Quando falamos
de repressão, remetemos ao texto de Freud, 1915. O que tem de importante nesse
texto? Podemos responder: tudo, mas ressaltamos a formação de substitutos, de
sintomas e afeto e o intricado movimento de retorno das representações. Então
teremos as expressões: repressão – defesa – sintoma. O que as desvela é a
resistência. Se há resistência há repressão. Falar em repressão é falar em
defesa, em sintoma, como o sujeito se organiza para existir no mundo. Embora o
termo defesa seja apropriado para os mecanismos utilizados pelo ego no sentido
de administrar os conflitos que possam desencadear sintomatologias, e
comprometam sua estrutura. Assim o mecanismo da repressão na neurose histérica,
na neurose obsessiva, nas psicoses, e na perversão, é diverso.
Na neurose
obsessiva ocorre o deslocamento da energia “emocional
da ideia do objeto”, na neurose histérica a “expulsão completa da ideia da
consciência”. Essa pressão que pode gerar ansiedade é uma força que impulsiona
à repressão, um impulso instintual. A ansiedade é impulsiva. Assim o impulso
instintual seja interno ou externo, vai encontrar no próprio sujeito muitas
resistências para torná-lo inoperante e isso se dá a custa de muito dispêndio de energia,
pois não há como fugir, “o ego não pode fugir de si próprio”. Vale a metáfora
“nós somos nossos próprios fantasmas”, ou seja, nós os criamos, nem que seja
pelo que vemos no outro de nós mesmos, na repetição especular da imagem
espelhar. A repressão é uma “saída” de uma situação, um conflito que causa
desprazer. No caso da dor, por exemplo, e não só a dor localizacionista,
física, mas o enigma da dor psíquica que se expressa fisicamente e muito pouco
estudada, toda a energia do organismo é dirigida para supressão da mesma, seja
através de medicamentos ou “distração mental”. Em relação à fome poderia ser
aceitável que na satisfação não há repressão, mas a saciedade nem sempre pode
funcionar se há outros mecanismos de compensação em que vigor, que demandam
satisfação através do alimento e que passam pelo processo da repressão. É dessa
forma que a satisfação de um instinto pode ser irreconciliável com outras
demandas, por isso que a repressão surge quando ocorre uma “cisão marcante entre
a atividade mental consciente e a inconsciente” (Freud, p.152). Manter
longe determinadas demandas que chegam ao consciente é necessário que o
processo de repressão, de retirada da consciência se dê. Mas antecede a esse
mecanismo o movimento psíquico de diferenciação entre o que é consciente e o
que é inconsciente, ou seja, a arquitetura psíquica está sempre processando a
repressão desde os primórdios de forma dinâmica a no mínimo, não causar grandes
danos. Se não for possível negar a entrada do conteúdo ideacional, o
representante psíquico, no consciente, segue seu percurso sob vigilância.
Se a
dinâmica da estrutura psíquica facilitar a repressão, esta vai afetar também os
“derivados mentais”, sucessão de pensamentos que embora possam ter outra origem
entra em contato, por associação com o representante reprimido, ou seja, desde
o inicio do processo de repressão os conteúdos que vão sendo reprimidos, e ao mesmo tempo
estabelecendo ligação de atração com outros conteúdos também reprimidos, um
mecanismo semelhante ao processo das lembranças que falamos no artigo http://caminhosdapsiq.blogspot.com.br/2013/02/lembrancas-e-paranoia.html. A
repressão “não impede que o
representante instintual continue a existir no inconsciente, se organize ainda
mais, dê origem a derivados, e estabeleça ligações” (Freud, p.153 – 154).
Uma vez afastado do consciente, represado e frustrado, sentir-se-á mais livre
para se desenvolver nos recônditos intricados do psiquismo e muitas vezes
assumindo novas formas extremas que retornarão no sentido da satisfação,
representando ameaças maiores ao
ego. O mecanismo é ao mesmo tempo intrincado e inteligente. Quanto mais
afastado os derivados dos conteúdos ideacionais estiverem do representante
reprimido, seja pelas distorções que sofreu, ou por grande número de ideias
intermediárias, eles terão mais facilidade de acesso ao consciente. Por
associações eles burlam a censura e voltam ao consciente com aparência
diferente, possibilitando a expressão, elaboração e interpretação, através da
associação livre na análise.
O
interessante desse mecanismo que parece revestir-se do véu de Maya, como nas
lembranças para retornar ao consciente é o grande enigma da existência humana,
como se precisássemos sempre do véu de Maya. A questão é que por sucessivas
associações o sujeito inexoravelmente irá se deparar com a ideia inicial que
foi reprimida, o que é revelado pela resistência e assim repetir o movimento da
repressão. Esse delicado equilíbrio para manter a energia do inconsciente que
necessita de um grau de distorção, que pode ser leve, dos representantes
psíquicos e de sua distancia no tempo, é suficiente para alterar o resultado e
permite a eliminação da resistência do consciente. Nesse intricado jogo das
forças mentais o representante instintual pode sofrer modificação por situações
de prazer ou desprazer e aquilo que causaria desprazer vem causar prazer e a
repressão não se efetiva. Isso nos revela a mobilidade da repressão e o
dispêndio de energia e força para tal. Podemos pensar que funciona como as leis
da física: o reprimido pressiona para se tornar consciente, em busca da
satisfação, e o consciente em uma contrapressão o “empurra” de volta. Além da
possibilidade de saída seja no campo da neurose ou psicose, pelas associações,
ou pelo delírio e alucinação, há um movimento de economia da energia psíquica,
que deve ser preservado. Lembramos que o sono através dos sonhos possibilita
essa liberação.
A ativação
de um conteúdo reprimido pode dar-se pela quantidade de energia “investida”
pelas associações. O poder das associações é ilimitado e não é possível dizer
quando, onde e de que forma ocorrerão, mas uma vez que se depara com elas é
possível dar-lhes um destino. Mas existem conteúdos, ideias, que não são
reprimidos e seu destino depende de quantidade de energia psíquica que
mobiliza. Se mobilizar pouca quantidade de energia é possível até que permaneça
na consciência se isso não desencadear conflitos, o que desencadearia a
repressão. O mesmo processo ocorre com o conteúdo ideacional no inconsciente.
Dependendo de sua carga de energia pode enfraquecer ou fortalecer, seja em que
sentido for. Além da ideia como representante psíquico instintual, tem o que
Freud chamou como “quota de afeto”, ou seja, um instinto ao se afastar da ideia
e encontrar expressão em
sua plena carga de energia é sentido como afeto. A metáfora é mais ou menos
assim: “a diferença entre
ordenar a um hóspede indesejável que saia da minha sala de visitas (ou do meu hall de
entrada), e impedir, após reconhecê-lo, que cruze a soleira de minha porta”
(Freud, p.157), ou seja,
expulso o hóspede ou ignoro que o reconheci. Com o instinto é a mesma coisa ou
ele é suprimido pela repressão ou surge como afeto, ou transformado em
ansiedade. O objetivo da repressão é impedir desprazer, ansiedade, conflitos.
Os
derivados do reprimido e o reprimido possibilitam a formação de sintomas, e os deixam ao longo do
caminho da repressão, como resultado da própria repressão, onde “parcela
ideacional do representante”, tem acesso à consciência, através de uma formação
substitutiva. Um mecanismo intricado, mas necessário para manter a defesa e
salvar-se psiquicamente de si mesmo. A formação de substitutos e a formação de
sintomas significa um retorno do reprimido e esse retorno pertence a processos
complexos e diversos, da mesma forma que a “parcela ideacional do
representante” psíquico. Assim muitos são os mecanismos de formação de
substitutos. Se a mimetização da catexia, energia é um mecanismo da repressão
no sentido do retorno é por que demanda significação. Se esse retorno é uma indiferença, por exemplo, há retirada de
investimento do afeto. É possível que essa indiferença não seja bem sucedida, se não for
possível vincular-se a outros sintomas, então pode ocorrer sensação aflitiva, possibilitando a liberação de
ansiedade, de outros sintomas, como fobia, ou uma descarga física de natureza
sensorial ou motora. Se os traços desse retorno se dá na neurose histérica pela
conversão, na neurose obsessiva por uma regressão do impulso hostil pelos
objetos que ama, em uma luta interminável, nas psicoses pelo delírio e
alucinação e na perversão pela transgressão, há que interpretar os
significantes. Necessário ressaltar que não existem estruturas estáticas. São
dialéticas, densas em seus fenômenos e permeadas por muitos traços. Se a aparência
inicial da repressão é de êxito, é uma questão do tempo psíquico para que os
conteúdos ideacionais reapareçam. As ideias, emoções, desejos, desaparecidos,
retornam transformados seja como fobia, ansiedade social, moral, autocensuras.
É um retorno inevitável,
seja por quais mecanismos formulados e percorridos, com que demanda e força é
da subjetividade de cada sujeito.
Referência
FREUD, S. - REPRESSÃO (1915). Obras Completas de Psicanálise -
volume XIV. Rio de Janeiro, Imago-1996.