Vivemos em
uma civilização hedonista, em que a concepção materialista do “aqui e agora”, o
sofrimento, a dor, é inaceitável e “todos estamos no mundo de férias, para ser
feliz, sem nenhuma vicissitude da vida em função das escolhas ou circunstancias
a que possamos estar envolvidos ou acometidos”. Assim fica mais difícil acolher
a própria dor, ser generoso para consigo próprio, e para com as dores do outro,
que não deixa de ser a própria dor; buscar ajuda e ser ajudado.
Na
civilização atual procuramos a dor, no corpo. Onde ela se manifesta. Possuímos
uma visão materialista, biologista e ao fazermos o percurso no psiquismo, damos
“meia volta” e interrogamos o corpo, como se fosse o único caminho possível. A
dor mesmo quando sinalizada no corpo, é sempre um enigma pela complexidade dos
significados e representações que possui. A relação de movimento e troca
psiquismo – corpo é inevitável e interdependente. Além da concepção filosófica,
metafísica, e psicológica do psiquismo (inconsciente, superego e ego), a
compreensão que no mundo humano se expressa também em um corpo, que apesar de
pensado simbolicamente, materializa seus efeitos. Há que integrar estes
saberes. Os avanços da ciência ainda não são suficientes, no sentido de
compreensão da dor psíquica, seja ela em que circunstancia da vida se dê: nos
hospitais, nos presídios, nos campos de refugiados, nas guerras, nas
catástrofes atmosféricas ou acidentes, no grande número de moradores de rua, em
sua maioria com grandes problemas de saúde mental, nas situações de pressão do
dia a dia.
Assim é que a dor de existir é
expressa em sintomas no corpo, quando os dispositivos de “natureza biológica”,
falham ao serem sobrecarregados. A falha dos dispositivos psíquicos e
biológicos é a dor, seja a enxaqueca, a diabete, o Alzheimer, o cálculo renal,
o colesterol, a dor na coluna, nos ossos, a pressão arterial, o câncer, a
depressão, o ódio, o preconceito, o medo daquilo que não representa ou ameaça o
narcisismo primário, as doenças mentais, a dependência de substancias
psicoativa e tantos outros sintomas, que serve para anestesiar, colocar um véu,
ou afastar-se da realidade. Se nosso instinto de defesa é pelo equilíbrio entre
a pulsão de prazer, de vida e de morte é porque temos sempre o instinto de
fugir da adversidade, da dor, pelo sintoma, e nesse mecanismo funciona o
sistema nervoso.
Há sempre
uma tendência contra o aumento da quantidade de pressão, que possa causar dor.
Seja em qual forma se apresente, se a quantidade de pressão é de ordem
psíquica, passa pelo feixe de neurônios, que compõe o corpo humano, se é física
em função de um “acidente”, há que ser elaborada na sua representação. São
caminhos que se cruzam e interdependem. A dor está sempre em busca de uma via
de descarga, que é sentida como desprazer. Esse é o mecanismo de defesa da vida.
A
lembrança de um evento traumático ao retornar é novamente energizada, por uma
nova percepção e desencadeia um estado igual ou semelhante ao da dor primeira,
pois o desprazer e a necessidade de descarga são inerentes à experiência da
dor, no afeto. A intensidade e frequência com que a lembrança retorna é
semelhante a de qualquer outra percepção. Assim o desprazer é liberado e ao mesmo
tempo transmitido internamente como marca mnêmica. Esse delicado mecanismo
utiliza-se do sistema neuronal e seus neurotransmissores.
A forma
como lidamos com a própria dor é a forma como lidamos com a dor do outro. Essa
relação espelhar, de similitude, implica na relação de prazer que se tem com a
dor. Se para um sujeito é possível ganhos secundários com a própria dor e essa
serve como forma de dissimulação e manipulação do outro é porque algo de
estrutura perversa sinaliza, que a dor do outro também é fonte de prazer. Então
fica mais difícil à relação com a lei e estruturas familiares patológicas e
nebulosas são mantidas.
Essa mesma dor, quando tratada no sentido de compreendê-la, interpretá-la,
implicar-se, estimula o sentimento de compaixão para consigo próprio e para com
o outro. Assim apazigua-se o próprio espírito e torna-se possível a construção
de relações mais sensíveis e facilitadoras de compaixão, do poder viver em paz,
apesar de, com e sem o outro.
Referência
FREUD, S. – A
DOR. Obras
Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.
FREUD, S. – A
EXPERIENCIA DA DOR. Obras
Completas de Psicanálise - volume I. Rio de Janeiro, Imago-1996.