9 de fevereiro de 2015

A carta 56 - Histeria ou alteração da consciência?

…Aliás, que diria você se eu lhe contasse que toda aquela minha história da histeria, história original e novinha em folha, já era conhecida e tinha sido publicada repetidamente uma centena de vezes — há alguns séculos? Você se lembra de que eu sempre disse que a teoria medieval da possessão pelo demônio, sustentada pelos tribunais eclesiásticos, era idêntica à nossa teoria de um corpo estranho e de uma divisão (splitting) da consciência? Mas por que é que o diabo, que se apossava das pobres bruxas, invariavelmente as desonrava, e de forma revoltante? Por que as confissões delas sob tortura tanto se assemelham às comunicações feitas por meus pacientes em tratamento psíquico? Dentro em breve, precisarei pesquisar a bibliografia do assunto. Aliás, as crueldades possibilitam o entendimento de alguns sintomas da histeria, que até agora têm permanecido obscuros. Os alfinetes que aparecem das formas mais surpreendentes, as agulhas que fazem com que as pobres criaturas tenham seus seios operados, e que são invisíveis aos raios X, embora possam ser encontradas na história de sua sedução…
Mais uma vez, os inquisidores espetam agulhas para descobrir os estigmas do demônio, e, numa situação parecida, as vítimas inventam a mesma cruel e velha história (ajudadas, talvez, pelos disfarces do sedutor). Assim, não só as vítimas, mas também os seus algozes, relembram nisso os primórdios de sua adolescência.

Os sintomas daquilo que se designou por histeria, percorreu a história da humanidade com diversas configurações. Nessa enigmática carta a Fliess, Freud relata os sintomas da histeria ao tempo da inquisição, onde muitas vezes, em função desses sintomas, as mulheres eram levadas à fogueira ou calabouços. Se o estado alterado de consciência levava a sofrimentos que deixavam marcas nessas mulheres, elas confirmavam com suas dores o que seus algozes argumentavam numa cadeia de sintomas, que embora muitas vezes não pudessem ser confirmados no real, o eram no sofrimento que infligiam.

Referência
FREUD, S.  – EXTRATOS DOS DOCUMENTOS DIRIGIDOS A FLIESS – CARTA 50 (1950[1892-1899]), Obras Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996. 

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