4.
Masoquismo e Sadismo
“O
superego reteve características essenciais das pessoas introjetadas — a sua
força, sua severidade, a sua inclinação a supervisar e punir. Como já disse
noutro lugar, é facilmente concebível que, graças à desfusão de instinto que
ocorre juntamente com essa introdução no ego, a severidade fosse aumentada. O
superego — a consciência em ação no ego — pode então tornar-se dura, cruel e
inexorável contra o ego que está a seu cargo. O Imperativo Categórico de Kant
é, assim, o herdeiro direto do complexo de Édipo”.
Ao pensar
no psiquismo como uma estrutura, uma arquitetura psíquica, que vai se
transformando ao longo do tempo, através dos representantes e significantes, há
que pensarmos que as estruturas não são absolutas, “puras”, sem intermediações,
traços de uma em outra. Então pensar o ódio como um afeto que se expressa pelo
masoquismo e/ou pelo sadismo, é pensar no masoquismo como uma “elaboração” do
sadismo, é pensar nele como constitucional e primário, "invertendo" o
“instinto de morte”. É uma construção circunstancial, que pode ter uma duração
no tempo do inconsciente. Enquanto primário está vinculado ao instinto do
prazer e do desprazer e por sua vez, há que ser modulado por uma constância,
que mantenha o prazer, para que o desprazer não seja “registrado” como prazer,
pois, então poderá delinear-se uma passagem do masoquismo ao sadismo, da
neurose a perversão. No masoquismo a fantasia, o sentimento de culpa vão está
presente na consciência. Se o psiquismo busca o princípio do prazer, da
satisfação, nem sempre irá encontrá-lo, então como forma de sobrevivência
psíquica há que sentir prazer pelo próprio sofrimento, o que é o masoquismo,
uma vez que a realidade não lhe deixa alternativas. Então “a existência de uma tendência
masoquista na vida instintual dos seres humanos pode”, ser um recurso que
diz respeito a economia psíquica para sobreviver.
Há que
ressaltar que “os processos
mentais são governados pelo princípio de prazer de modo tal que o seu primeiro
objetivo é a evitação do desprazer e a obtenção do prazer”, mas, quando o desprazer torna-se a
forma de existência, “o
princípio do prazer é paralisado” e
o voyeurismo sádico torna-se a primeira forma de prazer pela dor do outro,
sendo esse outro qualquer ser vivo. “é
como se o vigia de nossa vida mental fosse colocado fora de ação por uma
droga”. O que está em jogo
são o instinto de morte e os instintos de vida, embora o instinto do prazer
seja um vigia e visa a estabilidade. O que todos almejamos é a paz. Nesse
sentido toda a caminhada do homem na terra visa a elevação intelectual,
psíquica, moral e espiritual. A estabilidade psíquica é o primeiro plano de
construção, em que se equilibram o princípio do prazer e do desprazer no
sentido de preservação da vida em sua forma mais saudável. Mesmo as inquietações
próprias da vida cotidiana, devem estar reguladas nessa estabilidade. O que
requer uma elaboração constante do desprazer. No mecanismo psíquico há “tensões
prazerosas e relaxamentos desprazerosos”; assim o prazer e o desprazer estão
também vinculados a aumento e diminuição.
Há que
refletirmos sobre a construção do ritmo, da “sequencia temporal de mudanças”,
pelas quais o sujeito se constrói nas referências iniciais que fazem parte de
sua vida. Quando Freud pensou o Nirvana como a expressão do instinto de morte,
significa que o sentimento de prazer, de paz, de quietude só seria alcançado
com a morte, o que não é de todo inverídica, pois estaria fora da influência do
mundo material. Reduzir o masoquismo-sadismo no paradigma da quantidade e
qualidade é pensar em um limiar de onde termina, começa e adianta o outro,
quando apesar de haver indícios de ligação, esta não pode ser tida, como linear
e consequente, apesar dos traços que se cruzam, sempre na “aquiescência
temporária ao desprazer”. Nesse sentido o princípio do prazer deve ser o vigia
para uma vida saudável. Está-se longe de compreender a relação
masoquismo-sadismo em sua obscuridade, sob a ótica das circunstancias psíquicas
estruturais e favorecedoras. O masoquismo mesmo, sem um viés perverso, e seja qual
for sua fonte formadora, desencadeia o masoquismo moral. Na fonte de um
masoquismo é possível encontrar um percurso de grandes e continuados
sofrimentos, que de certa forma, assumiram a forma de prazer, como defesa, e
que ao longo do “tempo” foi-se constituindo de forma estrutural. Se o que
“antecede” é uma estrutura no campo da neurose pode-se caminhar para o
sentimento de culpa. Se o que “antecede” é uma estrutura no campo da perversão “o conteúdo manifesto é de ser
amordaçado, amarrado, dolorosamente espancado, açoitado, de alguma maneira
maltratado, forçado à obediência incondicional, sujado e aviltado”, é associado e executado como
mutilações. Pode-se dizer que as torturas masoquistas são em um primeiro plano
produzidas pelo próprio sujeito, mas em seu percurso estrutural pode
transcorrer do masoquismo ao sadismo, com as crueldades produzidas por um
outro, que pode ser o seu reverso, ou seja, o próprio sujeito. O sentimento de
culpa é a barreira que o masoquismo terá que superar, curar, em uma estrutura
neurótica. Podemos dizer que é seu “superego”. Superar é elaborar, curar. Senão
o que fica é uma estrutura perversa ao ignorar a lei em relação a si mesmo.
A luta
entre o instinto de morte e o instinto de vida, é a luta da sanidade, mas a
sanidade não é um estado inorgânico, ao contrário é o instinto de vida pleno,
em suas faculdades mentais, a serem desenvolvidas. Manejar o instinto do
desprazer sem desvirtuá-lo, é a função do instinto do prazer. E manejar o
instinto do desprazer sem externá-lo é não fazer a passagem pelo sadismo. Nessa
passagem não há espaço para o purismo, há que ser gradual, pois envolve o
instinto de vida e de morte, quer faça a conversão ou passagem ao ato. “Uma
pequena falta de exatidão” e estaremos diante do sadismo primário, que “é idêntico ao masoquismo. Após sua
parte principal ter sido transposta para fora, para os objetos, dentro resta
como um resíduo seu masoquismo”. O contorno que envolve o masoquismo diz
respeito a relação com o Outro. Dessa forma o masoquismo dirigido para fora é o
sadismo. Se for regredido retorna ao próprio sujeito como masoquismo
secundário, que se soma ao masoquismo original. O próprio sofrimento, no
masoquismo, possui diversos representantes patológicos, que estão vinculados ao
princípio do prazer, que se distancia do próprio sentimento de prazer,
possibilitando o surgimento do sentimento de culpa e do remorso. Embora o
sentimento de culpa pode vir a ser “o
mais poderoso bastião do indivíduo no lucro (geralmente composto) que aufere da
doença — na soma de forças que lutam contra o restabelecimento e se recusam a
ceder seu estado de enfermidade”. É
o sofrimento vivenciado nas neuroses, como uma forma de manter “um determinado
grau de sofrimento”, por uma necessidade de autopunição. Ficamos por aqui com a
reflexão: https://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2015/09/anotacoes-sobre-culpa.html
(Referências na Síntese do artigo, quando for publicado)
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