Um mundo
conturbado é o que vivemos. Onde cada vez mais é imperativo desenvolver uma
estrutura de equilíbrio interior. Não é tarefa fácil encontrar esse caminho,
principalmente no mundo massificado, consumista. Nos tempos atuais a doença
mental não está segregada como nos tempos antigos. Ela está inserida na vida de
cada sujeito de forma ostensiva, pois o nível de exigência social, a aparência,
a vitrine, o sucesso não mais profissional, mas psíquico, tornou-se um
imperativo que esgota o sujeito. Quando vemos a intimidade dos sujeitos sendo
devassadas por eles mesmos nas “redes sociais” há que interrogarmos o quanto de
energia narcísica está ai colocada, o quanto de sofrimento internalizado que
precisa ser resinificado. Talvez possamos afirmar que vivemos uma
“histeria coletiva do sucesso material” em que o afastamento da realidade “se faz
necessário” e no contraponto os sintomas se alargam e passam a ter o status de
“normalidade”. Embora muito tenha avançado a ciência do cérebro, a confluência
entre doença mental, habilidades paranormais e religião sempre estiveram
próximas na história da humanidade. Na idade média essa confluência assume
status de vida e morte, pois as ideias ou vivências que se apresentassem com
supostas diferenças das concepções dominantes eram tratadas na fogueira ou nos
calabouços. É assim que a concepção das pessoas que sofriam de histeria estava
vinculada ao sofrimento da loucura.
É imenso o
conjunto de sintomas que podem ser sustentados como histeria. E ao falar de
histeria no mundo contemporâneo, há que nos aproximarmos da complexidade de
sintomas tais como: ataques convulsivos que compreende uma “constrição na
garganta”, um zumbido nos ouvidos, latejamento de nervos, espasmos na faringe.
Os ataques “epileptoides”, que podem seguir um percurso unilateral, a
contorções, ataques convulsivos seguidos de pressão abdominal, na garganta,
zumbido nos ouvidos, dificuldade de orientação no tempo e lugar. Às contorções
podem seguir-se alucinações, atitudes passionais com ênfase em vocabulário
depreciativo. Diante de um ataque epilético, onde ocorre uma explosão dos
circuitos elétricos do cérebro, a consciência pode manter-se ou perder-se. No
contraverso do ataque epilético pode ocorrer o ataque de sono. É um sono
natural, mas pode assemelhar-se a um coma. As áreas mais sensíveis do corpo
podem ser afetadas pelos significantes que possuem. Por exemplo, se para
determinada pessoa perceber uma realidade que lhe traga sofrimento, é possível
que a parte da visão seja de alguma forma afetada. “Enxergar a realidade causa
dor”. E em um “mundo de sucesso” a dor, que é estruturante como um instrumento
de lapidação da alma não possui espaço, até porque o “que vale é ser feliz a
qualquer custo”, mesmo que seja somente na aparência, na fantasia delirante da
histeria. A “anestesia ou hiperestesia histérica”, em qualquer órgão do corpo
pode apresentar uma sensação de dor, comprometer aspectos da segurança, pois
envolve o contato com o mundo. Esses eventos desencadeados pelo psiquismo, em
muito se assemelha aos eventos desencadeados por disfunção de órgão do corpo.
Na idade média, o fato dessas áreas anestesiadas não sangrarem era considerado
feitiçaria. Hoje hospitais, clínicas e consultórios estão cheios de sujeitos
com esses sintomas, que em sua grande maioria são gerados por cargas de
sofrimento psíquico. Como é difícil para a área de saúde tratar esses sintomas,
eles são designados de forma pejorativa, como se fosse uma encenação. “É o
piti”.
Os
distúrbios que envolvem os órgãos do sentido como perda, diminuição da visão,
do campo visual, redução da percepção luminosa e sensibilidade a determinadas
cores como o roxo, vermelho e ao azul, a afasia que pode ir de uma rouquidão a
ausência de voz, a surdez histérica que muitas vezes é acompanhada por
anestesia, da mesma forma que no distúrbio histérico do paladar e do olfato é
possível encontrar áreas anestesiadas. As paralisias histéricas podem afetar
diversos membros como braços, pernas, e órgãos. A incapacidade de se manter em
pé e de andar, as contraturas, podem, também ser um sintoma histérico,
independente de lesões orgânicas. Os sintomas histéricos são descritos como
dolorosos e estão constantemente mudando. “O sistema nervoso histérico”, ou o
funcionamento psíquico histérico, pode ser resistente à medicação, sendo
acessível à abordagem terapêutica acolhedora, a uma escuta diferenciada. Ressalta-se
que as desordens de origem psíquica devem ser investigadas no corpo, mesmo
porque estas influenciam nos processos físicos. Muitas vezes a linha divisória
de onde começa uma e termina outra não é possível.
Se alguns
sintomas histéricos (gritar, “bater o telefone”, falar alto nos locais de
encontros públicos) são um comportamento da moda é algo que reflete uma
fragilidade individual (do ego) e social. Como os distúrbios psíquicos alteram
seu curso seja pela inibição, desejos, repressão de sentimentos, situações
traumáticas, ou seja, tudo aquilo que modifica a distribuição de energia; Então
um funcionamento histérico pode agravar-se a um quadro de delírios, podendo
complicar a uma psicose. Essa “moda” do “direito de ser feliz”, do “direito ao
sucesso”, pode aproximar-se de uma psicose. Importante ressaltar, que ao
realizar uma anamnese mais profunda verifica-se que o traço psicótico estava
presente, seja na condição de hereditariedade ou como condição estruturante.
Esse agravamento dar-se-á por uma instabilidade emocional, alterações de humor,
aumento da excitabilidade, baixa autoestima. Esse funcionamento histérico por
certo é encontrado na história da hereditariedade referente à saúde mental da
genealogia a que o sujeito pertence. Mas as circunstancias da vida como a
inserção do sujeito na lei, o “despertar prematuro da atividade mental nas
crianças, com excitamentos frequentes e violentos”, potencializam a neurose. No
mundo atual o destino do volume de informações, os desafios competitivos, os jogos
“para estimular” a criatividade, mas que introduz conteúdos de violência
sádica, psicótica, o uso de substancias psicoativas, perdas, luto, traumas,
acidentes, violências, são instrumentos que podem irromper uma doença histérica.
A histeria
é um conjunto de sintomas, que pode ser permanente ou transitório, pode dizer
respeito a um indivíduo ou grupo, mas há processos histéricos cujas causas são
obscuras, com etiologia diversa. É possível também que a doença orgânica, uma
vez curada, possa desenvolver uma dor, que não possui mais a correspondência
orgânica. Catástrofes naturais ou econômicas-políticas podem desencadear uma
histeria coletiva com traços delirantes, que se afastam da realidade e deixam
suas sequelas. A terapêutica medicamentosa não cura a neurose histérica, mas a
homeopática de reequilíbrio com as forças naturais da vida é fundamental. Não é
“possível” tratar apenas um sintoma. O importante é olhar a tessitura psíquica,
a tessitura coletiva no seu todo, compreendendo que sintomas podem ser
substituídos. No processo de autoconhecimento nem sempre é possível a remoção
das “fontes psíquicas que estimulam os sintomas histéricos”, pois ao
adentrarmos o inconsciente esse irá se apresentar como um imenso
“quebra-cabeças”. Somente um esforço persistente e uma estrutura que
suporte olhar para cada marca mnêmica num tempo que não é possível mensurar
para visualizar a essência, é que é possível compreender razões nem sempre
lógicas. Por isso é complexo compreender porque um “motivo psíquico suficiente”
pode abrandar excluir outros sintomas. Ou seja, haverá sempre uma causa maior
que sobrecarrega o psiquismo com uma excessiva energia. Portanto almas serenas
requer autodescobertas das pulsões mais profundas, um aprendizado e um apaziguamento
consigo próprio.
Referência
FREUD,
S. – HISTERIA (1888),
Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996.
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