28 de junho de 2013

A Razão Humana

“A razão humana, num determinado domínio dos seus conhecimentos, possui o singular destino de se ver atormentada por questões, que não pode evitar, pois lhe são impostas pela sua natureza, mas às quais também não pode dar respostas por ultrapassarem completamente as suas possibilidades” (p.3).

Esse trecho que inicia o Prefácio da Critica da Razão Pura, diz-nos que a razão deve conhecer a si mesma. Para tal pretensão há que haver “um tribunal”, que é o superego, a consciência, que nos interroga. A razão por certo é o princípio humano da inteligência, que nos permite percorrer o próprio caminho. A razão em seu pensar pura, segundo Kant só é encontrado dentro de si mesmo. Assim a questão que se coloca até onde é possível o entendimento e a razão conhecer, independente da experiência. Duas categorias são essenciais: “a clareza discursiva” (a fala) e “a clareza intuitiva (estética)”. A palavra, a beleza e harmonia do conhecimento deve compor a existência humana.
Kant, Immanuel - PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO - (1781) - CRÍTICA DA RAZÃO PURA

26 de junho de 2013

"O que é mantido cheio não permanece até o fim"


O que é mantido cheio não permanece até o fim
O que é intencionalmente polido não é um tesouro eterno
Uma sala cheia de ouro e jade é difícil de ser guardada
Riqueza e nobreza somadas à arrogância
Trazem para si a própria culpa
Concluir o nome, terminar a obra, retirar o corpo
Este é o Caminho do Céu
TAO TE CHING - O Livro do Caminho e da Virtude - Lao Tse - Tradução do Mestre Wu Jyn Cherng

10 de junho de 2013

A Poesia de Crescer


O Mecanismo da Repressão

“a teoria da repressão é pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise”

Quando falamos de repressão, remetemos ao texto de Freud, 1915. O que tem de importante nesse texto? Podemos responder: tudo, mas ressaltamos a  formação de substitutos, de sintomas e afeto e o intricado movimento de retorno das representações. Então teremos as expressões: repressão – defesa – sintoma. O que as desvela é a resistência. Se há resistência há repressão. Falar em repressão é falar em defesa, em sintoma, como o sujeito se organiza para existir no mundo. Embora o termo defesa seja apropriado para os mecanismos utilizados pelo ego no sentido de administrar os conflitos que possam desencadear sintomatologias, e comprometam sua estrutura. Assim o mecanismo da repressão na neurose histérica, na neurose obsessiva, nas psicoses, e na perversão, é diverso.

Na neurose obsessiva ocorre o deslocamento da energia “emocional da ideia do objeto”, na neurose histérica a “expulsão completa da ideia da consciência”. Essa pressão que pode gerar ansiedade é uma força que impulsiona à repressão, um impulso instintual. A ansiedade é impulsiva. Assim o impulso instintual seja interno ou externo, vai encontrar no próprio sujeito muitas resistências para torná-lo inoperante e isso se dá  a custa de muito dispêndio de energia, pois não há como fugir, “o ego não pode fugir de si próprio”. Vale a metáfora “nós somos nossos próprios fantasmas”, ou seja, nós os criamos, nem que seja pelo que vemos no outro de nós mesmos, na repetição especular da imagem espelhar. A repressão é uma “saída” de uma situação, um conflito que causa desprazer. No caso da dor, por exemplo, e não só a dor localizacionista, física, mas o enigma da dor psíquica que se expressa fisicamente e muito pouco estudada, toda a energia do organismo é dirigida para supressão da mesma, seja através de medicamentos ou “distração mental”. Em relação à fome poderia ser aceitável que na satisfação não há repressão, mas a saciedade nem sempre pode funcionar se há outros mecanismos de compensação em que vigor, que demandam satisfação através do alimento e que passam pelo processo da repressão. É dessa forma que a satisfação de um instinto pode ser irreconciliável com outras demandas, por isso que a repressão surge quando ocorre uma “cisão marcante entre a atividade mental consciente e a inconsciente” (Freud, p.152). Manter longe determinadas demandas que chegam ao consciente é necessário que o processo de repressão, de retirada da consciência se dê. Mas antecede a esse mecanismo o movimento psíquico de diferenciação entre o que é consciente e o que é inconsciente, ou seja, a arquitetura psíquica está sempre processando a repressão desde os primórdios de forma dinâmica a no mínimo, não causar grandes danos. Se não for possível negar a entrada do conteúdo ideacional, o representante psíquico, no consciente, segue seu percurso sob vigilância.

Se a dinâmica da estrutura psíquica facilitar a repressão, esta vai afetar também os “derivados mentais”, sucessão de pensamentos que embora possam ter outra origem entra em contato, por associação com o representante reprimido, ou seja, desde o inicio do processo de repressão os conteúdos que vão sendo  reprimidos, e ao mesmo tempo estabelecendo ligação de atração com outros conteúdos também reprimidos, um mecanismo semelhante ao processo das lembranças que falamos no artigo http://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2013/02/lembrancas-e-paranoia.html. A repressão “não impede que o representante instintual continue a existir no inconsciente, se organize ainda mais, dê origem a derivados, e estabeleça ligações” (Freud, p.153 – 154). Uma vez afastado do consciente, represado e frustrado, sentir-se-á mais livre para se desenvolver nos recônditos intricados do psiquismo e muitas vezes assumindo novas formas extremas que retornarão no sentido da satisfação, representando ameaças maiores  ao ego. O mecanismo é ao mesmo tempo intrincado e inteligente. Quanto mais afastado os derivados dos conteúdos ideacionais estiverem do representante reprimido, seja pelas distorções que sofreu, ou por grande número de ideias intermediárias, eles terão mais facilidade de acesso ao consciente. Por associações eles burlam a censura e voltam ao consciente com aparência diferente, possibilitando a expressão, elaboração e interpretação, através da associação livre na análise.

O interessante desse mecanismo que parece revestir-se do véu de Maya, como nas lembranças para retornar ao consciente é o grande enigma da existência humana, como se precisássemos sempre do véu de Maya. A questão é que por sucessivas associações o sujeito inexoravelmente irá se deparar com a ideia inicial que foi reprimida, o que é revelado pela resistência e assim repetir o movimento da repressão. Esse delicado equilíbrio para manter a energia do inconsciente que necessita de um grau de distorção, que pode ser leve, dos representantes psíquicos e de sua distancia no tempo, é suficiente para alterar o resultado e permite a eliminação da resistência do consciente. Nesse intricado jogo das forças mentais o representante instintual pode sofrer modificação por situações de prazer ou desprazer e aquilo que causaria desprazer vem causar prazer e a repressão não se efetiva. Isso nos revela a mobilidade da repressão e o dispêndio de energia e força para tal. Podemos pensar que funciona como as leis da física: o reprimido pressiona para se tornar consciente, em busca da satisfação, e o consciente em uma contrapressão o “empurra” de volta. Além da possibilidade de saída seja no campo da neurose ou psicose, pelas associações, ou pelo delírio e alucinação, há um movimento de economia da energia psíquica, que deve ser preservado. Lembramos que o sono através dos sonhos possibilita essa liberação.

A ativação de um conteúdo reprimido pode dar-se pela quantidade de energia “investida” pelas associações. O poder das associações é ilimitado e não é possível dizer quando, onde e de que forma ocorrerão, mas uma vez que se depara com elas é possível dar-lhes um destino. Mas existem conteúdos, ideias, que não são reprimidos e seu destino depende de quantidade de energia psíquica que mobiliza. Se mobilizar pouca quantidade de energia é possível até que permaneça na consciência se isso não desencadear conflitos, o que desencadearia a repressão. O mesmo processo ocorre com o conteúdo ideacional no inconsciente. Dependendo de sua carga de energia pode enfraquecer ou fortalecer, seja em que sentido for. Além da ideia como representante psíquico instintual, tem o que Freud chamou como “quota de afeto”, ou seja, um instinto ao se afastar da ideia e encontrar  expressão em sua plena carga de energia é sentido como afeto. A metáfora é mais ou menos assim: “a diferença entre ordenar a um hóspede indesejável que saia da minha sala de visitas (ou do meu hall de entrada), e impedir, após reconhecê-lo, que cruze a soleira de minha porta” (Freud, p.157), ou seja, expulso o hóspede ou ignoro que o reconheci. Com o instinto é a mesma coisa ou ele é suprimido pela repressão ou surge como afeto, ou transformado em ansiedade. O objetivo da repressão é impedir desprazer, ansiedade, conflitos.

Os derivados do reprimido e o reprimido possibilitam a formação de  sintomas, e os deixam ao longo do caminho da repressão, como resultado da própria repressão, onde “parcela ideacional do representante”, tem acesso à consciência, através de uma formação substitutiva. Um mecanismo intricado, mas necessário para manter a defesa e salvar-se psiquicamente de si mesmo. A formação de substitutos e a formação de sintomas significa um retorno do reprimido e esse retorno pertence a processos complexos e diversos, da mesma forma que a “parcela ideacional do representante” psíquico. Assim muitos são os mecanismos de formação de substitutos. Se a mimetização da catexia, energia é um mecanismo da repressão no sentido do retorno é por que demanda significação. Se esse retorno é uma indiferença, por exemplo, há retirada de investimento do afeto. É possível que essa indiferença não seja bem sucedida, se não for possível vincular-se a outros sintomas, então pode ocorrer sensação aflitiva,  possibilitando a liberação de ansiedade, de outros sintomas, como fobia, ou uma descarga física de natureza sensorial ou motora. Se os traços desse retorno se dá na neurose histérica pela conversão, na neurose obsessiva por uma regressão do impulso hostil pelos objetos que ama, em uma luta interminável, nas psicoses pelo delírio e alucinação e na perversão pela transgressão, há que interpretar os significantes. Necessário ressaltar que não existem estruturas estáticas. São dialéticas, densas em seus fenômenos e permeadas por muitos traços. Se a aparência inicial da repressão é de êxito, é uma questão do tempo psíquico para que os conteúdos ideacionais reapareçam. As ideias, emoções, desejos, desaparecidos, retornam transformados seja como fobia, ansiedade social, moral, autocensuras. É  um retorno inevitável, seja por quais mecanismos formulados e percorridos, com que demanda e força é da subjetividade de cada sujeito.

Referência
FREUD, S. - REPRESSÃO (1915). Obras Completas de Psicanálise - volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.  

8 de junho de 2013

O Desespero Humano


“Assim como talvez não haja, dizem os médicos, ninguém completamente são, também se pode dizer, conhecendo bem o homem, que nem um só existe que esteja isento de desespero, que não tenha lá no fundo uma inquietação, uma perturbação, uma desarmonia, um receio de não se sabe o que de desconhecido ou que ele, nem ousa conhecer, receio duma eventualidade exterior ou receio de si próprio; tal como os médicos dizem de uma doença, o homem traz em estado latente uma enfermidade, da qual, num relâmpago, raramente um medo inexplicável lhe revela a presença interna”.

Kierkegaad

5 de junho de 2013

Ética e Cultura

Em nosso entendimento os recentes acontecimentos na Turquia, recoloca a questão do dever do Estado e das representações que os sujeitos elaboram de sua história. Pergunta-se de onde saiu o movimento, as insatisfações. Mas elas estavam todas lá, contidas nos subterfúgios ilusórios do Estado. Lembramos que haverá sempre uma vontade pulsante de percorrer os caminhos infinitos da razão e vê-la realizar-se de forma para além do tempo e do espaço, mesmo porque sem a razão, sem as representações dos sujeitos que estabelecem a lei, não é possível o existir humano e Kant nos lembrará de que o dever é a forma de realização da lei moral, a necessidade de uma ação por respeito à lei e esta lei é o fundamento da vontade, da liberdade, que conduz e é conduzida pelo “esclarecimento”. Portanto, a “vocação do Estado” é o “direito das gentes” e deve ser o dever. Se os representantes do Estado afastam-se da realidade, afastam-se também das representações culturais e dos Direitos que se encontram diante do “dever”, e das ações pautadas por uma lei moral onde o “dever” é uma legalidade a ser cumprida como vocação do Estado. Se esse Estado está na direção de um Estado que se investe da legalidade para fazer valer seus interesses e não um Estado moral investido de legalidade, então o conflito é inevitável. 

A lei moral como vocação do Estado, é contraditório com a existência na sociedade “moderna” do Estado-mercado, do relativismo ético, moral, cultural, a sociedade das possibilidades infinitas, do tudo pode ser comprável, realizável, possível de transformar o imaginário em fatos do mundo; necessita retomar as falas e metáforas Kantianas, como reflexão de uma moral que possa reger o humano de forma ontológica, menos bárbaro, menos excludente. Um mundo onde haja uma marcha contra o “imperativo” do mercado, da indiferença, em que o dever ao fazer parte dos espíritos humanos, floresça por dever a correção moral. Kant, de forma brilhante pensou num mundo onde “agir de tal modo que a máxima de nossa ação possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”, colocou a possibilidade de transcender as patologias determinantes da vontade, ou seja, “age de tal modo que possa tratar sempre a humanidade, em tua pessoa, seja na do próximo, como um fim; não ti sirvas jamais disso como um meio”, que em nosso entender reveste os acontecimentos na Turquia:“Em lugar da prática, de que estes astuciosos estadistas se vangloriam, projetam práticas, quando só pensam em falar ao gosto do poder agora dominante (para não perder suas vantagens privadas), abandonando o povo, e quando possível o mundo inteiro, à maneira de verdadeiros juristas (de profissão, não de legislação) quando se elevam a ter pretensões políticas. Pois seu negócio não consiste em pensar sutilezas sobre a legislação, mas em executar os atuais mandamentos do código civil, e assim cada constituição legal agora existente, e se esta for modificada por uma instancia superior, a que se segue, deve ser sempre para eles a melhor; esta habilidade de nunca cair da sela lhes dá a ilusão de poder julgar os princípios da constituição de um estado segundo os conceitos do direito” (Paz Perpétua-p.138). Quando os homens afastam-se da realidade arrogam-se da possibilidade do conhecimento dos próprios homens, sem, contudo o conhecer, e ao fazerem uma passagem do direito público ao direito das gentes, tomba, pois seguem seus processos viciosos habituais. Quando os conceitos da razão vinculam-se a uma obrigação legal de acordo com os princípios da liberdade, é possível uma “constituição do Estado válida de direito”. Há que pontuar, como diz o artigo, que se ninguém viu a tempestade nascente tampouco deu a devida importância à centelha de Istambul é por que a forma como são cumpridos o direito público e o direito das gentes, já estavam em conflito tácito há muito tempo. O espírito deste Estado é então movido por inclinações que ferem os conceitos da razão, abstendo-se de fundar uma obrigação legal de acordo com os princípios da liberdade, que constitui o Estado de direito. Então como podem também “os homens conservarem a sua vida conforme o dever, mas não por dever”, se o dever existe como representação narcísica, e não como ontologia? As “máximas” e o “imperativo categórico” como uma possibilidade ao “esclarecimento”, pelo conhecimento do que o sujeito pensa ser,  para se representar nestes ou naqueles objetos constrói a possibilidade da liberdade, da finalidade, que é a boa vontade, a reta intenção. Pode-se falar aqui, como o “limite” da razão humana, que Kant sinalizou ao expressar que “a lei moral em seu recôndito e o céu estrelado sobre o ser” lhe enchiam o coração de admiração e de veneração sempre renovada. Percorrer os caminhos da razão e o céu estrelado é encontrar estados de substância inesgotáveis para o homem. A faculdade da razão possibilita ao homem a capacidade do pensamento, mas é a “razão crítica” pelo “esclarecimento” que transpõe o homem da condição da sobrevivência à condição de existência.

Referências
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação – na idade da globalização e da exclusão. 2002 Editora Vozes – Petrópolis
OLIVEIRA, Manfredo A. Ética e racionalidade moderna - Edições Loyola
KANT, Immanuel. Textos Seletos -Resposta a Pergunta: Que é “Esclarecimento”? 1787 Editora Vozes 1974
KANT, Immanuel. Textos Seletos – Sobre a Discordância entre a Moral e a Política a Propósito da Paz Perpétua - Editora Vozes 1974.   

2 de junho de 2013

Divisa - "Então ver-te-ei com os teus olhos"


Mais importante do que a ciência é o seu resultado,
Uma resposta provoca um centena de perguntas.
Mais importante do que a poesia é o seu resultado
Um poema invoca uma centena de atos heroicos
Mais importante do que o reconhecimento é o seu resultado
O resultado é dor e culpa
Mais importante do que a procriação é a criança
Mais importante do que a evolução da criação é a evolução do criador.
Em lugar de passos imperativos, o imperador.
Em lugar de passos criativos, o criador.
Um encontro de dois : olhos nos olhos,  face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos
E colocá-los-ei no lugar dos meus;
E arrancarei meus olhos
Para colocá-los no lugar dos teus;
Então ver-te-ei com os teus olhos
E tu ver-me-ás com os meus.
Assim, até a coisa comum serve o silêncio
E nosso encontro permanece a meta sem cadeias:
O Lugar indeterminado, num tempo indeterminado,
A palavra indeterminada para o Homem indeterminado.

Traduzido de 'Einladung zu einer Begegnung" por  J.L.Moreno , publicado em Viena, 1914.