11 de novembro de 2016

A Contextura psíquica do ódio - Masoquismo e Sadismo



4. Masoquismo e Sadismo

O superego reteve características essenciais das pessoas introjetadas — a sua força, sua severidade, a sua inclinação a supervisar e punir. Como já disse noutro lugar, é facilmente concebível que, graças à desfusão de instinto que ocorre juntamente com essa introdução no ego, a severidade fosse aumentada. O superego — a consciência em ação no ego — pode então tornar-se dura, cruel e inexorável contra o ego que está a seu cargo. O Imperativo Categórico de Kant é, assim, o herdeiro direto do complexo de Édipo”.

Ao pensar no psiquismo como uma estrutura, uma arquitetura psíquica, que vai se transformando ao longo do tempo, através dos representantes e significantes, há que pensarmos que as estruturas não são absolutas, “puras”, sem intermediações, traços de uma em outra. Então pensar o ódio como um afeto que se expressa pelo masoquismo e/ou pelo sadismo, é pensar no masoquismo como uma “elaboração” do sadismo, é pensar nele como constitucional e primário, "invertendo" o “instinto de morte”. É uma construção circunstancial, que pode ter uma duração no tempo do inconsciente. Enquanto primário está vinculado ao instinto do prazer e do desprazer e por sua vez, há que ser modulado por uma constância, que mantenha o prazer, para que o desprazer não seja “registrado” como prazer, pois, então poderá delinear-se uma passagem do masoquismo ao sadismo, da neurose a perversão. No masoquismo a fantasia, o sentimento de culpa vão está presente na consciência. Se o psiquismo busca o princípio do prazer, da satisfação, nem sempre irá encontrá-lo, então como forma de sobrevivência psíquica há que sentir prazer pelo próprio sofrimento, o que é o masoquismo, uma vez que a realidade não lhe deixa alternativas. Então “a existência de uma tendência masoquista na vida instintual dos seres humanos pode”, ser um recurso que diz respeito a economia psíquica para sobreviver.

Há que ressaltar que “os processos mentais são governados pelo princípio de prazer de modo tal que o seu primeiro objetivo é a evitação do desprazer e a obtenção do prazer”, mas, quando o desprazer torna-se a forma de existência, “o princípio do prazer é paralisado” e o voyeurismo sádico torna-se a primeira forma de prazer pela dor do outro, sendo esse outro qualquer ser vivo. “é como se o vigia de nossa vida mental fosse colocado fora de ação por uma droga”. O que está em jogo são o instinto de morte e os instintos de vida, embora o instinto do prazer seja um vigia e visa a estabilidade. O que todos almejamos é a paz. Nesse sentido toda a caminhada do homem na terra visa a elevação intelectual, psíquica, moral e espiritual. A estabilidade psíquica é o primeiro plano de construção, em que se equilibram o princípio do prazer e do desprazer no sentido de preservação da vida em sua forma mais saudável. Mesmo as inquietações próprias da vida cotidiana, devem estar reguladas nessa estabilidade. O que requer uma elaboração constante do desprazer. No mecanismo psíquico há “tensões prazerosas e relaxamentos desprazerosos”; assim o prazer e o desprazer estão também vinculados a aumento e diminuição.

Há que refletirmos sobre a construção do ritmo, da “sequencia temporal de mudanças”, pelas quais o sujeito se constrói nas referências iniciais que fazem parte de sua vida. Quando Freud pensou o Nirvana como a expressão do instinto de morte, significa que o sentimento de prazer, de paz, de quietude só seria alcançado com a morte, o que não é de todo inverídica, pois estaria fora da influência do mundo material. Reduzir o masoquismo-sadismo no paradigma da quantidade e qualidade é pensar em um limiar de onde termina, começa e adianta o outro, quando apesar de haver indícios de ligação, esta não pode ser tida, como linear e consequente, apesar dos traços que se cruzam, sempre na “aquiescência temporária ao desprazer”. Nesse sentido o princípio do prazer deve ser o vigia para uma vida saudável. Está-se longe de compreender a relação masoquismo-sadismo em sua obscuridade, sob a ótica das circunstancias psíquicas estruturais e favorecedoras. O masoquismo mesmo, sem um viés perverso, e seja qual for sua fonte formadora, desencadeia o masoquismo moral. Na fonte de um masoquismo é possível encontrar um percurso de grandes e continuados sofrimentos, que de certa forma, assumiram a forma de prazer, como defesa, e que ao longo do “tempo” foi-se constituindo de forma estrutural. Se o que “antecede” é uma estrutura no campo da neurose pode-se caminhar para o sentimento de culpa. Se o que “antecede” é uma estrutura no campo da perversão “o conteúdo manifesto é de ser amordaçado, amarrado, dolorosamente espancado, açoitado, de alguma maneira maltratado, forçado à obediência incondicional, sujado e aviltado”, é associado e executado como mutilações. Pode-se dizer que as torturas masoquistas são em um primeiro plano produzidas pelo próprio sujeito, mas em seu percurso estrutural pode transcorrer do masoquismo ao sadismo, com as crueldades produzidas por um outro, que pode ser o seu reverso, ou seja, o próprio sujeito. O sentimento de culpa é a barreira que o masoquismo terá que superar, curar, em uma estrutura neurótica. Podemos dizer que é seu “superego”. Superar é elaborar, curar. Senão o que fica é uma estrutura perversa ao ignorar a lei em relação a si mesmo.

A luta entre o instinto de morte e o instinto de vida, é a luta da sanidade, mas a sanidade não é um estado inorgânico, ao contrário é o instinto de vida pleno, em suas faculdades mentais, a serem desenvolvidas. Manejar o instinto do desprazer sem desvirtuá-lo, é a função do instinto do prazer. E manejar o instinto do desprazer sem externá-lo é não fazer a passagem pelo sadismo. Nessa passagem não há espaço para o purismo, há que ser gradual, pois envolve o instinto de vida e de morte, quer faça a conversão ou passagem ao ato. “Uma pequena falta de exatidão” e estaremos diante do sadismo primário, que “é idêntico ao masoquismo. Após sua parte principal ter sido transposta para fora, para os objetos, dentro resta como um resíduo seu masoquismo”. O contorno que envolve o masoquismo diz respeito a relação com o Outro. Dessa forma o masoquismo dirigido para fora é o sadismo. Se for regredido retorna ao próprio sujeito como masoquismo secundário, que se soma ao masoquismo original. O próprio sofrimento, no masoquismo, possui diversos representantes patológicos, que estão vinculados ao princípio do prazer, que se distancia do próprio sentimento de prazer, possibilitando o surgimento do sentimento de culpa e do remorso. Embora o sentimento de culpa pode vir a ser “o mais poderoso bastião do indivíduo no lucro (geralmente composto) que aufere da doença — na soma de forças que lutam contra o restabelecimento e se recusam a ceder seu estado de enfermidade”. É o sofrimento vivenciado nas neuroses, como uma forma de manter “um determinado grau de sofrimento”, por uma necessidade de autopunição. Ficamos por aqui com a reflexão: https://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2015/09/anotacoes-sobre-culpa.html
(Referências na Síntese do artigo, quando for publicado)

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