Em nosso
entendimento os recentes acontecimentos na Turquia, recoloca a questão do dever do Estado
e das representações que os sujeitos elaboram de sua história. Pergunta-se de
onde saiu o movimento, as insatisfações. Mas elas estavam todas lá, contidas
nos subterfúgios ilusórios do Estado. Lembramos que haverá sempre uma vontade
pulsante de percorrer os caminhos infinitos da razão e vê-la realizar-se de
forma para além do tempo e do espaço, mesmo porque sem a razão, sem as
representações dos sujeitos que estabelecem a lei, não é possível o existir
humano e Kant nos lembrará de que o dever é a forma de realização da lei moral,
a necessidade de uma ação por respeito à lei e esta lei é o fundamento da
vontade, da liberdade, que conduz e é conduzida pelo “esclarecimento”.
Portanto, a “vocação do Estado” é o “direito das gentes” e deve ser o dever. Se os representantes do Estado
afastam-se da realidade, afastam-se também das representações culturais e dos
Direitos que se encontram diante do “dever”, e das ações pautadas por uma lei
moral onde o “dever” é uma legalidade a ser cumprida como vocação do Estado. Se
esse Estado está na direção de um Estado que se investe da legalidade para
fazer valer seus interesses e não um Estado moral investido de legalidade,
então o conflito é inevitável.
A lei
moral como vocação do Estado, é contraditório com a existência na sociedade
“moderna” do Estado-mercado, do relativismo ético, moral, cultural, a sociedade
das possibilidades infinitas, do tudo pode ser comprável, realizável, possível
de transformar o imaginário em fatos do mundo; necessita retomar as falas e
metáforas Kantianas, como reflexão de uma moral que possa reger o humano de
forma ontológica, menos bárbaro, menos excludente. Um mundo onde haja uma
marcha contra o “imperativo” do mercado, da indiferença, em que o dever ao fazer parte dos espíritos humanos,
floresça por dever a correção moral. Kant, de forma
brilhante pensou num mundo onde “agir de tal modo que
a máxima de nossa ação possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma
legislação universal”, colocou
a possibilidade de transcender as patologias determinantes da vontade, ou seja, “age de tal modo que
possa tratar sempre a humanidade, em tua pessoa, seja na do próximo, como um
fim; não ti sirvas jamais disso como um meio”, que em nosso entender reveste os
acontecimentos na Turquia:“Em lugar da prática, de que estes astuciosos
estadistas se vangloriam, projetam práticas, quando só pensam em falar ao gosto
do poder agora dominante (para não perder suas vantagens privadas), abandonando
o povo, e quando possível o mundo inteiro, à maneira de verdadeiros juristas
(de profissão, não de legislação) quando se elevam a ter pretensões políticas.
Pois seu negócio não consiste em pensar sutilezas sobre a legislação, mas em
executar os atuais mandamentos do código civil, e assim cada constituição legal
agora existente, e se esta for modificada por uma instancia superior, a que se
segue, deve ser sempre para eles a melhor; esta habilidade de nunca cair da
sela lhes dá a ilusão de poder julgar os princípios da constituição de um
estado segundo os conceitos do direito” (Paz Perpétua-p.138). Quando
os homens afastam-se da realidade arrogam-se da possibilidade do conhecimento
dos próprios homens, sem, contudo o conhecer, e ao fazerem uma passagem do
direito público ao direito das gentes, tomba, pois seguem seus processos
viciosos habituais. Quando os conceitos da razão vinculam-se a uma obrigação
legal de acordo com os princípios da liberdade, é possível uma “constituição do
Estado válida de direito”. Há que pontuar, como diz o artigo, que se ninguém
viu a tempestade nascente tampouco deu a devida importância à centelha de
Istambul é por que a forma como são cumpridos o direito público e o direito das
gentes, já estavam em conflito tácito há muito tempo. O espírito deste Estado é
então movido por inclinações que ferem os conceitos da razão, abstendo-se de
fundar uma obrigação legal de acordo com os princípios da liberdade, que
constitui o Estado de direito. Então como podem também “os homens
conservarem a sua vida conforme o dever, mas não por dever”, se o dever existe como representação
narcísica, e não como ontologia? As “máximas” e o “imperativo categórico” como
uma possibilidade ao “esclarecimento”, pelo conhecimento do que o sujeito pensa
ser, para se representar
nestes ou naqueles objetos constrói a possibilidade da liberdade, da
finalidade, que é a boa vontade, a reta intenção. Pode-se falar aqui, como o
“limite” da razão humana, que Kant sinalizou ao expressar que “a lei moral em seu
recôndito e o céu estrelado sobre o ser” lhe
enchiam o coração de admiração e de veneração sempre renovada. Percorrer os
caminhos da razão e o céu estrelado é encontrar estados de substância
inesgotáveis para o homem. A faculdade da razão possibilita ao homem a
capacidade do pensamento, mas é a “razão crítica” pelo “esclarecimento” que
transpõe o homem da condição da sobrevivência à condição de existência.
Referências
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