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de: https://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2016/10/a-contextura-psiquica-do-odio_21.html
3. A
indiferença como expressão do ódio
Para odiar
há que negar o outro, ser indiferente a esse outro, negar sua subjetividade,
olhar para ele como objeto material, de passagem ao ato. Se o masoquismo é um
ancoradouro do prazer, na relação do sujeito consigo próprio e com o outro, a
indiferença é a ponte para o sadismo, como expressão do ódio. Mas primeiro há
que “olhar o olhar do outro”, “mas
um olhar não pode ser olhado: desde que olho em direção ao olhar, este se
desvanece e não vejo mais do que olhos” (Sartre,
p. 473). O outro ao desvanecer, tudo se desmorona, pois o que “resta” é o
objeto. A indiferença para com o outro é construir a própria subjetividade
desmoronando, desconstruindo a subjetividade do outro. Como essa desconstrução
não é possível, mantendo a própria subjetividade no campo da neurose,
afasta-se, portanto, desta e aproxima-se da perversão. Estabelecer com o outro
uma relação de objeto, requer a manifestação dos instintos primários no corpo,
ou seja, o sujeito faz a passagem de objeto de si próprio, o que vai além do
narcisismo.
Para
desejar o corpo do outro como puro objeto material é preciso que a relação com
o próprio corpo seja objetal. Assim como pode a subjetividade revelar-se, se o
desejo diz respeito a matéria? O desejo só pode posicionar-se a si próprio como
objeto material a se reelaborar pela sublimação. O desejo embora possa
remeter-se a um corpo, mas o fazer-se presente, dar-se por uma imagem simbólica
de representatividade do outro. A consciência é desejo de vida. Em que tempo
está essa vida, diz respeito ao transcendente. É na relação especular “na reação primordial ao olhar do
Outro, com efeito, constituo-me como olhar. Mas, se olho o olhar, a fim de
defender-me contra a liberdade do Outro e de transcendê-la como liberdade, a
liberdade e o olhar do Outro desmoronam: vejo olhos, vejo um
ser-no-meio-do-mundo. Daí por diante o Outro escapa-me: queria agir sobre sua
liberdade, apropriar-me dela, ou, ao menos fazer-me reconhecido como liberdade
pela liberdade do outro, mas esta liberdade está morta, já não está de forma
alguma no mundo em que encontro o Outro-objeto, pois sua característica é ser
transcendente ao mundo. Por certo, posso apoderar-me do Outro, agarrá-lo,
sacudi-lo; caso disponha de poder, posso constrangê-lo a tais ou quais atos,
tais ou quais palavras” (Sartre,
p.488); é como abraçar
alguém que fugiu deixando seu casaco.
O ódio
surge de uma ferida na alma. Nasce da relação sujeito-objeto, na contextura da
desconstrução do outro objeto, do narcisismo, vaidade, arrogância. Há uma
permeabilidade sujeito-objeto, senhor x escravo, próprio das relações de poder,
da escravidão que cada sujeito se insere. Então há um sujeito que “não se
conhece”, não conhece seu lugar, sua função, seu destino, sua falta, sua
incompletude. O sujeito não possui outro recurso para dar a seu destino, sua
mágoa, seu ressentimento e
sua própria desagregação, então uma vez objeto, reproduz essa relação,
supondo-se sujeito pelo sadismo. Nesse contexto a apreensão do outro é a
apreensão do outro enquanto objeto, para prestar contas da sua transcendência,
o que não é possível, pois por ser sujeito, escapa com sua transcendência.
Então não é possível ter a consciência do que se busca. O desejo está turvado
pelo ódio, o que se supõe tocar, segurar; escapa! Se é possível supor uma origem para o
sadismo, aqui está. O sadismo é uma obstinação porque se distancia da essência,
assume um compromisso, sem saber que valor isso possui. O sádico foge de sua
factibilidade, “faz
experiência de si mesmo frente ao outro enquanto pura transcendência; tem horror
a turvação para si mesmo e considera-a um estado humilhante”; esse estado
humilhante, que nasceu de sua própria subjugação a um outro.
(Referências na Síntese do artigo, quando for publicado)
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