21 de maio de 2015

A Caminho da Psicanálise...

As palavras que defendem os interesses, as ideias dos homens de uma determinada época são muitas vezes marcadas pela vaidade, arrogância, e interesses egoístas. Há cem anos, as palavras que representavam a necessidade de construção de uma ciência do inconsciente, eram as mesmas que revelavam esses instintos rasteiros de seus construtores. Afinal eles pertenciam à humanidade. Os atores desse palco há cem anos eram Freud, Bleuler, Adler e Jung. As relações nem sempre foram amistosas e as divergências transcendem a ciência, pois diz respeito ao que supostamente era insuportável na concepção teórica de cada um. Se Freud “venceu” foi em um ambiente hostil e beligerante. O que Freud descobriu, muito tempo depois de infindáveis batalhas, é que estas eram de caráter subjetivo, pois todo discurso por maior rigor científico que contenha é subjetivo, pois o sujeito que analisa os dados, é o sujeito que fala. Embora muitos foram os métodos para tratamento dos sofrimentos psíquicos: a terapia de eletrochoques, o “método catártico”, a passagem pela hipnose à associação livre, ainda se requer muito estudo longe de egos vaidosos e narcisista e muita humildade para compreensão   dos sofrimentos psíquicos.

Na associação livre o conflito e os fatores desencadeantes “devem ser trazidos para o primeiro plano na análise”. A atenção do sujeito é conduzida para os eventos traumáticos, observando os sintomas e investigando os conflitos existentes. As associações facilitam o retrocesso e articulação das lembranças, e dos sonhos de forma retroativa a um tempo passado onde encontra-se a fonte do sofrimento. Constitui-se então, a repressão como uma barreira, a ser trabalhada na relação de transferência, tão importante no resultado terapêutico, pois requer empatia, acolhimento, escuta “fina” e interpretação construída de forma dialética analista-paciente. Os sonhos estão submetidos à flexibilidade da barreira da repressão. “A teoria da repressão é a pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise” (p.26). É a resistência que se opõe ao trabalho da análise e se apresenta como “falha de memória”. Essa amnésia é a atividade mental inconsciente. O binômio resistência e transferência é o movimento ondulatório dos sintomas. A resistência da eclosão do reprimido compõe o sistema de defesa psíquica, que se revela nos sintomas.

É necessário olhar o passado remoto, pois é o único caminho para andar pela frente, pois lá estão as fantasias, as representações e os fatos traumáticos, das experiências sexuais, os abusos, as escolhas objetais, as perdas, danos e lutos. É fundamental um olhar sobre os sonhos, pois as memórias ai reveladas são muito pouco estudadas, mesmo porque são como um quebra-cabeça a ser “decifrado”. E isso só é possível “olhando as mesmas coisas repetidas vezes até que elas comecem a falar por si mesmas” (p.32). A aplicação da psicanálise desde sua concepção esteve voltada não só a questão da neurose, mas também das psicoses e seu mecanismo psíquico. A questão do “retorno do reprimido”. A psicanálise vem revelar a dinâmica das relações incestuosas, os sintomas patológicos e como se articula com a estrutura psíquica normal.

Expressar as emoções subjacentes de forma facilitadora é uma arte. E é com essa dificuldade que Freud expõe sua decepção em relação a Jung, uma relação intensa que terminou de forma dolorosa, como havia de ser: “Essa posição, que fora de início ocupada por mim, dado o meu acerto de quinze anos de experiências, devia ser agora transferida para um homem mais jovem, que então, naturalmente, ocuparia meu lugar após a minha morte. Esse homem só poderia ser C. G. Jung, uma vez que Bleuler era de minha própria geração; tinha a seu favor dotes excepcionais, as contribuições que já prestara à psicanálise, sua posição independente e a impressão de firme energia que sua personalidade transmitia. Além disso, parecia estar disposto a entrar num bom relacionamento pessoal comigo e, em consideração a mim, a abrir mão de certos preconceitos raciais que alimentara anteriormente. Eu não tinha, na ocasião, a menor ideia de que apesar de todas essas vantagens a escolha era a mais infeliz possível, que eu havia escolhido uma pessoa incapaz de tolerar a autoridade de outra, mais incapaz ainda de exercê-la ele próprio, e cujas energias se voltavam inteiramente para a promoção de seus próprios interesses. Isso, e nada mais, foi o que esperava alcançar com a fundação da “Associação Psicanalítica Internacional” (p.52). Um discurso subjetivo, reflete uma relação mestre-discípulo, pai-filho. Assim as lutas, disputas, vaidades colocam esses homens, que supõe-se com suas questões internas apaziguadas, em lados opostos de forma beligerante, com dificuldade de suportar suas verdades.
                                              
Na história da psicanálise muitas foram e continuam sendo as divergências existentes entre os psicanalista: de Bleuler, Freud, Adler, Jung, Winnicott, Lacan, Francoise Dolto, Melanie Klein, embora todos se autodenominem freudianos. Então mais uma vez o desapontamento de Freud, como diz ele “tivesse sido evitado se eu tivesse prestado mais atenção às reações de pacientes sob tratamento analítico. Sabia muito bem, naturalmente, que qualquer pessoa, ao primeiro contato com as realidades desagradáveis da análise, pode reagir fugindo; eu próprio sempre havia sustentado que na compreensão da análise, cada indivíduo é limitado por suas próprias repressões (ou antes, pelas resistências que as sustentam) de modo que não pode ir além de um certo ponto em sua relação com a análise. Mas eu não esperava que alguém que houvesse alcançado certa profundidade na compreensão da análise pudesse renunciar a essa compreensão e perdê-la. E, no entanto, a experiência cotidiana com pacientes havia demonstrado que a rejeição total do conhecimento analítico pode ocorrer sempre que surge uma resistência especialmente forte em qualquer profundidade da mente. Às vezes conseguimos, depois de muito trabalho, fazer com que um paciente aprenda algumas partes do conhecimento analítico e possa lidar com elas como posses suas, e mesmo assim podemos vê-lo, sob o domínio da própria resistência seguinte, lançar tudo o que aprendeu às urtigas e ficar na defensiva como o fez nos dias em que era um principiante despreocupado. Tive de aprender que a mesmíssima coisa pode acontecer tanto com psicanalistas como com pacientes em análise” (p.57). Isso revela o quanto é difícil o autoconhecimento o autodomínio e a sublimação dos instintos primitivos (ambição, vaidade, egoísmo, arrogância). Pensar em quanto foi difícil para Freud é pensar que uma parte de suas dificuldades foram expurgadas por um câncer na garganta, que o consumiu.

Obedecer às exigências do ego, que manipula a repressão, pois a doença oferece uma vantagem primária ao ego, como origem do sintoma e uma vantagem secundária na persistência do sintoma. A eliminação da vantagem constitui-se em um mecanismo de cura. Sem o sistema de repressão na arquitetura psíquica estruturada há muitas gerações e repassado a cada geração para que a civilização mantenha a repressão funcionando, na medida em que reprime os instintos primitivos a serem elaborados no percurso da humanidade, significa simbolicamente renunciar ao inacessível que é a mãe e renunciar ao pai interior no interesse da civilização tornando o sujeito independente. A doença é assim o primeiro item de realidade com o qual o sujeito deve lidar. E assim expõe Freud suas esperanças e nossas também, “que a sorte proporcione um caminho de elevação muito agradável a todos aqueles que acharam a estada no submundo da psicanálise desagradável demais para o seu gosto. E possamos nós, os que ficamos desenvolver até o fim, sem atropelos, nosso trabalho nas profundezas” (p.73). Esse trabalho das profundezas, da leitura do inconsciente, de seus mecanismos, pouco avançou nos últimos cem anos, muito há que descobrir pesquisar, alargar os horizontes estreitos dos preconceitos para que sejam possíveis novos paradigmas e cortes epistemológicos.

Referência
FREUD, S. A HISTÓRIA DO MOVIMENTO PSICANALÍTICO (1914-1916). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.

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