Esse artigo se estendeu,
e não poderia ser diferente, pois falar do término da análise é também falar da
continuidade, é interrogar qual término e qual continuidade. Por uma questão
didática abordamos em três tópicos que serão publicados de forma sequencial: 1.
“O relacionamento analítico se baseia no amor à verdade”; 2. Sem a lei só
existe o caos; 3. A caminho da Lei.
1. “O relacionamento
analítico se baseia no amor à verdade”
Ao pensar em uma análise terminável e em uma
análise interminável, temos que pensar em que tempo estamos e de qual tempo
estamos a falar, porque o percurso da análise, do autoconhecimento é algo que
diz respeito a um tempo ou a um não tempo. O tempo é o grande limite que se
interpõe. A força constitucional dos instintos existe dentro e fora do tempo.
Como o inconsciente é atemporal, o que nos defrontamos no tempo, são com as
fraquezas do ego. “Terminar a análise” diz respeito a elaborar o instinto de
morte, o grande conflito do psiquismo humano, pois ele é o senhor que bloqueia
as passagens, para o profundo conhecimento do inconsciente, o que não é ainda
possível nessa evolução da humanidade. Há que ressaltarmos que a divisão
consciente - inconsciente é meramente didática, pois o que é consciente é o que
é revelado. Por instinto de morte compreendemos a força desagregadora e ao
mesmo tempo de escape do sujeito. Os sofrimentos psíquicos possuem inúmeras
causas, que podem estar, nas categorias de “origem traumática” e “origem
constitucional”, embora estas em geral se intercruzem. A questão é em que
medida estas irão fazer alterações no ego, como parte do processo de defesa ou
como um suposto prazer negativo; em que quantidade de energia e em que
qualidade, que comprometa o caráter do sujeito.
Por certo que a análise é
um começo primário do autoconhecimento. Portanto há que racionalizar as
expectativas, pois começar a falar no sentido de um profundo conhecimento de si
mesmo é como andar a beira mar, nas pequenas marolas do mar. Mas o mar profundo
está adiante e é preciso aprender a nadar. Muitas vezes um conflito que “foi
tratado” retorna com outra roupagem, em
conflitos aparentemente diferentes. Isso nos revela o quão profundo é a
essência do nosso eu e das marcas mnêmicas. A relação de transferência com o analista
que possibilita uma direção clinica que cada sujeito irá aprender no percurso
da análise, deverá possibilitar um estancamento provisório, daqueles conteúdos
que possibilitam maior sofrimento. Dificilmente o sujeito que “termina” sua
análise estancou a essência de seus conflitos, e tomou posse de seu eu. Não
estamos falando de posse do inconsciente. No máximo, ele terá, com muito
esforço, fleches de conteúdo inconsciente e os ligará aos sintomas de seus
sofrimentos. Podemos interrogar por que alguém que se propõe a um trabalho
analítico, mesmo que não seja no sentido de fazer uma pequena “viagem”
tangencial em seu inconsciente, levanta resistências tão fortes? Por que ele
está aferrado aos seus sintomas, a um padrão de repetição em sua forma de agir,
que somente o profundo sofrimento, o remédio amargo, para deslocá-lo desse
“lugar de conforto”. Teoricamente “é
mais fácil lidar com o que já se conhece” do que com o desconhecido, mesmo que
esse desconhecido seja ele mesmo. “Vencer” as primeiras resistências revelará
até onde o sujeito está disposto a ir à elaboração de seus conflitos.
Para vencer as resistências que vão se interpondo é necessário “fortalecer o ego ampliar seu campo de
percepção e aumentar sua organização, de maneira a que possa apropriar-se de
novas partes do id. Onde era o id, ficará o ego.” (Freud, 1937 ). Fazer o
link de um conflito atual com um conflito do qual o próprio sujeito não se
lembra, “não tem a menor ideia que ele existe”, só o sabe intuitivamente, é
tarefa árdua. Como a energia que move o sujeito está desconectada em si e para
si, ele não consegue fazer as conexões de sua própria existência presente, que
dirá do percurso de sua alma. Estabelecida a transferência surge os indícios de
relaxamento do conflito atual, mas isso ainda não lança luz sobre seus
conflitos passados e suas conexões. A expectativa é que o fortalecimento do ego
possibilite ao sujeito lidar com as forças dos instintos, de forma mais
elaborada, inseridas na lei simbólica. Então a “queda de braço” entre o
fortalecimento do ego e a força dos instintos seria a equação que poderia
possibilitar o equilíbrio para aprofundamento ao inconsciente. Mas,
infelizmente não é tão simples assim, se é que isso é simples. As forças
instintuais que até então mantiveram-se veladas no inconsciente, respaldadas
pela resistência, irão revelar-se, de alguma forma, mesmo depois de “encerrada
a análise. Lidamos com uma sequencia de tempo, que é o tempo real, cronológico
e uma instancia atemporal que é o inconsciente. O inconsciente está fora do
tempo, como o concebemos, portanto como falar de análise terminável? Se
lembrarmos o tempo cronológico que o sujeito permanece em análise, então
diremos que quase nada foi feito.
Mas é preciso lembrar que
a análise ou até a o desenvolvimento da capacidade de autoanálise, significa a
libertação do sujeito de seus sofrimentos, sintomas, anormalidades, de todos os
desejos que estão fora do equilíbrio das forças internas, a margem da lei. Se a
provação do nascimento já é por si só enigmática e, portanto esquecida, a
possibilidade de manter os sofrimentos ao longo da vida conflui com a demanda
da procura da análise, para, inconscientemente, vislumbrar melhores recursos
para lidar com seus sintomas e assim não dar um passo à frente, que possibilite
a superação dos conflitos internos. Se os sintomas passam a apresentar outra
roupagem, o objeto de conflito é transferido “indefinidamente”, como escapes
inevitáveis de serem feitos, porque demanda cura. Como é possível falar em fim
de análise? O que colocaria a possibilidade de um final seria o resgate das
lembranças fundamentais da trajetória da
psique. Mas produzir lembranças não é uma questão fácil. Então ao longo da vida
muitas serão as doenças, (sintomas), que o sujeito será acometido em função do
ego, por mais fortalecido que estiver não ser capaz de dar suporte a
determinadas lembranças. O tempo da análise é complexo. Em geral quando o sujeito
se vê diante da possibilidade de uma lembrança importante, uma associação,
conexão, vir ao consciente, ele manifesta o desejo de deixar a análise.
Muitas são as questões
técnicas que se colocam ao analista, além do profundo percurso de sua própria
análise em contraposição a formação teórica nas referências originais e não nos
interpretes. Há que considerarmos que apenas a formação psicanalítica
universitária é insipiente. Então, a saber, o problema técnico pressupõe uma
jornada profissional e pessoal árdua e uma análise pessoal do profissional profunda.
Usando de tautologia, o tempo só o tempo vai falar. “Uma análise termina quando analista e paciente deixam de encontrar-se
para a sessão analítica. Isso acontece quando duas condições foram
aproximadamente preenchidas: em primeiro lugar, que o paciente não mais esteja
sofrendo de seus sintomas e tenha superado suas ansiedades e inibições; em
segundo, que o analista julgue que foi tornado consciente tanto material
reprimido, que foi explicada tanta coisa ininteligível, que foram vencidas
tantas resistências internas, que não há necessidade de temer uma repetição do
processo patológico em apreço. Se se é impedido, por dificuldades externas, de
alcançar esse objetivo, é melhor falar de análise incompleta, de preferência a
análise inacabada” (Freud, 1937). Mesmo para os sucessos parciais ao longo
da análise, muitas vitórias ficarão sem compreensão. Se a causa do sofrimento é
constitucional e circunstancial, seus sintomas são mais complexos, e haverá
maiores dificuldades ao acesso aos conteúdos inconscientes. Os instintos são,
então, fortes, difíceis de ceder a incursões pelo ego, fixando e tornando-se
crônicos. Quando, apesar das situações traumáticas, o destino do sujeito não
está submetido a duras provações, seu equilibro segue com seu ego estruturado.
Mas se essas provações geram uma luta defensiva, que se estrutura com fissuras
no ego, então o “termino” de uma análise tem um prognóstico mais distante, de
longo tempo, pois as alterações no ego é um dos obstáculos no caminho da cura,
naquilo que se define, em um tempo cronológico de vida.
Embora o analista possa
com sua experiência, visualizar a estrutura psíquica em questão e levantar as
hipóteses dos sintomas, das defesas e estrutura psíquica, estas só poderão ser
reveladas pelo sujeito, se este evoluir em seu autoconhecimento de forma a ter
insight sobre conteúdos e suas conexões. Portanto se o sujeito não aprofundar
seu processo de autoconhecimento, por mais que o analista vislumbre a estrutura
e suas conexões, estas muitas vezes ficarão sem uma incursão a interpretação e
reelaboração, pois ainda não há demanda para tal. O percurso de uma análise não
é linear. Aquilo que se mostra acessível em determinado momento, pode, com o
pouco de avanço conseguido, se recrudescer. “Concluído” uma demanda e dado como
finalizado um processo analítico, nada inviabiliza que a mesma demanda retorne
com outra característica e outros sintomas, então a história anterior e
posterior ao reequilíbrio terá que ser retomada. A análise “protege” o sujeito
de novos e grandes conflitos circunstanciais, porque esta, o coloca no
invólucro da lei simbólica, possibilitando não só o fortalecimento do ego, como
as incursões interpretativas. Não consideramos aconselhável despertar um
conflito adormecido, se não há demanda do sujeito para tal. Portanto tentar
exaurir as possibilidades de uma patologia ou sua cronificação no sentido de
impedir uma alteração mais profunda na personalidade é inócuo, pois se não há
demanda, muito pouco, ou quase nada pode ser realizado. Se a influência das
situações traumáticas não forem tratadas de imediato, enquanto estão vivas na
consciência, sem grandes ligações no inconsciente, e a força constitucional do
instintos estiverem mais submetidas a lei e as alterações no ego não forem
profundas, então teremos a possibilidade de que algo ou grande parte do vivido
será superado, curado. Se não o prognóstico de cura coloca-se para um longo
tempo ou um não tempo.
Para que a força dos
instintos seja circunstancial, deve ser também constitucional, ou então o
sujeito já a teria reelaborado. A questão que se coloca é: “É possível,
mediante a terapia analítica, livrar-se de um conflito entre um instinto e o
ego, ou de uma exigência instintual patogênica ao ego, de modo permanente e
definitivo?” Não. É possível, com muito esforço “esvaziar” o instinto de sua
energia e assim “domá-lo”. Assim será construída uma melhor harmonização com o
ego, ou seja, através de um reequilíbrio de energia, o que não implica em um
novo desequilíbrio, se a vigilância instintual, não for constante, até sua
sublimação. Isso requer o tempo do inconsciente. Por maior que seja a
des-energização de um instinto, ele diante das provações da vida pode retornar
de forma patológica, se essa des-energização não estiver pautada em um percurso
de sublimação. Ele continuará reprimido, demandando a liberação, principalmente
se forem reforçados no percurso da vida, por novos sofrimentos. É muito difícil
alguma alteração no ego, se os conteúdos inconscientes não foram garimpados, de
forma determinada no processo analítico, pois a análise é um caminho de
aprendizado para o autoconhecimento. Mas as forças dos instintos são poderosas,
portanto há que capacitar o ego a vencê-las, reelaborando-as. Um ego maduro é
um ego que caminha para superar seu egocentrismo, e espiritualizar-se no sentido
do próprio amor e do amor ao outro.
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