“Sabemos que o primeiro passo no sentido de
chegar ao domínio intelectual de nosso meio ambiente é descobrir
generalizações, regras e leis que tragam ordem ao caos”.
https://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2017/08/o-veu-da-direcao-clinica-como-viver-o.html Por maior comprometimento que o sujeito tenha
com sua análise, no sentido de “vasculhar” seu inconsciente, sempre haverá
resíduos, mais profundos, que ele não consegue acessar em determinado momento,
seja pela falta de amadurecimento do ego, seja pela falta de conexões mnêmicas
ou porque está fora do tempo. Cada fase do percurso de desenvolvimento do
sujeito é uma provação a vencer. Daquilo que é constitucional, muitos são os
resíduos que permanecem nas fases seguintes na história do sujeito, de sua
ancestralidade e da humanidade. Por isso “o
que um dia veio à vida, aferra-se tenazmente à existência. Fica-se às vezes
inclinado a duvidar se os dragões dos dias primevos estão realmente extintos”
(Freud, 1937). É possível afirmar que, não, na atual existência no planeta.
Portanto muito de conteúdos mnêmicos, ficarão intocados a espera de arqueólogos
de consciências distendidas, que viabilizem ir mais profundo nas escavações.
Assim, o que freia a análise? A resistência, que advém da força dos instintos.
Se o ego está aferrado aos instintos, no percurso da análise, esse ego irá
amadurecer, na perspectiva do equilíbrio com seus instintos, mas é possível que
a força dos instintos, demande um tempo do inconsciente para ser mantido sob
controle do ego, e assim reelaborado, para que o ego não se desespere, diante
da força dos instintos. O conflito, expressa-se pelo sintoma. É possível que
determinado sintoma não possa ser tratado de forma profunda em determinado
momento, seria como arrancar algo que está incrustado no sujeito e que
necessita ser drenado de forma lenta. “A advertência de que deixemos repousar os
cães a dormir, que com tanta frequência ouvimos em relação a nossos esforços
por explorar o submundo psíquico, é peculiarmente despropositada quando
aplicada às condições da vida mental, pois, se os instintos estão provocando distúrbios,
isso é prova de que os cães não estão dormindo, e, se eles realmente parecem
estar adormecidos, não está em nosso poder despertá-los” (Freud, 1937).
Eles irão despertar quando um movimento de energia, possibilitar o descolamento
daqueles sentimentos que estão incrustados, consumindo a energia do sujeito,
sem que esse se dê conta. Desta forma a direção clínica implica, em sinalizar a
possibilidade de sua existência, o que implica primeiro em está advertido, do
quanto de angústia o sujeito suporta nessa relação transferencial.
A condução clínica situa-se
nos sofrimentos imediatos do sujeito, mas há que está advertido das implicações
destes com conflitos instintuais inconscientes. Deixar ao destino, sem
adverti-lo é incorrer em um erro ético, pois há que esperar o tempo para vê-los
se desvelar. Nos momentos de crise a análise acolhe, escuta e possibilita um
fortalecimento do ego, para que as supostas causas dos sintomas possam ir sendo
reveladas. Adentrar o inconsciente requer a intuição de um tempo não
cronológico. Portanto cabe apenas familiarizar o sujeito com possíveis
conflitos adormecidos, esquecidos, sem prejudicar a relação transferencial,
embora esta familiaridade irá atentar-se apenas, aqueles que tenham um
dispêndio menor de angústia. Em primeira
instancia a análise se dá no plano da matéria, em sua abordagem com o ego, mas
avança, quando acerca-se dos conteúdos inconscientes, revelando-os a luz do
entendimento de sua essência, suas causas e consequências ou sintomas. É aqui
que o sujeito vislumbra suas transgressões instintuais à lei. Mas há que se
ater em um primeiro momento a uma cooperação com o ego. Se nas estruturas
neuróticas essas questões já se revelam penosas para o sujeito, nas estruturas
psicóticas e perversas essa cooperação é quase inexistente, pois ela é
manipulada pelo próprio ego, há uma sinergia, uma cumplicidade do sujeito com
sua obscuridade. O ego manipula a si próprio, fechando as vias de acesso transferencial. Então somente através de penoso sofrimento em um tempo que não
é cronológico, em um tempo que nos é inacessível, essas estruturas vislumbrarão
um clarão, para a demanda de uma abordagem, porque para além da dor que abriga
a estrutura, há a dor de rever a estrutura. Então é uma dor que se sobrepõe. E
dor que se sobrepõe não pertence a nosso tempo cronológico. Para tratar no
campo da ciência há que existir um “corte epistemológico”.
Sempre abordamos as estruturas
clínicas, visualizando-as não de forma pura, o que seria ingenuidade na direção
clínica. O sujeito é constituído de um traçado psíquico, que abordamos, quando
em outros artigos falamos acerca de “arquitetura psíquica”. “Na verdade, toda pessoa normal é apenas
normal na média. Seu ego aproxima-se do ego do psicótico num lugar ou noutro e
em maior ou menor extensão, e o grau de seu afastamento de determinada
extremidade da série e de sua proximidade da outra nos fornecerá uma medida
provisória daquilo que tão indefinidamente denominamos de ‘alteração do ego’”
(Freud, 1937). É exatamente a extensão em termos de quantidade e qualidade da
energia envolvida (absorvida e liberada), que se iniciará o processo de uma
saúde psíquica. A questão é quanta força dos instintos o ego suporta em busca
de seu equilíbrio. O que e quanto de renúncia está “disposto” a elaborar, viver.
Porque aquilo que é adquirido, é por assim dizer, fácil. Mas o que é
constitucional é complexo. Mas é possível supor que o constitucional em sua
ancestralidade já foi circunstancial e adquirido. Se no que é adquirido o ego
tem que lutar como mediador, entre o inconsciente e os perigos do mundo
externo, como se conduzirá ante os perigos abrigados no inconsciente? Poderá
tratá-los como perigos externos. Então temos uma guerra interna, em uma terra
que precisa haver lei, e o superego terá que viabilizar isso. E se os conflitos
forem de ordem constitucional, que recursos estarão a disposição do ego, nessa
luta entre as exigências do mundo externo e as exigências instintuais no
inconsciente, que são tomada como exigências externas, ou seja, uma guerra de
grandes proporções, que a análise não dá conta. É o choque de uma demanda
externa, que é subjetivada pelo sujeito e uma demanda instintual, inconsciente,
que é tida como externa. Esse choque de energias causa o desequilíbrio
psíquico, que delineia as estruturas psíquicas.
Então delineia-se três
saídas para o ego: negar o real, e assim ignora
a lei; dominar o perigo interno antes que se torne externo, o que vai
demandar uma “eficiência” do superego, ou reprimir as demandas internas. Mas
não devemos esquecer que o recalcado sempre retorna, como mecanismos de defesa,
pois não há saída para repressão pura e simplesmente dos instintos. Essa
manipulação do ego sobre seus conteúdos inconscientes pode levá-lo a negar
esses conteúdos, mascará-los, substituí-los, agregando a esses outros conflitos
de forma que se mesclem e torne mais difícil separá-los. Podendo torná-los em
determinado momento inteligíveis, mas o retorno seja do que for como reprimido
é inexorável. Mas por um momento a inexorável verdade é sacrificada em função
do princípio do prazer. Por mais que o ego afaste suas verdades “não é possível
fugir de si próprio; a fuga não constitui auxílio contra perigos internos”. É
dessa forma, através dos mecanismos de defesa que o ego fornece uma imagem
falseada do próprio sujeito, tornando-o cego a si próprio. Muitas vezes o “preço a ser pago” em uma existência pela “escolha”
de determinados mecanismos de defesa pela essência do sujeito é alto e poderá
lhe custar o fracasso de sua jornada. O dispêndio de energia psíquica é grande
e inócua porque esses mecanismos de defesa aferram-se ao seu ego e “retirá-los”
é como desgrudar uma sanguessuga. A marca ficará por longo tempo. Como no
universo o que não nos falta é tempo, cada sujeito pelo seu fazer diário
delineará o tempo de autonomia da consciência de si. Mas o custo desse tempo,
isso sim, é penoso.
A jornada só pode ser
transformada depois de muitas repetições. Assim as primeiras experiências da
infância, desde a gestação, que foram fonte de conflitos, sofrimentos,
repetem-se indefinidamente somados a outros conflitos, sofrimentos, numa
sucessão que demanda cura, e só se esgota, quando a última cicatriz for desfeita.
É por isso que o ego está sempre se autoenergizando para repetir e superar,
curar. Por isso vemos sujeitos adultos, supostamente maduros, com repetições
que remetem a infância a instintos primitivos que enfraquecem o ego, dificultando
a caminhada, pois para transcender ao ego é necessário fortalecê-lo, ou seja,
que a essência readquira sua força original. O trabalho de análise visa não só
fortalecer o ego, no que ele explicita do inconsciente, mas fortalecê-lo para
que ele enfrente primeiro sua obscuridade, o que “está escondido no id”. O “trabalho terapêutico oscila como um
pêndulo, entre um fragmento de análise do id e um fragmento de análise do ego”.
Ao tempo que intervimos nos conteúdos do id, no outro, a demanda do ego imprime
outro ritmo. “O efeito terapêutico depende de tornar consciente o que está reprimido
(no sentido mais amplo da palavra) no id. Preparamos o caminho para essa
conscientização mediante interpretações e construções, mas interpretamos apenas
para nós próprios, não para o paciente, enquanto o ego se apega a suas defesas
primitivas e não abandona suas resistências” (Freud, 1937). Poder-se-ia
dizer que a arquitetura psíquica é tão perfeita, que por maiores esforços e
competência do analista, a resistência não cederá espaço a determinados
conteúdos inconscientes, se não houver recursos psíquicos constitucionais do
sujeito para tal. Portanto há limites para o poder curativo da análise. O que o
sujeito pode enfrentar consigo próprio são batalhas, grandes e pequenas, nunca uma
guerra com seus instintos primitivos, pois não há tempo cronológico para
construção desses recursos e a análise não é o único batalhão a se recorrer.
Mas há que se construir vários batalhões, muitos dos quais a civilização
moderna perdeu. Pra as batalhas internas é preciso energia, para “dar
conta” dos sintomas, superá-los e se reconstruir e ao mesmo tempo drenar os
instintos e energias primitivas.
Ao nascer o sujeito já
traz em sua psique uma bagagem ancestral, hereditária, que para além das
comprovações cientificas, pulsa em sua alma, insight, que ele não consegue
explicar. E para isso só há um caminho: o autoconhecimento, o desenvolvimento
do intelecto e do espírito que anima a matéria, o “animus”. “O que foi adquirido por nossos antepassados
decerto forma parte importante do que herdamos. Quando falamos numa ‘herança
arcaica’ geralmente estamos pensando apenas no id e parecemos presumir que, no
começo da vida do indivíduo, ainda não existe ego algum. Mas não desprezaremos
o ato de que id e ego são originalmente um só; tampouco implica qualquer
supervalorização mística da hereditariedade acharmos crível que, mesmo antes de
o ego surgir, as linhas de desenvolvimento, tendências e reações que
posteriormente apresentará, já estão estabelecidas para ele. As peculiaridades
psicológicas de famílias, raças e nações, inclusive em sua atitude para com a
análise, não permitem outra explicação. Em verdade, mais do que isso: a
experiência analítica nos impôs a convicção de que mesmo conteúdos psíquicos
específicos, tais como o simbolismo, não possuem outras fontes senão a
transmissão hereditária” (Freud, 1937). Na civilização predatória, da
velocidade, dos produtos de prateleira, o sujeito é o sujeito do sistema,
condicionado e pressionado a resultados rápidos, mas aqui estamos falando do
atemporal; é nessa demanda que todo tratamento é longo, pois não é possível
suprimir etapas. A árvore se torna árvore, pela semente, e a depender da
espécie é centenas de anos cronológicos e isso demanda muita energia, seja de
acumulo, de drenagem. Assim a reorganização psíquica diz respeito a lei da
consciência, subjetiva, da lei da natureza, universal.
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