26 de novembro de 2016

Você invisível


Pensamento que voa...
nessa imensa saudade,
que faz doer alma,
uma dor sem palavras,
saudade sem palavras,
sentimentos intraduzíveis...
amor intraduzível,
além das palavras.
Não há palavras!

Myriam’aya

23 de novembro de 2016

A Contextura psíquica do ódio - o sadismo como expressão do ódio

Imagem obvious magazine


5. O Sadismo como expressão do ódio

Como o sentimento de culpa e o remorso não habita o sadismo porque esse é a negação do ser encarnado, porque para que ele se realize é necessário “apoderar-se” do outro e negá-lo enquanto sujeito desejante. Em uma estrutura psíquica em que o sadismo ocupa grandes marcas, há que realizar um esforço para possui o outro pela violência; e aqui podemos entender violência em todos os significantes possíveis: violência psicológica, (ameaças, humilhações, intimidações, mentiras, manipulações e dissimulações subjetivas, traições, trapaças, indiferenças, as fantasias de que o outro corresponde a seu desejo sádico, etc.), violência ligada a estruturas de poder (arrogância, vaidade, egoísmo) e violência física. É assim que o sádico despe o sujeito para esconder-se de si mesmo, pois na contrapartida desses significantes, há um ser que se apresenta como fazendo parte da lei, dócil e gentil, e muitas vezes se colocando como espiritualizado. “Quanto ao tipo de encarnação que o sadismo gostaria de realizar, trata-se daquilo que chamamos de Obsceno” (Sartre, p.496). Como o sádico alimenta a ilusão que domina e conhece a subjetividade de seu objeto, a grande armadilha que ele se coloca é a imprevisibilidade do psíquico do outro, sua angústia é descobrir um outro inacessível. Então desconstruir, torturar o outro, torná-lo desequilibrado, de caráter duvidoso, obseno, passional é parte da estratégia sádica para dominá-lo de forma privada e pública. “o que o sádico busca com tal tenacidade, o que almeja amassar com as mãos e submeter com os punhos é a liberdade do Outro: ela está ai nesta carne; ela é carne, posto que haja uma facticidade do Outro; portanto, é da liberdade que o sádico tenta apropriar-se” (Sartre, p.500). Para isso é necessário a dor, psíquico-física, como prova da servidão da liberdade do Outro, para que este se humilhe, renegue a si mesmo, satisfazendo a vontade de poder do sádico. A vontade de poder é o sangue que o alimenta.

A vontade de poder, de dominar é uma forma de gozo, que na passagem ao ato mascara o ser faltante, "desprovido" de falo. É dessa insegurança da energia fálica, que Sartre irá dizer que “o sádico compraz-se em obter uma regeneração pela tortura... Por isso o momento do prazer, para o verdugo, é aquele em que a vitima renega ou humilha a si mesma” (Sartre, p.500). Então para o sádico a vítima humilhar-se e pedir perdão, esvazia-o, mas se a vítima resiste é mais prazeroso. Como o sentido de poder faz com que ele se sinta com todo o tempo do mundo “é calmo, não tem pressa, dispõe de seus instrumentos como um técnico, testa uns atrás dos outros, tal como chaveiro testa diversas chaves em uma fechadura; saboreia esta situação ambígua e contraditória: de um lado, com efeito, faz o papel de quem, no cerne do determinismo universal, dispõe pacientemente dos meios com vistas a um fim que será alcançado automaticamente – tal como a fechadura se abrirá automaticamente quando o chaveiro encontrar a chave “certa”; por outro lado esse fim predeterminado só pode ser realizado com a livre e total adesão do Outro” (Sartre, p.501). E assim, ele sem o saber do resultado final, pois sua vaidade, arrogância e vontade de poder o entorpece, ele não se dá conta, que a subjetividade do outro é livre e pode ser detentora de uma autonomia e resiliência, que o percebe, sem se deixar perceber. Não é possível um sadismo fora do campo da perversão, porque o sadismo como a perversão se compraz no sofrimento do outro. Pode-se até dizer que o sadismo é uma das expressões, um sintoma da perversão. A questão é que as estruturas psíquicas alimentam-se de afetos. E o ódio enquanto afeto é alimentado pelo sadismo. Quem odeia, precisa subjugar. E pelo ódio só há um caminho para subjugar: o sadismo. Como esses significantes compõe a estrutura perversa, há que possuir recursos psíquicos para colocá-los sobre um véu, que possibilite ignorar a lei. 

O sadismo faz parte do desejo perverso, pelo reverso do seu fracasso. Sempre que se aborda a questão do ódio pela representação do sadismo, aparece o seu contraponto que se afasta da passagem ao ato do perverso, mas que de alguma forma o constitui, que é o masoquismo; algoz e vítima, senhor e escravo, são uma dualidade dialética, que pode confluir ou não. Se conflui vamos ter o sadomasoquismo, se não temos estruturas diferentes no seu reverso que é a neurose. “Quanto mais o sádico se obstina em tratar o Outro como instrumento, mais esta liberdade lhe escapa” (Sartre, P.502). O nada ao qual o sádico se depara é quando ele olha ou fala com sua “vitima” e percebe que está alienado pela sua “vitima”, não tem como agir sobre a liberdade do outro, e que por mais que a humilhe, ele não tem como apreender sua liberdade. A base da relação com o outro é a relação consigo próprio e a história do sujeito. Se essa relação é de amor-desejo, está inserida na lei, se é de ódio-sadismo, ignora a lei.
(Referências na Síntese do artigo, quando for publicado)

18 de novembro de 2016

"O Caminho do Homem Sagrado é fazer e não disputar"


Palavras confiáveis não são belas
Palavras belas não são confiáveis
Quem sabe não é abrangente
Quem é abrangente não sabe
Quem é bom não discute
Quem discute não é bom
O Homem Sagrado não acumula
Quanto mais faz para os homens, mais tem
Quanto mais dá aos homens, mais aumenta
O Caminho do Céu é favorecer e não prejudicar
O Caminho do Homem Sagrado é fazer e não disputar

TAO TE CHING - O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng

11 de novembro de 2016

A Contextura psíquica do ódio - Masoquismo e Sadismo



4. Masoquismo e Sadismo

O superego reteve características essenciais das pessoas introjetadas — a sua força, sua severidade, a sua inclinação a supervisar e punir. Como já disse noutro lugar, é facilmente concebível que, graças à desfusão de instinto que ocorre juntamente com essa introdução no ego, a severidade fosse aumentada. O superego — a consciência em ação no ego — pode então tornar-se dura, cruel e inexorável contra o ego que está a seu cargo. O Imperativo Categórico de Kant é, assim, o herdeiro direto do complexo de Édipo”.

Ao pensar no psiquismo como uma estrutura, uma arquitetura psíquica, que vai se transformando ao longo do tempo, através dos representantes e significantes, há que pensarmos que as estruturas não são absolutas, “puras”, sem intermediações, traços de uma em outra. Então pensar o ódio como um afeto que se expressa pelo masoquismo e/ou pelo sadismo, é pensar no masoquismo como uma “elaboração” do sadismo, é pensar nele como constitucional e primário, "invertendo" o “instinto de morte”. É uma construção circunstancial, que pode ter uma duração no tempo do inconsciente. Enquanto primário está vinculado ao instinto do prazer e do desprazer e por sua vez, há que ser modulado por uma constância, que mantenha o prazer, para que o desprazer não seja “registrado” como prazer, pois, então poderá delinear-se uma passagem do masoquismo ao sadismo, da neurose a perversão. No masoquismo a fantasia, o sentimento de culpa vão está presente na consciência. Se o psiquismo busca o princípio do prazer, da satisfação, nem sempre irá encontrá-lo, então como forma de sobrevivência psíquica há que sentir prazer pelo próprio sofrimento, o que é o masoquismo, uma vez que a realidade não lhe deixa alternativas. Então “a existência de uma tendência masoquista na vida instintual dos seres humanos pode”, ser um recurso que diz respeito a economia psíquica para sobreviver.

Há que ressaltar que “os processos mentais são governados pelo princípio de prazer de modo tal que o seu primeiro objetivo é a evitação do desprazer e a obtenção do prazer”, mas, quando o desprazer torna-se a forma de existência, “o princípio do prazer é paralisado” e o voyeurismo sádico torna-se a primeira forma de prazer pela dor do outro, sendo esse outro qualquer ser vivo. “é como se o vigia de nossa vida mental fosse colocado fora de ação por uma droga”. O que está em jogo são o instinto de morte e os instintos de vida, embora o instinto do prazer seja um vigia e visa a estabilidade. O que todos almejamos é a paz. Nesse sentido toda a caminhada do homem na terra visa a elevação intelectual, psíquica, moral e espiritual. A estabilidade psíquica é o primeiro plano de construção, em que se equilibram o princípio do prazer e do desprazer no sentido de preservação da vida em sua forma mais saudável. Mesmo as inquietações próprias da vida cotidiana, devem estar reguladas nessa estabilidade. O que requer uma elaboração constante do desprazer. No mecanismo psíquico há “tensões prazerosas e relaxamentos desprazerosos”; assim o prazer e o desprazer estão também vinculados a aumento e diminuição.

Há que refletirmos sobre a construção do ritmo, da “sequencia temporal de mudanças”, pelas quais o sujeito se constrói nas referências iniciais que fazem parte de sua vida. Quando Freud pensou o Nirvana como a expressão do instinto de morte, significa que o sentimento de prazer, de paz, de quietude só seria alcançado com a morte, o que não é de todo inverídica, pois estaria fora da influência do mundo material. Reduzir o masoquismo-sadismo no paradigma da quantidade e qualidade é pensar em um limiar de onde termina, começa e adianta o outro, quando apesar de haver indícios de ligação, esta não pode ser tida, como linear e consequente, apesar dos traços que se cruzam, sempre na “aquiescência temporária ao desprazer”. Nesse sentido o princípio do prazer deve ser o vigia para uma vida saudável. Está-se longe de compreender a relação masoquismo-sadismo em sua obscuridade, sob a ótica das circunstancias psíquicas estruturais e favorecedoras. O masoquismo mesmo, sem um viés perverso, e seja qual for sua fonte formadora, desencadeia o masoquismo moral. Na fonte de um masoquismo é possível encontrar um percurso de grandes e continuados sofrimentos, que de certa forma, assumiram a forma de prazer, como defesa, e que ao longo do “tempo” foi-se constituindo de forma estrutural. Se o que “antecede” é uma estrutura no campo da neurose pode-se caminhar para o sentimento de culpa. Se o que “antecede” é uma estrutura no campo da perversão “o conteúdo manifesto é de ser amordaçado, amarrado, dolorosamente espancado, açoitado, de alguma maneira maltratado, forçado à obediência incondicional, sujado e aviltado”, é associado e executado como mutilações. Pode-se dizer que as torturas masoquistas são em um primeiro plano produzidas pelo próprio sujeito, mas em seu percurso estrutural pode transcorrer do masoquismo ao sadismo, com as crueldades produzidas por um outro, que pode ser o seu reverso, ou seja, o próprio sujeito. O sentimento de culpa é a barreira que o masoquismo terá que superar, curar, em uma estrutura neurótica. Podemos dizer que é seu “superego”. Superar é elaborar, curar. Senão o que fica é uma estrutura perversa ao ignorar a lei em relação a si mesmo.

A luta entre o instinto de morte e o instinto de vida, é a luta da sanidade, mas a sanidade não é um estado inorgânico, ao contrário é o instinto de vida pleno, em suas faculdades mentais, a serem desenvolvidas. Manejar o instinto do desprazer sem desvirtuá-lo, é a função do instinto do prazer. E manejar o instinto do desprazer sem externá-lo é não fazer a passagem pelo sadismo. Nessa passagem não há espaço para o purismo, há que ser gradual, pois envolve o instinto de vida e de morte, quer faça a conversão ou passagem ao ato. “Uma pequena falta de exatidão” e estaremos diante do sadismo primário, que “é idêntico ao masoquismo. Após sua parte principal ter sido transposta para fora, para os objetos, dentro resta como um resíduo seu masoquismo”. O contorno que envolve o masoquismo diz respeito a relação com o Outro. Dessa forma o masoquismo dirigido para fora é o sadismo. Se for regredido retorna ao próprio sujeito como masoquismo secundário, que se soma ao masoquismo original. O próprio sofrimento, no masoquismo, possui diversos representantes patológicos, que estão vinculados ao princípio do prazer, que se distancia do próprio sentimento de prazer, possibilitando o surgimento do sentimento de culpa e do remorso. Embora o sentimento de culpa pode vir a ser “o mais poderoso bastião do indivíduo no lucro (geralmente composto) que aufere da doença — na soma de forças que lutam contra o restabelecimento e se recusam a ceder seu estado de enfermidade”. É o sofrimento vivenciado nas neuroses, como uma forma de manter “um determinado grau de sofrimento”, por uma necessidade de autopunição. Ficamos por aqui com a reflexão: https://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2015/09/anotacoes-sobre-culpa.html
(Referências na Síntese do artigo, quando for publicado)

7 de novembro de 2016

Poesia - Alma Luz


Alma Luz
Minha alma tem o peso da luz
Tem o peso da música
Tem o peso da palavra nunca dita,
Prestes quem sabe a ser dita
Tem o peso de uma lembrança
Tem o peso de uma saudade
Tem o peso de um olhar
Tesa como pesa uma ausência
e a lágrima que não chorou
Tem o imaterial peso de uma solidão
no meio de outros.

Clarice Lispector

3 de novembro de 2016

A Contextura Psíquica do ódio - A indiferença como expressão do ódio



3. A indiferença como expressão do ódio

Para odiar há que negar o outro, ser indiferente a esse outro, negar sua subjetividade, olhar para ele como objeto material, de passagem ao ato. Se o masoquismo é um ancoradouro do prazer, na relação do sujeito consigo próprio e com o outro, a indiferença é a ponte para o sadismo, como expressão do ódio. Mas primeiro há que “olhar o olhar do outro”, “mas um olhar não pode ser olhado: desde que olho em direção ao olhar, este se desvanece e não vejo mais do que olhos” (Sartre, p. 473). O outro ao desvanecer, tudo se desmorona, pois o que “resta” é o objeto. A indiferença para com o outro é construir a própria subjetividade desmoronando, desconstruindo a subjetividade do outro. Como essa desconstrução não é possível, mantendo a própria subjetividade no campo da neurose, afasta-se, portanto, desta e aproxima-se da perversão. Estabelecer com o outro uma relação de objeto, requer a manifestação dos instintos primários no corpo, ou seja, o sujeito faz a passagem de objeto de si próprio, o que vai além do narcisismo. 

Para desejar o corpo do outro como puro objeto material é preciso que a relação com o próprio corpo seja objetal. Assim como pode a subjetividade revelar-se, se o desejo diz respeito a matéria? O desejo só pode posicionar-se a si próprio como objeto material a se reelaborar pela sublimação. O desejo embora possa remeter-se a um corpo, mas o fazer-se presente, dar-se por uma imagem simbólica de representatividade do outro. A consciência é desejo de vida. Em que tempo está essa vida, diz respeito ao transcendente. É na relação especular “na reação primordial ao olhar do Outro, com efeito, constituo-me como olhar. Mas, se olho o olhar, a fim de defender-me contra a liberdade do Outro e de transcendê-la como liberdade, a liberdade e o olhar do Outro desmoronam: vejo olhos, vejo um ser-no-meio-do-mundo. Daí por diante o Outro escapa-me: queria agir sobre sua liberdade, apropriar-me dela, ou, ao menos fazer-me reconhecido como liberdade pela liberdade do outro, mas esta liberdade está morta, já não está de forma alguma no mundo em que encontro o Outro-objeto, pois sua característica é ser transcendente ao mundo. Por certo, posso apoderar-me do Outro, agarrá-lo, sacudi-lo; caso disponha de poder, posso constrangê-lo a tais ou quais atos, tais ou quais palavras” (Sartre, p.488); é como abraçar alguém que fugiu deixando seu casaco.

O ódio surge de uma ferida na alma. Nasce da relação sujeito-objeto, na contextura da desconstrução do outro objeto, do narcisismo, vaidade, arrogância. Há uma permeabilidade sujeito-objeto, senhor x escravo, próprio das relações de poder, da escravidão que cada sujeito se insere. Então há um sujeito que “não se conhece”, não conhece seu lugar, sua função, seu destino, sua falta, sua incompletude. O sujeito não possui outro recurso para dar a seu destino, sua mágoa, seu ressentimento e sua própria desagregação, então uma vez objeto, reproduz essa relação, supondo-se sujeito pelo sadismo. Nesse contexto a apreensão do outro é a apreensão do outro enquanto objeto, para prestar contas da sua transcendência, o que não é possível, pois por ser sujeito, escapa com sua transcendência. Então não é possível ter a consciência do que se busca. O desejo está turvado pelo ódio, o que se supõe tocar, segurar; escapa! Se é possível supor uma origem para o sadismo, aqui está. O sadismo é uma obstinação porque se distancia da essência, assume um compromisso, sem saber que valor isso possui. O sádico foge de sua factibilidade, “faz experiência de si mesmo frente ao outro enquanto pura transcendência; tem horror a turvação para si mesmo e considera-a um estado humilhante”; esse estado humilhante, que nasceu de sua própria subjugação a um outro.
(Referências na Síntese do artigo, quando for publicado)