Em 1920
Freud escreveu um artigo, que pode ser um livro, com o título “ALÉM DO
PRINCÍPIO DE PRAZER”. Inúmeras são as reflexões a partir desse escrito e muito
há que aprofundar nos enigmas que permanecem. Percorreremos algumas de suas
reflexões. Para algo que está
“além do princípio do prazer”, temos que interrogar qual é o princípio do
prazer. Para um planeta em ebulição, onde o prazer diz respeito às concepções
materialistas de viver, os ódios, ressentimentos, medos reais ou imaginários, o
princípio do prazer coloca-se na ordem do direito, pois a lei interna,
simbólica, a lei do real, a cada dia é transgredida com o argumento da
modernidade. Então permeia o traço perverso, que começa a ficar “tão comum”,
como um prazer. Mas acima dessas circunstancias a antítese prazer-desprazer,
vida-morte, aumento-diminuição, faz parte de um ciclo, que possui um circuito
na alma humana e flui pelo corpo como uma descarga ou expurgo. Então uma tensão
muito desagradável irá sempre em busca de uma circunstancia prazerosa, que nem
por isso deixa de ser mais patológica. Desta forma é possível pensar o
desprazer em si, como algo saudável, pois implicaria em uma renúncia. No
circuito prazer-desprazer o psiquismo pode enganar a si mesmo, tentando
defender-se do sofrimento ou dor, em um processo de gasto e economia de energia
psíquica, mensurável pelo cruzamento de sintomas e só possível de compreensão
em uma metapsicologia.
O
desprazer é acompanhado de ansiedade, angústia e um sentimento de desagregação
do ego, um medo que ameaça a existência e sua segurança. O prazer é um
sentimento de alegria, de um fluir, de paz e comunhão com o universo. Estas
circunstancias psíquicas, estão submetidas a complexos percursos, em que a
quantidade de excitação e neurotransmissores, bem como a capacidade de resinificação, resiliência e sublimação de cada pessoa é
importante ao lidar com o desprazer. O corpo possui, também, uma composição que
permite o tráfego de impulsos conscientes ou inconscientes, impulsos esses
elétricos e químicos que trabalham sempre pela estabilidade. Como o nirvana é
um estado da supra-consciência, então o corpo e o psiquismo trabalham sempre no
limite entre o prazer e o desprazer. É claro que nem sempre o prazer e o
desprazer se aplica ao conceito descrito acima, pois muitas vezes o sofrimento
é “motivo de prazer”, em que se configura o sadismo ou o masoquismo e sua
arquitetura de repetição e retorno. Apesar de existir “na
mente uma forte tendência no sentido do princípio de prazer, embora essa
tendência seja contrariada por certas outras forças ou circunstâncias, de
maneira que o resultado final talvez nem sempre se mostre em harmonia com a
tendência no sentido do prazer” (p.19).
O princípio do prazer, quando influenciado pelos instintos de autopreservação
do ego é substituído pelo “princípio de realidade”, refazendo seu caminho,
muitas vezes sinuoso ao prazer.
A energia
inata que alimenta a arquitetura psíquica e assim o organismo faz parte de toda
a energia que compõe o universo. Fragmentos dessa impulsiona o sujeito, seja
pela constituição deste, ou pelos estímulos externos que recebe de ordem
elétrica ou química. É nesse arcabouço que instintos incompatíveis por suas
exigências, para o ego, são reprimidos. Ao insistirem na busca de uma
satisfação por meio de uma substituição, serão vivenciados como desprazer. Para
uma possibilidade de prazer ser sentida como desprazer, há que ser percebido
como um perigo pela censura moral.
As
neuroses traumáticas sejam de tragédias pessoais ou conflitos de guerras,
apresentam o fator surpresa, a tensão, medo e ansiedade. “Manter” no
esquecimento esses fatos é possibilitar uma suposta situação de tranquilidade,
mas “manter” na lembrança os fatos traumáticos interfere no equilíbrio entre
prazer e desprazer. Uma situação traumática esquecida pode continuar gerando
inúmeros sintomas de desprazer, pela pressão do inconsciente de fazê-los vir à
tona. Como a lógica psíquica é manter um equilíbrio mental, rememorar, elaborar
é uma forma de evasão do reprimido. Lembrar-se de uma experiência passada no
presente, é rever, e de certa forma, sentir algo do impacto que causou no
passado, submetido às circunstancias do presente. O tempo atua, assim, como uma
ampulheta. Mesmo um passado esquecido é refletido no presente pelas repetições
no comportamento. O desejo do inconsciente é que o esquecido seja lembrado, que
haja uma descarga no real e o sujeito possa compreender a essência de sua vida,
deixando para traz o alheamento e a alienação sobre si mesmo. Mas isso é mais
complexo, pois grande parte do ego é inconsciente. Ao ficar uma pequena parte
pré-consciente, a compulsão a repetição é uma demanda do inconsciente a vencer
a resistência para se tornar consciente. Esse trabalho de afrouxamento da
repressão através da compulsão à repetição está vinculado ao princípio de que o
que deve prevalecer é o prazer. Cabe interrogar a qual custo-benefício.
Contornar o desprazer é possível pelo “princípio de realidade”, ou por
sintomas, que muitas vezes causam ainda mais sofrimento.
Referência
FREUD, S. ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER (1920).
Obras Completas de Psicanálise - volume XVIII. Rio de Janeiro, Imago-1996.