18 de junho de 2015

O “ego não é senhor de sua própria casa”

“No nível do totemismo primitivo, o homem não tinha repugnância de atribuir sua ascendência a um ancestral animal.”

O caminho do autoconhecimento é complexo e difícil. A “primeira” grande barreira é a repressão. Para “vencê-la” há que percorrer o caminho da descoberta intelectual, descobrir a capacidade de reflexão sobre si mesmo, sobre a formação de juízo de valor. Saber diferenciar a própria imparcialidade e parcialidade, seu mundo subjetivo e aquilo que parece ter objetividade. Mas a maior dificuldade para o autoconhecimento diz respeito aos afetos. “Onde falta simpatia, a compreensão não virá facilmente”. Nem sempre é tarefa fácil o esclarecimento, a revelação interna dos conflitos psíquicos. O ponto de partida faz parte de uma procura fenomenológica que leva aos instintos primários do homem, quando este ainda se revelava em sua história ancestral. Os instintos autopreservação do ego, sempre foram os que oferecem maiores demandas. O desenvolvimento de uma estrutura psíquica patológica possui múltiplos fatores, nem sempre visíveis no intricado processo da memória. Mas o destino que o sujeito dá a sua energia sexual e as experiências sexuais, as tragédias, vivenciadas em idade remota é importante, podendo significar uma ameaça para o ego, sua autopreservação e autoestima. Se essa configuração se revela, o ego procura satisfações substitutivas, que são os sintomas no corpo e seus substitutos.

O conhecimento sobre o psiquismo é dinâmico e deve estar se possível, longe dos preconceitos, mesmo porque as descobertas ao longo da história possibilitou o repensar das crenças dos homens. Desde o “sol como centro do universo”, representação do homem em seu narcisismo, a colocar-se acima do reino animal e vegetal no contexto da evolução, os mitos, que contêm resíduos dessa antiga atitude mental, os deuses assumem formas de animais, e na arte de épocas primevas são representados com cabeças de animais. Uma criança não vê diferença entre a sua própria natureza e a dos animais.” Assim o homem que se alimenta de seus irmãos animais com argumentos que justificam a indústria do lucro e ganhos de capital nada mais é do que o enriquecimento a custa de muito sangue derramado. Não se trata da sobrevivência artesanal. “O homem não é um ser diferente dos animais, ou superior a eles; ele próprio tem ascendência animal, relacionando-se mais estreitamente com algumas espécies, e mais distanciadamente com outras. As conquistas que realizou posteriormente não conseguiram apagar as evidências, tanto na sua estrutura física quanto nas suas aptidões mentais, da analogia do homem com os animais”. Sentindo-se superior em sua capacidade mental, alimentou por muitos séculos a concepção de raça superior, o que causou e causa grandes estragos a humanidade. Desejando humanizar-se, animalizou-se, sentindo-se superior. Então seu ego confere a todo instante, se essa suposta superioridade se alinha às suas exigências. Se não, são inibidos. Para isso a consciência “informa” ao ego todos os processos do inconsciente, possibilitando ao ego modificar, executar ou não, pois os processos mentais são complexos, interligados e ligados a instancias que se relacionam entre si de forma a defender o ego. O labirinto de lembranças, impulsos, desejos, faz um intercambio muito longe do que se possa supor o senso comum ou articulações interpretativas lineares.

O ego rejeita e toma precauções em relação aos impulsos e intrusões estranhas. Aumenta a vigilância. Essas intrusões são parte da própria mente e de suas conexões internas e externas. Essas intrusões ao se rebelarem percorrem vias ainda obscuras para escapar da repressão. Podem entrar em conflito com o ego por serem aparentemente contraditórias e o resultado é o sofrimento enquanto sintoma. A ilusão da segurança começa em nosso psiquismo, pois todos sentem-se seguros “de que está informado de tudo o que se passa em sua mente”, acredita-se que a “consciência dá-lhe notícia disso”. E se não se conhece as informações que existe na mente “é porque não existe”. Assim consciente não é igual a mental, pois a vastidão do inconsciente não é mensurável. A mente trabalha todo o tempo. Na vigília ou no sono. Os conteúdos trabalhados em sua maioria são inconscientes, pois só uma pequena parte habita o consciente, aquilo do qual o sujeito pode dar sustentação sem cindir-se. “Você se comporta como um governante absoluto, que se contenta com as informações fornecidas pelos seus altos funcionários e jamais se mistura com o povo para ouvir a sua voz. Volte seus olhos para dentro, contemple suas próprias profundezas, aprenda primeiro a conhecer-se!” Então o “ego não é senhor de sua própria casa”. Nesse sentido o ego resiste a incursões pelo inconsciente, que poderiam supostamente ameaçá-lo, e constrói a resistência possível, onde possa ter um suposto controle.

Referência
FREUD, UMA DIFICULDADE NO CAMINHO DA PSICANÁLISE (1917). Obras Completas de Psicanálise - volume XVII Rio de Janeiro, Imago-1996.

Um comentário:

Diego disse...

Claudia Rodrigues, gratidão!