O livro de Jaime Pinsky em "Porque Gostamos de História", traz a reflexão acerca da paixão de escrever, porque escrever é contar história em suas diversas formas, metodologias, intenções, desejos. É uma relação especular com o ego e com o outro. Escreve-se para si e para o outro.
“A História
não é como a estatística que, devidamente manipulada, diz o que queremos. Mesmo
assim há quem insista em torturá-la, exigindo que ela confesse crimes que não
cometeu”.
“Por que gostamos de
História?”
“Para um historiador é sempre agradável
constatar a simpatia com que as pessoas comentam sua atividade: "Puxa, se
eu não fizesse Medicina, faria História", ou "adoro livros de
História", ou "eu adorava as aulas de História no colégio", e
ainda "deve ser gostoso fazer pesquisa histórica". Claro, pode ser
que as gentes estejam apenas querendo agradar ao exercerem a proverbial
cordialidade brasileira. Contudo, convenhamos, fica difícil imaginar as frases
equivalentes dirigidas a profissionais como, por exemplo, economistas,
advogados ou dentistas. De modo que tendo a acreditar na sinceridade dos
brasileiros nesse particular, mesmo porque a declaração de amor à História vem
respaldada por números muito expressivos de venda de livros da área, escritos
ou não por historiadores de ofício. Se acrescentarmos às obras especificamente
históricas os romances históricos, as biografias e, ainda, a
"militária" (livros sobre estratégias, guerras e guerreiros), veremos
que o setor é muito querido e repete por aqui o sucesso que tem conquistado em
muitos outros países”.
“Dois motivos parecem explicar a popularidade
dos livros de História. O primeiro é que temos enorme curiosidade em saber de
onde viemos, onde estão nossas raízes familiares, étnicas, nacionais,
culturais. Visitar e compreender o passado é uma tentativa de nos entendermos
melhor, de buscar - nem sempre com sucesso - explicações sobre o aqui e agora.
"Sou assim porque tenho sangue espanhol", ou "é tradição entre
os mediterrâneos valorizar mais o filho homem", ou ainda "somos os
herdeiros do povo do livro" são constatações de caráter supostamente
histórico que teriam por função nos situar como agentes históricos. O mundo
ocidental tem, no mínimo, sérias dúvidas sobre uma suposta vida depois da
morte, desistiu de responder a uma das inquietações vitais do ser humano:
"para onde vou?" Resta-lhe o consolo de, pelo menos, tentar explicar
de onde vem”...
“O outro motivo é explicado, ou melhor, foi
explicado pelo dramaturgo grego Sófocles, há 25 séculos. Ele dizia que, de
todas as maravilhas do mundo, o homem é a mais interessante para os próprios
seres humanos. De fato, nós nos percebemos espelhando-nos nos outros: ao
utilizar o próximo como referência é que podemos medir nossa inteligência ou
estultice, nossa beleza ou falta de graça, nossa habilidade ou falta de jeito.
Olhar e ver outros seres humanos, verificar como estão vivendo, como se
organizam socialmente, quais os tabus que respeitam, qual o papel que
desempenham os velhos, as crianças, as mulheres em diferentes sociedades, tudo
isso nos fascina. Será que aquele povo encontrou uma forma política mais
eficiente que a nossa? Quem sabe aquele outro achou deuses mais benevolentes e
eficazes que os nossos? Adoramos civilizações antigas, devoramos livros sobre
egípcios (de então, não de agora), gregos (idem), hebreus, romanos (idem,
idem). Por vezes, até o leitor se atrapalha e confunde povos que de fato
existiram e sobre os quais temos provas documentais com outros que se originam
da imaginação de espertalhões”.
“Além de tudo, os bons livros de História têm
uma... história. As narrativas, os processos, estabelecem conexão entre os
episódios. Desde a infância, gostamos de boas histórias; por que não gostar
daquelas, por assim dizer, verdadeiras?”
“Claro que o mundo está cheio de falsos
historiadores (dentro e fora da universidade), aqueles que partem de uma tese
pronta e vão buscar apenas os argumentos que a comprovam, rejeitando, no
processo investigativo, todos os documentos que poderiam contradizer seu ponto
de partida. É aquela história de "se os fatos negarem minha teoria, pior
para os fatos". Por meio de manipulação do acontecido pode-se provar
qualquer coisa e até o contrário dessa coisa. Esse método tem sido muito usado
para se "provar" superioridade nacional, racial e de gênero. Tem sido
usado para se "provar" direitos territoriais. Tem sido usado para
desqualificar e mesmo ridicularizar heróis, desde que não sejam os
"nossos". Daí a necessidade de os leitores, amantes da História,
tomarem certas precauções com relação à origem das "verdades" que
encontram e reproduzem. A internet, assim, genérica, não é fonte. Mesmo quando
os textos são apresentados com assinaturas que parecem confiáveis. Não apenas
nossos textos são apropriados indevidamente na web, como as pessoas nos
atribuem afirmações que nunca fizemos. Operar uma crítica de fontes é, pois,
fundamental”.
“De resto, nada como se assegurar da formação
do suposto historiador. Não, não é preciso fazer curso de História para
publicar livros, mas é preciso ser rigoroso no que se pesquisa e responsável no
que se escreve para ser confiável. Do contrário, serão apenas histórias da
carochinha”.
O livro reflete a realidade de como se lida com os fatos. Em
tudo que escrevemos, seja a que área pertence o saber profissional ou pesquisa
há que contextualizarmos o momento cultural, social, político, econômico e
principalmente a subjetividade do autor. Não é possível escrever sem se
implicar, não existe a ciência neutra, imparcial. A história do processo
“civilizatório” deu-se em grande medida sob o imperialismo da dominação
cultural, onde o mundo chamado civilizado coopta a essência de outra cultura.
Foi assim a relação entre os civilizados e os chamados povos bárbaros. É assim
a relação entre ocidente e oriente, em que dessacraliza as culturas orientais
para tornar seus arcabouços filosóficos, “científicos” nos moldes ocidentais,
ou fazer uma leitura da filosofia oriental, retirando sua essência,
transformando-a em um objeto de consumo. As construções cientificas estão
sempre articuladas, politicamente, seja de que forma for. Podemos lembrar
também, as questões em torno do DSM V e do uso da Ritalina em crianças e
adolescentes. A questão é a quais interesses correspondem. No que diz respeito
à subjetividade, há que lembrarmos para além do politicamente articulado, os
aspectos da subjetividade em questão: a estrutura de defesa do pesquisador, seu
funcionamento, seu narcisismo, sua relação com o prazer, sua lei interna, e
tudo que o compõe. Assim não há verdades absolutas, imparciais, e os
“imperativos categóricos” estão submetidos às circunstancias históricas que os
determinam, ou seja, no processo de evolução da humanidade e humanidade aqui,
no sentido de um Ser Humano, mais humano, mais ético e menos materialista e com
maior capacidade de sublimação de seus instintos primários.
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