https://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2017/08/o-veu-da-direcao-clinica-sem-lei-so.html
A questão que se coloca é: o que deseja o sujeito que busca a análise? Deseja
contornar seus sintomas e encontrar melhores recursos para manter sua patologia
e seus sintomas, deseja pequenas reformas e roupagens para manter o véu de sua
existência, ou somente um socorro imediato de descarga, para continuar com sua
patologia? Quem realmente deseja percorrer o caminho do autoconhecimento
profundo do ego, de sua essência e existência? É um movimento difícil, que o
moverá do lugar, pois muito são as resistências, que o impedem a uma
determinação pelo autoconhecimento, pois ainda existe um gozo no sofrimento,
mesmo que seja alimentado pela revolta, ressentimento, mágoa e ódio. Ou seja,
há esgotado a capacidade de transformação, a plasticidade psíquica para uma resinificação.
Mesmo quando a resistência possui alguma plasticidade, encontra-se, ante o
desvelar de “novos caminhos para um impulso instintual”, alguma “inércia
psíquica”, uma interrogação do inconsciente, consequência de suas associações,
de algo profundo, não vivenciado, ou esquecido, se é compensador o gasto e
investimento de energia para novos caminhos, tidos como desconhecidos. Essas
forças instintuais profundas se aferram contra a cura, o restabelecimento do
equilíbrio psíquico, até serem esgotadas as energias que as alimentam. Dentre
essas energias estão os afetos já mencionados acima, aos quais incluímos o
sentimento de culpa, autopunição, o masoquismo, que nos remete ao “principio do
prazer”. Ou seja, se o sofrimento é o que causa prazer, é porque o sujeito se
automutila. “Não há (luz) esperança no final do túnel”, pois morrer ou viver na
escuridão “é a alternativa que ficou, pois perdeu todos os objetos de amor”, naquilo
que é sua compreensão. Há que tocar com a luz suave, a primeira fissura que
houver na desesperança e assim construir o doloroso caminho para a lei.
Durante toda a vida e
durante a análise o sujeito estará sempre se debatendo e desprendendo um gasto
de energia entre o instinto de morte e o instinto de vida. O exemplo mais
contundente sobre as forças ocultas da alma está na frase de Freud: “No momento, temos de nos curvar à
superioridade das forças contra as quais vemos nossos esforços redundar em nada.
Mesmo exercer uma influência psíquica sobre o simples masoquismo constitui um
ônus muito severo para nossos poderes” (1937). São conflitos a curto e
médio prazo irreconciliáveis, que geram agressividade, que uma vez
internalizada, demanda retorno e pacificação. Então há que realizar uma
incursão epistemológica, pois para uma concepção materialista a análise pode
ter um fim. Então, que a análise possa ter um “fim” é aceitável em uma
concepção materialista. Mas é um imperativo categórico que o autoconhecimento
pertença à eternidade da alma. Até onde é possível aprofundar a análise diz
respeito à evolução psíquica de cada sujeito. Uma questão é assertiva: é muito
difícil o sujeito entrar em análise e possuir o firme desejo de vasculhar os “porões”
de seu inconsciente de forma indeterminada. O que se vê, na esmagadora maioria,
é um discurso refratário, inconsistente no que diz respeito ao autoconhecimento e ao percurso do próprio inconsciente, ao
seu lado obscuro.
No mundo material
deseja-se os objetos do mundo material e o inconsciente não é um objeto
material. Mesmo quando se fala de autoconhecimento através de uma escolha
espiritual, é possível interrogar: como é possível conhecer o mundo imaterial,
se nem a se próprio o sujeito possui a pretensão de conhecer. De intuir o porquê
de sua existência, suas causas e consequências, porque é difícil se implicar,
assumir as responsabilidades pelo desejo de viver aquilo que o danifica, que subverte
a lei. Não é nosso objetivo aqui discorrer sobre a saúde mental do analista,
mas é possível inferir, que todos têm suas constituições, tragédias pessoais,
que se supõe razoavelmente “resolvidas”, no sentido de interferir o mínimo na
relação de transferência, no diagnóstico diferencial e na direção clínica. “É, portanto, razoável esperar de um
analista, como parte de suas qualificações, um grau considerável de normalidade
e correção mental” (Freud, 1937). Então primeiro o analista precisa ser
verdadeiro para consigo próprio, no que diz respeito às suas fraquezas, para
então ser verdadeiro na condução analítica, ou seja, para que sua prática não
seja enganosa e antiética. Em todas as profissões existem profissionais, cujo
único objetivo do fazer profissional é o próprio ego e seus desejos pessoais,
com o analista não é diferente. Há que separar o joio do trigo. O somatório
formação acadêmica, desenvolvimento intelectual, análise pessoal, experiência
profissional, espírito cientifico, desenvolvimento moral e espiritual, pois ele
precisa se religar com o planeta e o universo sem misticismo são imperativos categóricos.
É nesse sentido que Freud
é muito feliz quando interroga: “Mas onde
e como pode o pobre infeliz adquirir as qualificações ideais de que necessitará
em sua profissão? A resposta é: na análise de si mesmo, com a qual começa
sua preparação para a futura atividade. Parece que certo número de analistas
aprende a fazer uso de mecanismos defensivos que lhes permitem desviar de si
próprios às implicações e as exigências da análise (provavelmente dirigindo-as
para outras pessoas), de maneira que eles próprios permanecem como são e podem
afastar-se da influência crítica e corretiva da análise. “Tal acontecimento poderia justificar as palavras do escritor que nos
adverte que, quando se dota um homem de poder, é difícil para ele não
utilizá-lo mal” (Freud, 1937). Então tarefa interminável, em primeira instancia,
é a análise do analista. A análise é um caminho de autoconhecimento das
profundezas do inconsciente, porque a parcela do inconsciente que se torna
consciente é o aprendizado que se conquista na existência e os conteúdos
inconscientes advindos de memórias ancestrais revelados, e os conflitos dos
desejos que estão “fora da lei”, que demandam cura. Possibilitar um começo de
reintegração do ego, uma incorporação do ego uno, a caminho da evolução da
psique, da alma é tarefa individual, mas do sujeito inserido na lei universal
em que vive e não há lembrança que facilite o aprendizado, pois para lembrar é
necessário crucificar os sofrimentos, e isso é tarefa da eternidade.
Embora seja importante considerar a disposição
hereditária, essa não pode ser uma regra infalível, pois apesar de em sua
grande maioria, os similares estão em uma mesma cadeia evolutiva, há exceções
que podem se destacar e as pesquisas na biologia assim o revelam. Não seria
diferente na vida da psique, da alma. Não é possível anular o que pertence ao
passado, pois sem conhecer o passado, não se compreende o presente e não se
projeta o futuro. Compreender o passado é compreender as frustrações, os medos,
a pobreza, a falta de amor, os infortúnios, as dissensões familiares, a
solidão, as escolhas que trouxeram sofrimento no trabalho, no casamento, nas
relações, as tragédias familiares, a promiscuidade, sentimentos como
arrogância, inveja, vaidade, culpas, remorso, o preconceito, as perdas, a
própria escravidão. A análise é arena, onde esses monstros irão se defrontar.
Ante a complexidade das mazelas humanas, há que acolher acalentar, para
caminhar um passo de cada vez. Assim “tornar
consciente o que é inconsciente, remover as repressões, preencher lacunas da
memória” é o começo para uma direção, em um caminho de equilíbrio. Isso não
significa interrogar o que seria, se determinada constituição, circunstancias e
desvios no curso do desenvolvimento não se efetivassem, pois tudo é
aprendizado, evolução de consciência. E a consciência evolui, quando aumenta o
conhecimento dos conteúdos inconscientes, possibilitando o caminho de
reconciliação com a lei.
O processo analítico pode aproximar-se da raiz
dos fenômenos, quando rastreia a repetição dos mesmos. Tarefa árdua, dolorosa, pois
mesmo identificado essas raízes, nem sempre é possível levá-las a interpretação,
se não houver demanda. Não que a demanda “resolva”, mas pode ser um inicio
possível, mas nem sempre de execução, pelos danos que a resistência do ego (é
uma anticatexia) impõe a repressão desses conteúdos mesmo nas estruturas
neuróticas. Em estruturas mais complexas como as psicoses e perversões os
conteúdos inconscientes são inacessíveis em função do afastamento ou negação da
realidade, é como se o inconsciente invadisse o consciente, cujo discurso
indica uma consciência “apagada”, “inexistente”, a ser reconstruída. O
progresso inicial mostrar-se-á com o tempo, enganoso, se algo do real for
explícito e o sentimento de remorso, não for possível de ser sustentado pelo
ego. Então possivelmente poderemos ter o início de uma relação de transferência
negativa do analisando para com o analista. Mas esse sentimento é a
transferência de sentimento abrigada no inconsciente do paciente. O analista
por determinado tempo é o substitutos de objetos diversos, a serem resinificados.
“Uma transferência está presente no
paciente desde o começo do tratamento e, por algum tempo, é o mais poderoso
móvel de seu progresso” (Freud, Conferência XXVII). A transferência hostil
em relação ao analista é mais permeável a determinadas estruturas psíquicas
fora do campo das neuroses, nas que pode revelar-se nesse, no percurso da
analise, como traços que os atravessam, constituindo uma ambivalência
emocional.
A complexidade em falar de análise terminável
e interminável está na imensa arquitetura de sentimentos que envolvem o
percurso analítico, no que diz respeito ao próprio sujeito e seus sentimentos
hostis, que representam um vinculo afetivo patológico com sua história e na
relação transferencial com o analista. Nem sempre é possível identificar a
origem dos sentimentos do sujeito, por mais intensa, que seja a livre
associação, a interpretação e o recuo no tempo. Algo fica de incógnita sobre
acontecimentos, fenômenos, traumas, conflitos que são em determinado momento
inapreensíveis, mas que retornam como repetição. As faces patológicas do
sujeito podem estar lodosamente “estacionadas”, e por assim estarem, seus
referenciais de saúde mental comprometidos, mas esses estados lodosos, vez
por outra movimentam, vibram-se, o que significa que é possível, que uma réstia
de luz se adentre, permitindo um pequeno movimento. Assim nesse
percurso “a transferência pode ser
comparada à camada do câmbio de uma árvore, entre a madeira e a casca, a partir
do qual deriva a nova formação de tecidos e o aumento da circunferência do
tronco” (Freud,). Se a troca de casca da árvore produz diversos produtos a
vida e realimenta o ciclo da natureza, ao tempo que renova a árvore, mantendo
inexorável as leis da natureza, o
movimento lembrança-esquecimento possui, apesar de ser, uma dialética de defesa
é antes de tudo uma provação a ser vencida. A compreensão interna do sujeito em
análise, seus insights, seu raciocínio sobre si mesmo e sua determinação de
“cura”, não só dos traumas, mas de suas questões egoicas, narcísicas, são
movimentos importantes, que geram uma energia que permite ascendências sobre si
mesmo. A análise termina em um não tempo, quando os ciclos terminam e novos
começam. Então estamos submetidos à lei do cosmo de mudança, evolução contínua.
A estabilidade está submetida a lei do movimento, onde é imperativo que todos
os seres no universo, de não só transformarem-se, mas transmutarem-se. Essa é a
lei da frequência de energia do amor.
Referências
FREUD, S. - ANÁLISE
TERMINÁVEL E INTERMINÁVEL (1937) - Obras Completas de Psicanálise - volume XXIII
Rio de Janeiro, Imago-1996.
FREUD, S. -
CONFERÊNCIA XXVII - TRANSFERÊNCIA - Obras
Completas de Psicanálise - volume XVI - Rio de Janeiro, Imago-1996.
FREUD, S. -
CONFERÊNCIA XXVIII - TERAPIA ANALÍTICA -
Obras Completas de Psicanálise - volume XVI - Rio de Janeiro, Imago-1996.
FREUD,
S. - CONFERÊNCIA XXXI – A DISSECÇÃO DA PERSONALIDADE PSÍQUICA (1933[1932])
- Obras Completas de Psicanálise - volume
XXII - Rio de Janeiro, Imago-1996.
FREUD, S. -
CONFERÊNCIA XXXIV - EXPLICAÇÕES, APLICAÇÕES E ORIENTAÇÕES (1933[1932]) - Obras
Completas de Psicanálise - volume XXII -
Rio de Janeiro, Imago-1996.
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