…Aliás,
que diria você se eu lhe contasse que toda aquela minha história da histeria,
história original e novinha em folha, já era conhecida e tinha sido publicada
repetidamente uma centena de vezes — há alguns séculos? Você se lembra de que
eu sempre disse que a teoria medieval da possessão pelo demônio, sustentada
pelos tribunais eclesiásticos, era idêntica à nossa teoria de um corpo estranho
e de uma divisão (splitting) da consciência? Mas por que é que o diabo, que se
apossava das pobres bruxas, invariavelmente as desonrava, e de forma
revoltante? Por que as confissões delas sob tortura tanto se assemelham às
comunicações feitas por meus pacientes em tratamento psíquico? Dentro em breve,
precisarei pesquisar a bibliografia do assunto. Aliás, as crueldades
possibilitam o entendimento de alguns sintomas da histeria, que até agora têm
permanecido obscuros. Os alfinetes que aparecem das formas mais surpreendentes,
as agulhas que fazem com que as pobres criaturas tenham seus seios operados, e
que são invisíveis aos raios X, embora possam ser encontradas na história de
sua sedução…
Mais uma
vez, os inquisidores espetam agulhas para descobrir os estigmas do demônio, e,
numa situação parecida, as vítimas inventam a mesma cruel e velha história
(ajudadas, talvez, pelos disfarces do sedutor). Assim, não só as vítimas, mas
também os seus algozes, relembram nisso os primórdios de sua adolescência.
Os
sintomas daquilo que se designou por histeria, percorreu a história da
humanidade com diversas configurações. Nessa enigmática carta a Fliess, Freud
relata os sintomas da histeria ao tempo da inquisição, onde muitas vezes, em
função desses sintomas, as mulheres eram levadas à fogueira ou calabouços. Se o
estado alterado de consciência levava a sofrimentos que deixavam marcas nessas
mulheres, elas confirmavam com suas dores o que seus algozes argumentavam numa
cadeia de sintomas, que embora muitas vezes não pudessem ser confirmados no
real, o eram no sofrimento que infligiam.
Referência
FREUD,
S. – EXTRATOS DOS DOCUMENTOS DIRIGIDOS A FLIESS – CARTA 50 (1950[1892-1899]), Obras
Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago - 1996.
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