21 de outubro de 2016

A Contextura psíquica do ódio - Ressentimento e Mágoa



2. O Ressentimento e Mágoa no ódio

No ressentimento e na mágoa a relação com o outro é permeada por profundas contradições, desenganos, expectativas, agressões, traições, feridas, maus tratos psicológico e/ou físicos, morte, que sangram durante muito tempo e aquele sentimento de amor, ilusão que poderia florescer, sem a resiliência, transforma-se, em ressentimento, mágoa e ódio. E esse ódio transforma-se na “única forma de conviver” com as feridas. O amor fracassa, o desejo surge da morte do outro. Mas o outro é um outro da liberdade, inapreensível, incognoscível, só possível ser apreendido pelo amor. “O Outro é por princípio; inapreensível: foge de mim quando o busco e me possui quando dele fujo. Mesmo se quisesse agir segundo os preceitos da moral Kantiana, tomando como fim incondicional a liberdade do Outro, esta liberdade iria converter-se em transcendência-transcendida pelo simples fato de ter sido por mim constituída como fim; e, por outro lado, eu só poderia agir em seu benefício utilizando o Outro-objeto como instrumento para realizar esta liberdade. Com efeito, será necessário que eu capte o Outro em situação como um objeto-instrumento; e meu único poder, então, será o de modificar a situação com relação ao Outro e o Outro com relação à situação” (Sartre, p.507). A questão é que uma moral “permissiva”, que subverte a lei simbólica, a “tolerância”, significa menos respeito a liberdade do outro, o que não significa privar o sujeito da livre possibilidade de resistência, da perseverança. É sempre diante do outro que se é culpado. Culpado porque se está refletido no olhar do outro, está-se implicado no outro.

Reparar a culpa, os erros, os equívocos, as injustiças, as agressões, é tarefa árdua, difícil, que exige muita renuncia e autoperdão. Implica em uma mudança de posição em relação a si próprio e em relação ao outro, ou seja, tarefa, que passa por uma reestruturação egóica. Perseguir a morte do outro disfarçada de um socorro, como uma “solução”, para livrar-se desse outro. é uma forma de “livrar-se” do remorso, da culpa e ao mesmo tempo auto mutilar-se com a morte do outro pela mesma culpa e remorso. Essa relação com o outro, possui uma história que transcende o tempo, passou por muitas vicissitudes, e o que “resta” é uma inutilidade ao perseguir a morte do outro. “Esta livre determinação chama-se ódio”. É realizar um mundo onde não exista o outro. A “escolha” pelo ódio é a “escolha” de uma relação consigo próprio pelo ódio, porque para odiar o outro é preciso, que o sujeito sinta ódio por si próprio primeiro. Essa relação consigo próprio, única, circunstancialmente possível, estende-se ao outro. É uma relação pelo negativo, porque o ódio é o negativo, é a relação da “nadificação”. “Aquele que odeia projeta não mais ser objeto de forma alguma; e a ira apresenta-se como um posicionamento absoluto da liberdade do Para-si (da relação) frente ao outro” (Sartre, p.509). A ira rebaixa o objeto odiado, como uma forma de sentir-se “livre” na relação com o outro. Ou seja, um autoengano, pelo qual “pagará” em um tempo não cronológico, um autopreço, que é o remorso e a culpa, pois não existe liberdade no negativo, que é o ódio. O sujeito que odeia se vê, diante do impedimento de compreender a transcendência do outro, que a liberdade do amor. Então só lhe resta destruir esse outro. Se essa morte do outro ocorre no real, ele “conforta-se”, pois a morte no real, acomoda o sujeito em seu ódio, na contextura de negação da lei. Se a morte ocorre no plano simbólico, o sujeito terá diante de si um conflito com seu ódio, ao ser deslocado ou encontrado outros representantes.

Esse gozo perverso do ódio implica em ignorar a transcendência do outro, sua totalidade psíquica. O ódio é de um psíquico revelado ou não. Nem sempre o sujeito sabe a essência de seu ódio. Ele conhece seus representantes. Lembrando que o ódio é uma construção no tempo, mas não em um tempo cronológico, é o tempo da alma, do psiquismo, não é o ódio do aqui e agora.  Nessa construção está uma ferida. O que reveste essa ferida narcísica é o orgulho, a arrogância, a vaidade, a inveja, a vontade de poder, o prazer pelo sofrimento do Outro, que no reverso é o prazer pelo próprio sofrimento. A cura pertence a uma eternidade, fora do tempo cronológico. Se o que reveste essa ferida é um sentimento de humilhação, de dor física e psicológica, de solidão, de abandono, de um desejo não “resolvido”, é possível pensar em uma diferenciação de tempo. Não esqueçamos que a semente do ódio é a mágoa, o ressentimento, a ira, a indiferença. Para quem odeia “há “algo” a ser destruído para que” o sujeito se “liberte”. O ódio é um sentimento sombrio, obscuro, ou seja, um sentimento que visa a supressão de um outro e que, enquanto projeto, projeta-se conscientemente contra a desaprovação dos outros. Desaprovo o ódio que o outro professa em relação a algum outro; tal ódio me perturba, e busco suprimi-lo, porque, embora não se dirija explicitamente a mim, sei que me concerne e se realiza contra mim”(Sartre, p.510). Não há conforto psíquico para aquele que odeia. A inquietude de “ter que suprimir outras consciências”, já é o seu fracasso, porque ainda que pudesse abolir o outro, esse outro foi, existiu, existe em sua transcendência. O que resta então é um desespero de “ser um nada”. 
(Referências na Síntese do artigo, quando for publicado)

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