvidar, ou numa vida de excentricidades condicionada pelas fobias” (Freud, 1896 p.173). Na época do
primeiro recalcamento da lembrança, surge a consciência da responsabilidade, da
implicação do sujeito nos fatos que desencadearam sua neurose. O que fortalece
a neurose é a intuição de que algo houve. Então permanece a dúvida que
confronta com a “certeza” de viver uma vida moralmente correta, ao menos
durante o período em que a defesa é bem sucedida. A essência obsessiva das
formações psíquicas é a possibilidade das lembranças virem a se tornar
consciente, assim as representações se ligam as obsessões de forma mais ou
menos forte, “esclarecida” ou “investida de energia”. Quanto mais consciente as
ligações entre as representações e as lembranças forem se tornando, maior o
percurso realizado no sentido da “cura”, que é um percurso longo, doloroso,
implica em renúncias, autoconhecimento, desenvolve-se lentamente, mas possível
de ser trilhado.
Referências
FREUD,
S. – OBSERVAÇÕES
ADICIONAIS SOBRE AS NEUROPSICOSES DE DEFESA (1896), Obras Completas de Psicanálise -
volume III. Rio de Janeiro, Imago - 1996.
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