1 de fevereiro de 2015

1 - Histeria - Da loucura a “normalidade”

Um mundo conturbado é o que vivemos. Onde cada vez mais é imperativo desenvolver uma estrutura de equilíbrio interior. Não é tarefa fácil encontrar esse caminho, principalmente no mundo massificado, consumista. Nos tempos atuais a doença mental não está segregada como nos tempos antigos. Ela está inserida na vida de cada sujeito de forma ostensiva, pois o nível de exigência social, a aparência, a vitrine, o sucesso não mais profissional, mas psíquico, tornou-se um imperativo que esgota o sujeito. Quando vemos a intimidade dos sujeitos sendo devassadas por eles mesmos nas “redes sociais” há que interrogarmos o quanto de energia narcísica está ai colocada, o quanto de sofrimento internalizado que precisa ser resinificado. Talvez possamos afirmar que vivemos uma “histeria coletiva do sucesso material” em que o afastamento da realidade “se faz necessário” e no contraponto os sintomas se alargam e passam a ter o status de “normalidade”. Embora muito tenha avançado a ciência do cérebro, a confluência entre doença mental, habilidades paranormais e religião sempre estiveram próximas na história da humanidade. Na idade média essa confluência assume status de vida e morte, pois as ideias ou vivências que se apresentassem com supostas diferenças das concepções dominantes eram tratadas na fogueira ou nos calabouços. É assim que a concepção das pessoas que sofriam de histeria estava vinculada ao sofrimento da loucura.

É imenso o conjunto de sintomas que podem ser sustentados como histeria. E ao falar de histeria no mundo contemporâneo, há que nos aproximarmos da complexidade de sintomas tais como: ataques convulsivos que compreende uma “constrição na garganta”, um zumbido nos ouvidos, latejamento de nervos, espasmos na faringe. Os ataques “epileptoides”, que podem seguir um percurso unilateral, a contorções, ataques convulsivos seguidos de pressão abdominal, na garganta, zumbido nos ouvidos, dificuldade de orientação no tempo e lugar. Às contorções podem seguir-se alucinações, atitudes passionais com ênfase em vocabulário depreciativo. Diante de um ataque epilético, onde ocorre uma explosão dos circuitos elétricos do cérebro, a consciência pode manter-se ou perder-se. No contraverso do ataque epilético pode ocorrer o ataque de sono. É um sono natural, mas pode assemelhar-se a um coma. As áreas mais sensíveis do corpo podem ser afetadas pelos significantes que possuem. Por exemplo, se para determinada pessoa perceber uma realidade que lhe traga sofrimento, é possível que a parte da visão seja de alguma forma afetada. “Enxergar a realidade causa dor”. E em um “mundo de sucesso” a dor, que é estruturante como um instrumento de lapidação da alma não possui espaço, até porque o “que vale é ser feliz a qualquer custo”, mesmo que seja somente na aparência, na fantasia delirante da histeria. A “anestesia ou hiperestesia histérica”, em qualquer órgão do corpo pode apresentar uma sensação de dor, comprometer aspectos da segurança, pois envolve o contato com o mundo. Esses eventos desencadeados pelo psiquismo, em muito se assemelha aos eventos desencadeados por disfunção de órgão do corpo. Na idade média, o fato dessas áreas anestesiadas não sangrarem era considerado feitiçaria. Hoje hospitais, clínicas e consultórios estão cheios de sujeitos com esses sintomas, que em sua grande maioria são gerados por cargas de sofrimento psíquico. Como é difícil para a área de saúde tratar esses sintomas, eles são designados de forma pejorativa, como se fosse uma encenação. “É o piti”.

Os distúrbios que envolvem os órgãos do sentido como perda, diminuição da visão, do campo visual, redução da percepção luminosa e sensibilidade a determinadas cores como o roxo, vermelho e ao azul, a afasia que pode ir de uma rouquidão a ausência de voz, a surdez histérica que muitas vezes é acompanhada por anestesia, da mesma forma que no distúrbio histérico do paladar e do olfato é possível encontrar áreas anestesiadas. As paralisias histéricas podem afetar diversos membros como braços, pernas, e órgãos. A incapacidade de se manter em pé e de andar, as contraturas, podem, também ser um sintoma histérico, independente de lesões orgânicas. Os sintomas histéricos são descritos como dolorosos e estão constantemente mudando. “O sistema nervoso histérico”, ou o funcionamento psíquico histérico, pode ser resistente à medicação, sendo acessível à abordagem terapêutica acolhedora, a uma escuta diferenciada. Ressalta-se que as desordens de origem psíquica devem ser investigadas no corpo, mesmo porque estas influenciam nos processos físicos. Muitas vezes a linha divisória de onde começa uma e termina outra não é possível.

Se alguns sintomas histéricos (gritar, “bater o telefone”, falar alto nos locais de encontros públicos) são um comportamento da moda é algo que reflete uma fragilidade individual (do ego) e social. Como os distúrbios psíquicos alteram seu curso seja pela inibição, desejos, repressão de sentimentos, situações traumáticas, ou seja, tudo aquilo que modifica a distribuição de energia; Então um funcionamento histérico pode agravar-se a um quadro de delírios, podendo complicar a uma psicose. Essa “moda” do “direito de ser feliz”, do “direito ao sucesso”, pode aproximar-se de uma psicose.  Importante ressaltar, que ao realizar uma anamnese mais profunda verifica-se que o traço psicótico estava presente, seja na condição de hereditariedade ou como condição estruturante. Esse agravamento dar-se-á por uma instabilidade emocional, alterações de humor, aumento da excitabilidade, baixa autoestima. Esse funcionamento histérico por certo é encontrado na história da hereditariedade referente à saúde mental da genealogia a que o sujeito pertence. Mas as circunstancias da vida como a inserção do sujeito na lei, o “despertar prematuro da atividade mental nas crianças, com excitamentos frequentes e violentos”, potencializam a neurose. No mundo atual o destino do volume de informações, os desafios competitivos, os jogos “para estimular” a criatividade, mas que introduz conteúdos de violência sádica, psicótica, o uso de substancias psicoativas, perdas, luto, traumas, acidentes, violências, são instrumentos que podem irromper uma doença histérica.

A histeria é um conjunto de sintomas, que pode ser permanente ou transitório, pode dizer respeito a um indivíduo ou grupo, mas há processos histéricos cujas causas são obscuras, com etiologia diversa. É possível também que a doença orgânica, uma vez curada, possa desenvolver uma dor, que não possui mais a correspondência orgânica. Catástrofes naturais ou econômicas-políticas podem desencadear uma histeria coletiva com traços delirantes, que se afastam da realidade e deixam suas sequelas. A terapêutica medicamentosa não cura a neurose histérica, mas a homeopática de reequilíbrio com as forças naturais da vida é fundamental. Não é “possível” tratar apenas um sintoma. O importante é olhar a tessitura psíquica, a tessitura coletiva no seu todo, compreendendo que sintomas podem ser substituídos. No processo de autoconhecimento nem sempre é possível a remoção das “fontes psíquicas que estimulam os sintomas histéricos”, pois ao adentrarmos o inconsciente esse irá se apresentar como um imenso “quebra-cabeças”.  Somente um esforço persistente e uma estrutura que suporte olhar para cada marca mnêmica num tempo que não é possível mensurar para visualizar a essência, é que é possível compreender razões nem sempre lógicas. Por isso é complexo compreender porque um “motivo psíquico suficiente” pode abrandar excluir outros sintomas. Ou seja, haverá sempre uma causa maior que sobrecarrega o psiquismo com uma excessiva energia. Portanto almas serenas requer autodescobertas das pulsões mais profundas, um aprendizado e um apaziguamento consigo próprio.
Referência
FREUD, S.  – HISTERIA (1888), Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

Nenhum comentário: