“No nível
do totemismo primitivo, o homem não tinha repugnância de atribuir sua
ascendência a um ancestral animal.”
O caminho
do autoconhecimento é complexo e difícil. A “primeira” grande barreira é a
repressão. Para “vencê-la” há que percorrer o caminho da descoberta
intelectual, descobrir a capacidade de reflexão sobre si mesmo, sobre a
formação de juízo de valor. Saber diferenciar a própria imparcialidade e
parcialidade, seu mundo subjetivo e aquilo que parece ter objetividade. Mas a
maior dificuldade para o autoconhecimento diz respeito aos afetos. “Onde falta simpatia, a compreensão
não virá facilmente”. Nem
sempre é tarefa fácil o esclarecimento, a revelação interna dos conflitos
psíquicos. O ponto de partida faz parte de uma procura fenomenológica que leva
aos instintos primários do homem, quando este ainda se revelava em sua história
ancestral. Os instintos autopreservação do ego, sempre foram os que oferecem
maiores demandas. O desenvolvimento de uma estrutura psíquica patológica possui
múltiplos fatores, nem sempre visíveis no intricado processo da memória. Mas o
destino que o sujeito dá a sua energia sexual e as experiências sexuais, as
tragédias, vivenciadas em idade remota é importante, podendo significar uma
ameaça para o ego, sua autopreservação e autoestima. Se essa configuração se
revela, o ego procura satisfações substitutivas, que são os sintomas no corpo e
seus substitutos.
O
conhecimento sobre o psiquismo é dinâmico e deve estar se possível, longe dos
preconceitos, mesmo porque as descobertas ao longo da história possibilitou o
repensar das crenças dos homens. Desde o “sol
como centro do universo”, representação
do homem em seu narcisismo, a colocar-se acima do reino animal e vegetal no
contexto da evolução, os “mitos,
que contêm resíduos dessa antiga atitude mental, os deuses assumem formas de
animais, e na arte de épocas primevas são representados com cabeças de animais.
Uma criança não vê diferença entre a sua própria natureza e a dos animais.” Assim o homem que se alimenta de seus
irmãos animais com argumentos que justificam a indústria do lucro e ganhos de
capital nada mais é do que o enriquecimento a custa de muito sangue derramado.
Não se trata da sobrevivência artesanal. “O
homem não é um ser diferente dos animais, ou superior a eles; ele próprio tem
ascendência animal, relacionando-se mais estreitamente com algumas espécies, e
mais distanciadamente com outras. As conquistas que realizou posteriormente não
conseguiram apagar as evidências, tanto na sua estrutura física quanto nas suas
aptidões mentais, da analogia do homem com os animais”. Sentindo-se superior em sua capacidade
mental, alimentou por muitos séculos a concepção de raça superior, o que causou
e causa grandes estragos a humanidade. Desejando humanizar-se, animalizou-se,
sentindo-se superior. Então seu ego confere a todo instante, se essa suposta
superioridade se alinha às suas exigências. Se não, são inibidos. Para isso a
consciência “informa” ao ego todos os processos do inconsciente, possibilitando
ao ego modificar, executar ou não, pois os processos mentais são complexos,
interligados e ligados a instancias que se relacionam entre si de forma a
defender o ego. O labirinto de lembranças, impulsos, desejos, faz um
intercambio muito longe do que se possa supor o senso comum ou articulações
interpretativas lineares.
O ego
rejeita e toma precauções em relação aos impulsos e intrusões estranhas.
Aumenta a vigilância. Essas intrusões são parte da própria mente e de suas
conexões internas e externas. Essas intrusões ao se rebelarem percorrem vias
ainda obscuras para escapar da repressão. Podem entrar em conflito com o ego
por serem aparentemente contraditórias e o resultado é o sofrimento enquanto
sintoma. A ilusão da segurança começa em nosso psiquismo, pois todos sentem-se
seguros “de que está informado
de tudo o que se passa em sua mente”, acredita-se que a “consciência dá-lhe notícia disso”. E se não se conhece as informações que
existe na mente “é porque não
existe”. Assim consciente não
é igual a mental, pois a vastidão do inconsciente não é mensurável. A mente
trabalha todo o tempo. Na vigília ou no sono. Os conteúdos trabalhados em sua
maioria são inconscientes, pois só uma pequena parte habita o consciente,
aquilo do qual o sujeito pode dar sustentação sem cindir-se. “Você se comporta como um
governante absoluto, que se contenta com as informações fornecidas pelos seus
altos funcionários e jamais se mistura com o povo para ouvir a sua voz. Volte
seus olhos para dentro, contemple suas próprias profundezas, aprenda primeiro a
conhecer-se!” Então o “ego
não é senhor de sua própria casa”. Nesse
sentido o ego resiste a incursões pelo inconsciente, que poderiam supostamente
ameaçá-lo, e constrói a resistência possível, onde possa ter um suposto
controle.
Referência
FREUD, UMA DIFICULDADE NO CAMINHO
DA PSICANÁLISE (1917). Obras Completas de Psicanálise - volume XVII Rio de
Janeiro, Imago-1996.
Um comentário:
Claudia Rodrigues, gratidão!
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