30 de agosto de 2015

O Equilíbrio entre Prazer e Desprazer

Em 1920 Freud escreveu um artigo, que pode ser um livro, com o título “ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER”. Inúmeras são as reflexões a partir desse escrito e muito há que aprofundar nos enigmas que permanecem. Percorreremos algumas de suas reflexões. Para algo que está “além do princípio do prazer”, temos que interrogar qual é o princípio do prazer. Para um planeta em ebulição, onde o prazer diz respeito às concepções materialistas de viver, os ódios, ressentimentos, medos reais ou imaginários, o princípio do prazer coloca-se na ordem do direito, pois a lei interna, simbólica, a lei do real, a cada dia é transgredida com o argumento da modernidade. Então permeia o traço perverso, que começa a ficar “tão comum”, como um prazer. Mas acima dessas circunstancias a antítese prazer-desprazer, vida-morte, aumento-diminuição, faz parte de um ciclo, que possui um circuito na alma humana e flui pelo corpo como uma descarga ou expurgo. Então uma tensão muito desagradável irá sempre em busca de uma circunstancia prazerosa, que nem por isso deixa de ser mais patológica. Desta forma é possível pensar o desprazer em si, como algo saudável, pois implicaria em uma renúncia. No circuito prazer-desprazer o psiquismo pode enganar a si mesmo, tentando defender-se do sofrimento ou dor, em um processo de gasto e economia de energia psíquica, mensurável pelo cruzamento de sintomas e só possível de compreensão em uma metapsicologia.

O desprazer é acompanhado de ansiedade, angústia e um sentimento de desagregação do ego, um medo que ameaça a existência e sua segurança. O prazer é um sentimento de alegria, de um fluir, de paz e comunhão com o universo. Estas circunstancias psíquicas, estão submetidas a complexos percursos, em que a quantidade de excitação e neurotransmissores, bem como a capacidade de resinificação, resiliência e sublimação de cada pessoa é importante ao lidar com o desprazer. O corpo possui, também, uma composição que permite o tráfego de impulsos conscientes ou inconscientes, impulsos esses elétricos e químicos que trabalham sempre pela estabilidade. Como o nirvana é um estado da supra-consciência, então o corpo e o psiquismo trabalham sempre no limite entre o prazer e o desprazer. É claro que nem sempre o prazer e o desprazer se aplica ao conceito descrito acima, pois muitas vezes o sofrimento é “motivo de prazer”, em que se configura o sadismo ou o masoquismo e sua arquitetura de repetição e retorno. Apesar de existir “na mente uma forte tendência no sentido do princípio de prazer, embora essa tendência seja contrariada por certas outras forças ou circunstâncias, de maneira que o resultado final talvez nem sempre se mostre em harmonia com a tendência no sentido do prazer” (p.19). O princípio do prazer, quando influenciado pelos instintos de autopreservação do ego é substituído pelo “princípio de realidade”, refazendo seu caminho, muitas vezes sinuoso ao prazer.

A energia inata que alimenta a arquitetura psíquica e assim o organismo faz parte de toda a energia que compõe o universo. Fragmentos dessa impulsiona o sujeito, seja pela constituição deste, ou pelos estímulos externos que recebe de ordem elétrica ou química. É nesse arcabouço que instintos incompatíveis por suas exigências, para o ego, são reprimidos. Ao insistirem na busca de uma satisfação por meio de uma substituição, serão vivenciados como desprazer. Para uma possibilidade de prazer ser sentida como desprazer, há que ser percebido como um perigo pela censura moral.

As neuroses traumáticas sejam de tragédias pessoais ou conflitos de guerras, apresentam o fator surpresa, a tensão, medo e ansiedade. “Manter” no esquecimento esses fatos é possibilitar uma suposta situação de tranquilidade, mas “manter” na lembrança os fatos traumáticos interfere no equilíbrio entre prazer e desprazer. Uma situação traumática esquecida pode continuar gerando inúmeros sintomas de desprazer, pela pressão do inconsciente de fazê-los vir à tona. Como a lógica psíquica é manter um equilíbrio mental, rememorar, elaborar é uma forma de evasão do reprimido. Lembrar-se de uma experiência passada no presente, é rever, e de certa forma, sentir algo do impacto que causou no passado, submetido às circunstancias do presente. O tempo atua, assim, como uma ampulheta. Mesmo um passado esquecido é refletido no presente pelas repetições no comportamento. O desejo do inconsciente é que o esquecido seja lembrado, que haja uma descarga no real e o sujeito possa compreender a essência de sua vida, deixando para traz o alheamento e a alienação sobre si mesmo. Mas isso é mais complexo, pois grande parte do ego é inconsciente. Ao ficar uma pequena parte pré-consciente, a compulsão a repetição é uma demanda do inconsciente a vencer a resistência para se tornar consciente. Esse trabalho de afrouxamento da repressão através da compulsão à repetição está vinculado ao princípio de que o que deve prevalecer é o prazer. Cabe interrogar a qual custo-benefício. Contornar o desprazer é possível pelo “princípio de realidade”, ou por sintomas, que muitas vezes causam ainda mais sofrimento.

Referência
FREUD, S. ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER (1920). Obras Completas de Psicanálise - volume XVIII. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

25 de agosto de 2015

Carreira e Paixão



É desse amor que Freud falou em O Mal Estar da Civilização: É que nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor. Isso, porém, não liquida com a técnica de viver baseada no valor do amor como um meio de obter felicidade.” Assim o valor fundamental, e que não é possível perder, é amar a vida, amar o que fazemos, repleto de sonhos e esperanças naquilo, que chamamos de futuro. É saber que todo trabalho se não tiver a serviço da construção de uma humanidade elevada intelectualmente, moralmente e espiritualmente, só serve ao egoismo, ao hedonismo e ao materialismo. Não dá bons frutos. é como uma figueira seca. De nada serve.  O conhecimento, a elevação intelectual, moral e das virtudes, a espiritualidade, o trabalho, se não for para além da própria evolução a evolução da humanidade, de nada serve, pois somos todos irmãos, exilados no planeta terra.

23 de agosto de 2015

A Difícil Tarefa da Reparação


O que leva um garoto a mentir supondo que assim teria o amor de seu pai? Complexa a resposta. Mas essa é a interrogação que fica no filme “O Caçador de Pipas” de Marc Foster (2007). Aqui é necessário “deixar a margem” se é que isso é possível o contexto da guerra no Afeganistão, os países envolvidos, e a guerra civil que se instalou após a saída das tropas estrangeiras e a difícil reconstrução do país, os valores da sociedade afegã, bem como o olhar do diretor sobre o livro em que se baseou o filme. No filme o que vemos na subjetividade dos personagens Amir (Zekeria Ebrahimi) e Hassan (Ahmad Khan Mahmidzada), dois amigos, que passam a infância brincando nos torneios de pipas de Kabul. Quando vencem o torneio, Hassan sofre uma violência ao garantir a pipa para o amigo (Amir). Amir em sua insegurança pelo amor do pai, pois se interroga sobre esse, em função da morte de sua mãe durante o parto, e a ausência de um símbolo feminino, vê na violência que o amigo sofre uma possibilidade na sua omissão e ausência de remorsos, planejar uma mentira para expulsar Hassan de sua casa, pois esse era tido como filho do empregado do pai e muito estimado por esse. O que faz com que o caráter de Amir tenha traços perversos é complexo, pois apesar da ética moral do pai em seu dia a dia, há uma falta e uma culpa simbólica que Amir não consegue dá conta. Ou seja, seus conflitos são de ordem simbólica, mas determinam seu destino de forma irremediável. Hassan embora tenha sofrido a violência, e as consequências da mentira de Amir, não se desestrutura, não afeta seu caráter. Possui uma contextura de sublimação sólida. Embora o objetivo do filme não seja colocar essa discussão, ela torna-se inevitável, nas contexturas de caráter que se revelam. Não é possível “inferir da história da primeira infância desses indivíduos que os mesmos desprenderam um tempo relativamente longo para superar sua incontinência alvi [incontinência fecal] infantil, e que na infância posterior sofreram falhas isoladas nessa função”, como argumenta Freud. Mas a questão é que estamos diante de uma criança, cujo pai é um criado e outra cujo pai é o senhor. Isso certamente irá influenciar no caráter, e a festa de aniversário de Amir, revela isso. Assim é possível inferir acerca de caráter, neurose e humildade, e perversão é da ordem da falta e a arrogância é uma luta contra a falta. Então como um indivíduo que não se estruturou na falta pode ressignificar seu caráter e reparar o irreparável? Como não é possível voltar ao “passado”? O caminho que lhe acena é reestruturar-se no “presente” na tentativa de reconstruir-se para viver o “futuro”. “Abri a boca e quase disse algo. Quase. O resto da minha vida poderia ter sido diferente se eu tivesse dito alguma coisa naquela hora. Mas, não disse. Só fiquei olhando. Paralisado”. Esse é o reflexo do seu caráter. Muitas interrogações podem e devem ser feitas.

Referência

FREUD, S. CARÁTER E EROTISMO ANAL (1908). Obras Completas de Psicanálise - volume IX. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

19 de agosto de 2015

O Homem Sagrado


O Homem Sagrado não tem coração
Toma o povo como seu coração
Com os bons faço o bem
Com os que não são bons faço o bem também
Adquirindo o bem
Com os sinceros sou sincero
Com os que não são sinceros sou sincero também
Adquirindo a sinceridade
O Homem Sagrado sob o céu
Age cautelosamente fundindo os corações do mundo
O povo todo com olhos e ouvidos atentos
O Homem Sagrado os trata como crianças
TAO TE CHING - O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng

18 de agosto de 2015

Fragmentos Lacanianos

“A partir do momento em que nos ocupamos do homem, tenhamos desconhecido essa dimensão que parece, em qualquer outro lugar, viva, admitida, manejada corretamente no sentido das ciências humanas, a saber: a autonomia da dimensão dialética como tal.”
“A coisa que se esquece é que o próprio do comportamento humano é a movência dialética das ações, dos desejos, e dos valores que os faz não somente mudar a todo momento, mas de maneira contínua, e até mesmo passar a valores estritamente opostos em função de um rodeio do diálogo... A possibilidade de recolocar em questão a cada instante o desejo, a afeição, e mesmo a significação mais perseverante de uma atividade humana, a perpétua possibilidade de uma inversão se sinal em função da totalidade dialética da posição do indivíduo, é experiência tão comum que se fica estupefato de ver essa dimensão esquecida, desde que se tem de lidar com um semelhante, que se quer objetivar.”
“Esquecida ela nunca foi. Nós encontramos o seu traço cada vez que o observador se deixa guiar pelo sentimento daquilo de que se trata. É na combinação dos fenômenos que reside o segredo.” (p.34)

A sociedade atual é a sociedade do controle, do medo, do legalizar as demandas, sem compreender e interpretar suas lógicas subjetivas e patológicas, sem compreender de qual movimento subjetivo faz parte, sua dialética interna. É sobre essa dialética que se refere Lacan. Ela é especifica em cada sujeito e assume uma velocidade e evolução própria, que não deve ser generalizada, embora esteja no contexto de sua época, está submetida às leis do universo. Assim não é possível colocar-se a frente do desejo do outro, alimentar a fantasia, o delírio que é possível ter o “controle”, sobre algo que se move continuamente e que a neurose obsessiva, os traços psicóticos, a psicose maníaca depressiva, vive a angústia da tentativa, pela compulsão. É uma forma de barrar o movimento, a fala, a expressão, o desejo do outro. Aniquilar o outro através de um suposto controle, uma suposta normalidade, não deixa de ser, uma forma de aniquilar a si próprio, de barrar o próprio desejo, de impedir sua própria dialética, suas contradições o que não é possível, pois o sujeito que fala é um sujeito denunciante de si mesmo.


Lacan, J. O Seminário 3 – As Psicoses – Rio de Janeiro, Zahar – 2008.