16 de agosto de 2013

O Lugar da Mãe


“A antiga cidade grega de Éfeso na Ásia Menor, pela exploração de cujas ruínas, incidentalmente, tem-se de agradecer à nossa arqueologia austríaca, era especialmente célebre na antiguidade por seu esplêndido templo, dedicado a Artêmis (Diana). Os invasores jônicos — talvez no século VII antes de Cristo — conquistaram a cidade, que por muito tempo fora habitada por povos de raça asiática, e encontraram nela o culto de uma antiga deusa-mãe que possivelmente portava o nome de Oupis, e identificaram-na com Artêmis, deidade de sua terra natal. A prova das escavações mostra que, no decurso dos séculos, diversos templos foram erguidos no mesmo local em honra da deusa. Foi o quarto destes templos que foi destruído por um incêndio iniciado pelo louco Heróstrato, no ano de 356, durante a noite em que Alexandre, o Grande, nasceu. Ele foi reconstruído, mais magnífico que nunca. Com a afluência de sacerdotes, mágicos e peregrinos, e com suas lojas em que amuletos, lembranças e oferendas eram vendidas, a metrópole comercial de Éfeso poderia ser comparada à moderna Lourdes.”
“Por volta de 54 D.C, o apóstolo Paulo passou diversos anos em Éfeso. Pregou, realizou milagres e encontrou muitos seguidores entre o povo. Foi perseguido e acusado pelos judeus; separou-se deles e fundou uma comunidade cristã independente. Em consequência da disseminação de sua doutrina, houve uma queda no comércio dos ourives, que costumavam fazer lembranças do lugar sagrado — figurinhas de Artêmis e modelos do templo — para os fiéis e peregrinos que chegavam de todo o mundo. Paulo era um judeu estrito demais para deixar a antiga deidade sobreviver sob outro nome; rebatizou-a, como os conquistadores jônicos haviam feito com a deusa Oupis. Foi assim que os piedosos artesãos e artistas da cidade tornaram-se apreensivos quanto a sua deusa, bem como quanto a seus ganhos. Revoltaram-se e, com gritos infindavelmente repetidos, de ‘Grande é Diana dos Efésios!’, afluíram pela rua principal, chamada ‘Arcádia’, até o teatro, onde seu líder, Demétrio, pronunciou discurso incendiário contra os judeus e contra Paulo. As autoridades tiveram dificuldade em reprimir o tumulto, o que conseguiram pela garantia de que a majestade da deusa era inatingível e achava-se fora do alcance de qualquer ataque.”
“A igreja fundada por Paulo em Éfeso não lhe permaneceu fiel muito tempo. Caiu sob a influência de um homem chamado João, cuja personalidade apresentou aos críticos alguns difíceis problemas. Ele pode ter sido o autor do Apocalipse, que abunda em invectivas contra o apóstolo Paulo. A tradição o identifica com o apóstolo João, a quem o quarto evangelho é atribuído. Segundo este evangelho, quando Jesus achava-se na cruz, exclamou para seu discípulo favorito, apontando para Maria; ‘Eis tua mãe!’ E, a partir daquele momento, João dedicou-se a Maria. Desse modo, quando João foi para Éfeso, Maria o acompanhou, e, por conseguinte, ao lado da igreja do apóstolo de Éfeso, foi construída a primeira basílica em honra da nova deusa-mãe dos cristãos. Sua existência é confirmada a partir do século IV. Agora, mais uma vez, a cidade tinha sua grande deusa e, fora o nome, pouca modificação houve. Também os ourives recuperaram o trabalho de fazer modelos do templo e imagens da deusa para os novos peregrinos. A função de Artêmis, contudo, expressa pelo atributo de kovpotpoϕoç (Criadora de Meninos) foi transmitida a um Santo Artemidoro, que assumiu a proteção das mulheres em trabalho de parto.”
“Depois veio a conquista pelo Islã, e finalmente, sua ruína e abandono, devido ao rio sobre o qual ficava haver-se tornado entulhado de areia. Mas, mesmo então, a grande deusa de Éfeso não abandonou suas reivindicações. Em nossos próprios dias, ela apareceu como uma virgem santa a uma piedosa menina alemã, Katharina Emmerich, em Dülmen. Descreveu a esta sua viagem a Éfeso, os móveis da casa em que lá vivera e na qual morrera, o formato de seu leito, e assim por diante. E tanto a casa quanto o leito foram de fato encontrados, exatamente como a virgem os descrevera, e são mais uma vez a meta das peregrinações dos fiéis.”

A antiga cidade grega de Éfeso na Ásia Menor, hoje pertencente à província de Izmir na Turquia, nos deixa com seu legado desde o culto a deusa grega da lua, do parto, virgindade e protetora das meninas e a substituição do culto a Artêmis (Diana) pela deidade Oupis, outra deusa-mãe, a importância desse ser feminino protetor. O surgimento do cristianismo levou a substituição dos cultos, pois o homem necessita do divino, para sublimar seus instintos. E coube a Senhora mãe de Cristo essa divindade.
Nesse Breve Escrito de Freud, um recorte da história, nos coloca a reflexão dessa mãe sonhada; imaculada. Do lugar dessa mãe, que não é o lugar do pai ou do filho. Encontrar esse lugar não é tarefa fácil, foi assim que no mesmo contexto histórico, por ocasião da abertura do túmulo, relata um abade do Mosteiro dos Beneditinos, que João correu a frente, mas parou à entrada do túmulo, pois esperava Pedro, para que esse entrasse primeiro. Novamente temos a questão do lugar. João sabia que seu lugar era à entrada e o de Pedro era adentrar-se para primeiro constatar que o corpo não estava. A questão do lugar remete à questão da função de todas as relações humanas. O lugar do primogênito, do filho do meio, do filho mais novo, e de todos os parentes, remete, portanto a questão da lei.

Referência
FREUD, S.  – BREVES ESCRITOS – ‘GRANDE É DIANA DOS EFÉSIOS’(1911), Obras Completas de Psicanálise - volume XII. Rio de Janeiro, Imago - 1996.

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