A
Contextura psíquica do ódio
“Quando o
amor acenar, siga-o ainda que por caminhos ásperos e íngremes. Debulha-o até
deixá-lo nu. Transforma-o, livrando-o de sua palha. Tritura-o, até torná-lo
branco. Amassa-o, até deixá-lo macio; e, então, submete ao fogo para que se
transforme em pão para alimentar o corpo e o coração!” Khalil Gibran
O Caminho
é o da Paz... É tempo de amar... Esse é um artigo longo, segmentado em seis
capítulos e uma síntese: O surgimento do “outro”, O Ressentimento e Mágoa no
ódio, A indiferença como expressão do ódio, Masoquismo e Sadismo, O Sadismo
como expressão do ódio, O desejo e o ódio e a “Síntese”. Um tema complexo, que
diz respeito a civilização atual de forma contundente. É o inicio de uma
reflexão que, por muitos séculos, acompanhará a humanidade. É um artigo que ao
falar da arquitetura do ódio, reflete em como exterminá-lo do planeta. Tarefa
de muitos séculos de evolução no porvir da humanidade. Como o amor vence e
vencerá sempre, é preciso desconstruir esse inimigo humano, essa escravidão,
que intoxica milhões de vidas e as destrói. Então haverá um tempo que “o amor
esfriará do coração dos homens”. A reflexão sobre um sentimento como o ódio,
que sempre esteve na história da humanidade, e é constitutiva de forma
primitiva, no sujeito, em sua subjetividade, é complexa e por certo há muito
que compreender e estudar. Muitos são os enigmas das provações, pelas quais a
existência humana se realiza. Para além das importantes leituras sociais,
antropológicas sobre a raça humana, temos que pensar no que há de mais complexo
em sua constituição, ou seja, seu psiquismo.
1. O
surgimento do “Outro”
Na
contextura do ódio está um sujeito e um outro, como objeto, que sofre. E esse
outro, é colocado no inverso do objeto de desejo. Então o primeiro passo, é
pensar a superação dessa contextura através do sentimento de culpa, pois esse
possui um lugar importante nas reelaborações do sujeito, representando não só a
consciência de algo contrário à lei, como uma tensão entre o ego e o superego. “O ego reage com sentimentos de
ansiedade à percepção de que não esteve à altura das exigências feitas por seu
ideal, ou superego”. O ego
esse conciliador do id, do superego e do consciente, representa o inconsciente
e o consciente. Em uma primeira instancia pode-se falar de um masoquismo
inconsciente, mas no sadismo, há sempre um saber intuitivo de que o “outro
sofre”, pois essa é a fonte do prazer do sádico; comprazer-se no sofrimento do
outro. A relação com o outro é mediada pelo corpo, há um corpo, enquanto
materialização do significante, em ação.
A relação
com o outro é comandada pelas atitudes, com relação ao que, se é para o outro. “E, como a existência do outro
revela-me o ser que sou, sem que eu possa apropriar-me desse ser ou sequer
concebê-lo, assim o outro me olha e como tal, detém o segredo de meu ser e sabe
o que sou”...(Sartre, p. 452). A atitude em relação ao outro, é a
experiência do outro, ao mesmo tempo em que se é, a experiência do outro, o que
remete ao “ser presença”, “presença” que pode necessariamente implicar em um
corpo. A relação com o outro pressupõe uma dialética, que para consumar na
morte do outro, deve sair do masoquismo ao sadismo, que alimenta o ódio.
A relação
com o outro não é linear, a diferença está na quantidade, qualidade dos
impulsos masoquistas. Cada sujeito “detém o segredo do que se é”. Nessa suposta
condição “sabe” porque “tem que fazer-se sofrer”, o que é um mínimo de
consciência ontológica, que reivindicará a responsabilidade pelo que se é, e o inerente
projeto de recuperação, que diz respeito a liberdade de estar saudável.
Assim a insegurança de se diluir pela existência do outro e o outro diluir-se
em sua existência, é uma contingência superável e deve ser um ideal realizável
na relação com o outro. “Porque
iria eu querer apropriar-me do outro não fosse precisamente na medida que o
Outro faz-me ser? Mas isso comporta justamente certo modo de apropriação: é da
liberdade do outro enquanto tal que queremos nos apoderar. E não por vontade de
poder: o tirano escarnece do amor, contenta-se com o medo. Se busca o amor de
seus súditos, é por razões políticas, e, se encontra um meio mais econômico de
subjugá-los, adota-o imediatamente. Ao contrário aquele que quer ser amado não
deseja a servidão do amado. Não quer converter-se em objeto de uma paixão
transbordante e mecânica. Não quer possuir um automatismo, e, se pretendemos
humilhá-lo, basta descrever a paixão do amado como sendo o resultado de um
determinismo psicológico: o amante sentir-se-á desvalorizado em seu amor e em
seu ser” (Sartre, p.
457-458). No amor a liberdade enquanto liberdade é deixar-se ser. O amante não
deve exigir ser a causa, mas sim como diz Sartre “a ocasião única e
privilegiada”. Então se não há uma relação senhor x escravo, próprio da neurose
obsessiva em suas diversas variantes, há uma subjetividade, uma “escolha
absoluta”, própria de almas similares. O sujeito é linguagem, enquanto
pensamento, fala e representações, e essas sempre escaparão. Assim é difícil
saber se o que se deseja significar é aquilo que supõe revelar como
significante, o que só seria possível pela telepatia.
O
masoquismo, esse sofrimento “auto-imposto”, é colocar-se frente a um abismo,
pois a subjetividade do outro é um enigma. “O
masoquismo, tal como o sadismo, é a assunção de culpabilidade. Sou culpado, com
efeito, pelo simples fato de que sou objeto. Culpado frente a mim mesmo, posto
que consinto em minha alienação absoluta; culpado frente ao outro, pois dou-lhe
a ocasião de ser culpado, ou seja, de abortar radicalmente minha liberdade
enquanto tal” (Sartre, 471).
Assim o fracasso lhe é inerente, pois o submeter-se ao próprio sofrimento como
princípio de prazer, é um “vício” e o vício é um fracasso, ou seja, os recursos
psíquicos saudáveis fracassaram. Mas buscar o próprio fracasso faz parte do
masoquismo. Continua
em: https://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2016/10/a-contextura-psiquica-do-odio_21.html
(Referências
na Síntese do artigo, quando for publicado)