29 de novembro de 2015

“Escolha” Objetal Primária

Aquilo para o qual Freud considera “complexo de Édipo” trata-se da escolha do objeto sexual. Se essa escolha direciona-se para o pai ou para a mãe ou o que contem de desejo em relação aos dois é uma questão que remete a subjetividade do sujeito. Em um percurso “linear” a menina desejará o objeto de desejo da mãe e o menino o objeto de desejo do pai, mas essa suposta linearidade é muito mais complexa, pois há que se interrogar como essas figuras parentais elaboraram suas escolhas objetais e como se delineiam, em função dessas, os romances familiares, e como a lei simbólica é internalizada pelo sujeito. Freud nos diz que o complexo de Édipo “se encaminhará para a destruição por sua falta de sucesso”, mas o que vemos é que, o que ele designa por sucesso ou insucesso é da ordem do recalque, da lei simbólica, ou seja, as contingências da vida ou o destino que o sujeito dará ao seu desejo. A elaboração da provação edipiana é questão para uma vida ou não. O que a clínica tem revelado é que os conflitos com as figuras parentais tem uma pulsão, que remete ao desejo objetal. Tentar realizar no outro, na escolha do parceiro ou parceira aquilo que não foi possível realizar com sua escolha de desejo primária é sempre uma questão de confronto com o próprio desejo e escolhas. É no contexto das experiências sexuais da infância ou no contexto da “castração” que a escolha será nebulosa e recalcada, revelando tão logo uma sintomatologia de sofrimento inconsciente ou uma pacificação com o próprio desejo. Essa circunstância existencial do desenvolvimento vem num crescendo desde o nascimento e suas perdas do seio materno, a passagem ao controle esfincteriano, do desenvolvimento motor e da fala. Portanto é uma gama de mudanças nem sempre fácil de resinificar; e que o brincar nem sempre vai dar conta dessa complexidade de questões e conflitos. Uma “escolha” objetal primária deve demandar um tempo psíquico para ser elaborada.

Referência
FREUD, S. A DISSOLUÇÃO DO COMPLEXO DE ÉDIPO (1924). Obras Completas de Psicanálise - volume XIX. Rio de Janeiro, Imago-1996. 

22 de novembro de 2015

Anotações sobre a Razão

Ao pensar na história da humanidade, pensamos na nossa própria história, nos percursos das ideias e ideais que buscamos construir no sentido da incessante busca de sublimação e evolução. Por certo nossa civilização encontra-se em um momento de interrogações sobre os caminhos seguidos nos últimos séculos. A ciência do pensamento, se é que podemos chamar assim, a filosofia, depara-se hoje com incógnitas sobre a manutenção da vida no planeta. Podemos dizer que o século XX e XXI caracteriza-se pela insegurança quanto à continuidade da vida no planeta, frente ao esgotamento dos recursos naturais. Nos primórdios o homem interrogava sobre a existência de Deus e a vida em outros mundos, a seguir a teologia e a moral ocuparam as especulações racionais e a exegese passou a ser uma forma de esterilizar essas reflexões. Mas a metafísica vem recolocá-las mais distantes das paixões. Se a forma de conhecer os objetos do conhecimento da razão mudou ao longo dos séculos, ora com ênfase na sensibilidade, nos sentidos, ora no intelectualismo, no entendimento, onde os objetos verdadeiros são fruto de uma “intuição de um entendimento puro”, não necessitando dos sentidos. Do empirismo de Aristóteles, a noologia de Platão, do Ser enquanto Ser percorre-se o método naturalista e científico. “O naturalista da razão pura toma por princípio que, por meio da razão comum sem ciência, pode conseguir-se muito melhores resultados, com respeito às questões mais sublimes, que constituem o tema da metafísica, do que pela especulação. Afirma, assim, que se pode determinar mais seguramente a grandeza da lua e a distância a que se encontra da terra pela simples medida visual do que pelos tramites da matemática” (p.673). A grandeza do método cientifico é a via crítica, sistemática, sem cair no dogmatismo ou no cepticismo. Ao olharmos os eventos do mundo atual vemos a balança pender para um lado ora para outro, sem encontrar seu equilíbrio. Então todos os objetos são distanciados pelos extremismos, que se aproximam de ideias delirantes. A razão enquanto categoria do humano não encontra assim a ‘Si’ mesma; percorrendo caminhos obscuros. Por certo ainda não alcançamos experiência da razão pura que prescinda da prática, porque sem a lei e a moral a civilização não se constitui enquanto tal.
Referencia

KANT, Immanuel – CRÍTICA DA RAZÃO PURA ( A História da Razão Pura) – Edição  da Fundação Calouste Gulbenkian – 6ª Edição – Lisboa/2008

8 de novembro de 2015

Freud – Jung: A Psique e suas Fronteiras

Há quase 100 anos esses dois pesquisadores, instigantes e suas interrogações sobre a psique humana, mergulharam suas vidas em um trabalho interminável, como o próprio objeto de estudo. Novamente partilhamos essas duas cartas que falam por si só.

 7 de outubro de 1906, Viena, IX. Berggasse Caro colega,

Sua carta me deu grande prazer. Folgo especialmente em saber que o senhor fez a conversão de Bleuler. Seus escritos já me haviam sugerido que sua aceitação de minha psicologia não se estende a todos os meus pontos de vista sobre a histeria e o problema da sexualidade, mas me atrevo a esperar que, com o passar dos anos, o senhor chegue muito mais perto de mim do que julga possível atualmente. Tendo em vista sua esplendida analise de um caso de neurose obsessiva,' ninguém melhor que o senhor ha de saber quão perfeitamente se oculta o fator sexual e, uma vez descoberto, quão valioso pode ser para nossa compreensão e terapia. Continuo esperando que esse aspecto de minhas investigações venha a se mostrar o mais significativo. Por questão de principio, mas também pelo desagrado que me causa a entonação pessoal, não responderei ao ataque de Aschaffenburg. Desnecessário porem dizer que o julgaria em termos bem mais severos que os seus. No estudo dele nada encontro senão vacuidades alem de uma ignorância invejável dos assuntos que critica. Ele ainda pega em armas contra o método hipnótico, que foi abandonado há dez anos, e nenhuma compreensão demonstra do simbolismo mais simples cuja importância qualquer estudante de linguística ou folclore lhe poderia incutir, já que ele não se dispõe a me dar credito. Como a tantos de nossos sábios motiva-o principalmente a inclinação de reprimir a sexualidade, esse fator incomodo que a boa sociedade não recebe bem. Temos aqui dois mundos antagônicos, e logo será obvio para todos qual se acha em declínio, qual em ascensão. Mesmo assim sei que tenho pela frente uma longa luta e, em virtude de minha idade (50), não acredito muito que chegue a presenciar o fim. Mas meus seguidores o verão, e o que espero, tal como espero que os que forem capazes de vencer a resistência interior a verdade queiram se por sem exceção entre meus seguidores, eliminando do pensamento os últimos vestígios de pusilanimidade. Nada mais sei sobre Aschaffenburg, mas a opinião que esse estudo me deixa a respeito dele e muito pobre. Aguardo ansiosamente seu próximo livro sobre demência precoce. Devo confessar que, sempre que vem a luz uma obra como a sua ou a de Bleuler, sou possuído pela grande e para mim indispensável satisfação de saber que o árduo trabalho de uma vida inteira não foi totalmente inútil.
Sinceramente, Dr. Freud

Burgholzli-Zurique, 23 de outubro de 1906
Caro Professor Freud,

Nesta mesma data tomo a liberdade de lhe remeter outra separata com algumas novas pesquisas sobre psicanálise. Não creio que o ponto de vista “sexual” por mim adotado lhe pareça excessivamente cauteloso. Os críticos, por conseguinte hão de investir contra ele. É possível que minhas reservas quanto as suas concepções tão amplas sejam devidas, como o senhor mesmo notou, a falta de experiência. Mas não lhe parece que há um número de fenômenos fronteiriços que com maior propriedade podem ser considerados em termos do outro impulso básico — a fome? Refiro-me, por exemplo, ao ato de comer, de sugar (predominantemente fome), de beijar (predominantemente sexualidade). A existência simultânea de dois complexos sempre os destina a misturar-se psicologicamente de modo que um deles invariavelmente contem aspectos do outro. Talvez seja apenas isso o que o senhor pretende dizer; nesse caso, eu o interpretei mal, e partilho integralmente de sua opinião. Mesmo assim, no entanto, e bastante assustador o modo positivo como o senhor apresenta suas teorias. Embora correndo o risco de incomodá-lo devo falar-lhe de minha experiência mais recente. Trato no momento, utilizando seu método, de uma histérica. Caso difícil; uma estudante russa de 20 anos, doente há 6. Primeiro trauma entre os 3 e os 4 anos. Viu o irmão mais velho, com as nádegas nuas sendo espancado pelo pai. Impressão forte. Dai para a frente não conseguiu deixar de pensar que tinha defecado na mão do pai. Dos 4 aos 7 anos, tentativas convulsivas de defecar nos próprios pés, da seguinte maneira: sentava-se no chão sobre um dos pés e premia o calcanhar contra o anus, tentando ao mesmo tempo defecar e impedir a defecação. Não raro retinha as fezes por 2 semanas! Ela não sabe como chegou a essa solução peculiar; diz que tudo era completamente instintivo e acompanhado por sentimentos dúbios, misto de horror e prazer. Mais tarde o fenômeno foi substituído por uma masturbação frenética. Eu lhe ficaria extremamente grato se me dissesse em poucas palavras o que pensa dessa história.
Atenciosamente, C. G. Jung

FREUD / JUNG – CORRESPONDÊNCIA COMPLETA - Organizada por William Mcguire - Coleção Psicologia Psicanalítica - Direção de Jaym e Salomão - Coordenação editorial de Pedro Paulo de Sena Madureira - IMAGO EDITORA LTDA. Rio de Janeiro.

5 de novembro de 2015

Pensar o Movimento Psíquico

O artigo “Sobre Psicanálise” escrito por Freud para o Congresso Médico Australasiano, contém uma articulação dos conceitos que norteia a psicanálise, que vai desde a compreensão dos ‘sintomas’ como resíduos de ‘reminiscências’ de experiências traumáticas, que foram ‘esquecidas’ no profundo ‘inconsciente’, ‘reprimidas’, não foram reelaboradas, liberando sua carga patológica quando flui pelo ‘consciente’ ou em seu trajeto nos sintomas do corpo. Mas a ‘associação livre’ permite a articulação do pensamento e da fala pelas suas representações. Na compreensão de que os processos psíquicos são dinâmicos, pois sua condução psiquismo-corpo e suas enervações são ininterruptas. A técnica da interpretação permite que o sujeito se interrogue ao invés de interrogar o outro e encontre como as “dissociações psíquicas”, se articulam com a repressão. O que “aparece” são os sintomas, como “produtos finais dos conflitos que levam a repressão, sejam como substitutos, como conciliações com o reprimido ou como formações reativas a repressão. Os sintomas apresentam destinos diversos, de acordo com o desejo do sujeito e o destino que este dá a ele. Se os infantilismos apresentam uma disposição a neurose, as obsessões à psicose e as perversões apresentam inibições de desenvolvimento assimétricos, é pensar como as diversas representações podem ser compreendidas como algo normal e apresenta-se como perverso para um dos envolvidos, pois aqueles não farão conversão, os sintomas no corpo. Por certo que as exigências culturais feitas à humanidade, vão exigir dos sujeitos sacrifícios maiores ou menores de renuncia, de acordo com a vida instintual, a subjetividade e quanto cada um consegue simbolizar. “O instinto sexual possui em alto grau a capacidade de ser desviado dos objetivos sexuais diretos e ser dirigido no sentido de metas mais elevadas, que não são mais sexuais (‘sublimação’). O instinto fica assim capacitado a efetuar contribuições muito importantes às realizações sociais e artísticas da humanidade”. Como o perfeito equilíbrio mental é tarefa da metafísica e exige sacrifícios extenuantes, a vida mental vai apresentar em sua estrutura diversos traços neuróticos, psicóticos e perversos. Saber quais são predominantes, se alternam ou se isolam depende do grau de normalidade em evolução. Como os pensamentos são disfarçados pelo imaginário, pelas fantasias, pelos significantes e pela repressão, desvelar as verdades internas de cada sujeito, exige grande esforço pessoal, muito tempo e porque não dizer esforço moral e intelectual.

Referências
FREUD, S. SOBRE A PSICANÁLISE (1913 [1911]). Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago-1996.