5 de junho de 2013

Ética e Cultura

Em nosso entendimento os recentes acontecimentos na Turquia, recoloca a questão do dever do Estado e das representações que os sujeitos elaboram de sua história. Pergunta-se de onde saiu o movimento, as insatisfações. Mas elas estavam todas lá, contidas nos subterfúgios ilusórios do Estado. Lembramos que haverá sempre uma vontade pulsante de percorrer os caminhos infinitos da razão e vê-la realizar-se de forma para além do tempo e do espaço, mesmo porque sem a razão, sem as representações dos sujeitos que estabelecem a lei, não é possível o existir humano e Kant nos lembrará de que o dever é a forma de realização da lei moral, a necessidade de uma ação por respeito à lei e esta lei é o fundamento da vontade, da liberdade, que conduz e é conduzida pelo “esclarecimento”. Portanto, a “vocação do Estado” é o “direito das gentes” e deve ser o dever. Se os representantes do Estado afastam-se da realidade, afastam-se também das representações culturais e dos Direitos que se encontram diante do “dever”, e das ações pautadas por uma lei moral onde o “dever” é uma legalidade a ser cumprida como vocação do Estado. Se esse Estado está na direção de um Estado que se investe da legalidade para fazer valer seus interesses e não um Estado moral investido de legalidade, então o conflito é inevitável. 

A lei moral como vocação do Estado, é contraditório com a existência na sociedade “moderna” do Estado-mercado, do relativismo ético, moral, cultural, a sociedade das possibilidades infinitas, do tudo pode ser comprável, realizável, possível de transformar o imaginário em fatos do mundo; necessita retomar as falas e metáforas Kantianas, como reflexão de uma moral que possa reger o humano de forma ontológica, menos bárbaro, menos excludente. Um mundo onde haja uma marcha contra o “imperativo” do mercado, da indiferença, em que o dever ao fazer parte dos espíritos humanos, floresça por dever a correção moral. Kant, de forma brilhante pensou num mundo onde “agir de tal modo que a máxima de nossa ação possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”, colocou a possibilidade de transcender as patologias determinantes da vontade, ou seja, “age de tal modo que possa tratar sempre a humanidade, em tua pessoa, seja na do próximo, como um fim; não ti sirvas jamais disso como um meio”, que em nosso entender reveste os acontecimentos na Turquia:“Em lugar da prática, de que estes astuciosos estadistas se vangloriam, projetam práticas, quando só pensam em falar ao gosto do poder agora dominante (para não perder suas vantagens privadas), abandonando o povo, e quando possível o mundo inteiro, à maneira de verdadeiros juristas (de profissão, não de legislação) quando se elevam a ter pretensões políticas. Pois seu negócio não consiste em pensar sutilezas sobre a legislação, mas em executar os atuais mandamentos do código civil, e assim cada constituição legal agora existente, e se esta for modificada por uma instancia superior, a que se segue, deve ser sempre para eles a melhor; esta habilidade de nunca cair da sela lhes dá a ilusão de poder julgar os princípios da constituição de um estado segundo os conceitos do direito” (Paz Perpétua-p.138). Quando os homens afastam-se da realidade arrogam-se da possibilidade do conhecimento dos próprios homens, sem, contudo o conhecer, e ao fazerem uma passagem do direito público ao direito das gentes, tomba, pois seguem seus processos viciosos habituais. Quando os conceitos da razão vinculam-se a uma obrigação legal de acordo com os princípios da liberdade, é possível uma “constituição do Estado válida de direito”. Há que pontuar, como diz o artigo, que se ninguém viu a tempestade nascente tampouco deu a devida importância à centelha de Istambul é por que a forma como são cumpridos o direito público e o direito das gentes, já estavam em conflito tácito há muito tempo. O espírito deste Estado é então movido por inclinações que ferem os conceitos da razão, abstendo-se de fundar uma obrigação legal de acordo com os princípios da liberdade, que constitui o Estado de direito. Então como podem também “os homens conservarem a sua vida conforme o dever, mas não por dever”, se o dever existe como representação narcísica, e não como ontologia? As “máximas” e o “imperativo categórico” como uma possibilidade ao “esclarecimento”, pelo conhecimento do que o sujeito pensa ser,  para se representar nestes ou naqueles objetos constrói a possibilidade da liberdade, da finalidade, que é a boa vontade, a reta intenção. Pode-se falar aqui, como o “limite” da razão humana, que Kant sinalizou ao expressar que “a lei moral em seu recôndito e o céu estrelado sobre o ser” lhe enchiam o coração de admiração e de veneração sempre renovada. Percorrer os caminhos da razão e o céu estrelado é encontrar estados de substância inesgotáveis para o homem. A faculdade da razão possibilita ao homem a capacidade do pensamento, mas é a “razão crítica” pelo “esclarecimento” que transpõe o homem da condição da sobrevivência à condição de existência.

Referências
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação – na idade da globalização e da exclusão. 2002 Editora Vozes – Petrópolis
OLIVEIRA, Manfredo A. Ética e racionalidade moderna - Edições Loyola
KANT, Immanuel. Textos Seletos -Resposta a Pergunta: Que é “Esclarecimento”? 1787 Editora Vozes 1974
KANT, Immanuel. Textos Seletos – Sobre a Discordância entre a Moral e a Política a Propósito da Paz Perpétua - Editora Vozes 1974.   

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