Muitas são as questões “novas” que se apresentam para a clínica
psicanalítica, a cada instante. Falar de fetiche nos tempos atuais parece
banal, corriqueiro, mas essa forma de se relacionar com o outro, com a vida,
sempre esteve presente na história da humanidade. O fetiche sempre esteve
presente como um objeto animado ou inanimado, feito pelo homem ou produzido
pela natureza, ao qual se atribui poder sobrenatural e se presta culto. Muitos
filósofos falaram sobre o tema, mas Karl Marx e Freud aprofundou a
compreensão sobre o fetiche. Marx discorre em sua obra “O Capital” que a
mercadoria, quando concluída, não mantinha o seu valor real de venda, seu
“valor de uso”, ou seja, da quantidade de trabalho contida e sim adquire um
valor de venda irreal, perdendo sua relação com o trabalho, isso é o que Marx
chama de “fetiche da mercadoria”. O homem trata os produtos (sapatos,
bolsas, roupas, eletrônicos, mídias, automóvel, etc.) com adoração. Assim os
produtos deixam de ter sua utilidade e passa a ter um valor simbólico, quase
divino. Não se compra o produto real, mas a subjetividade representada no
produto. Assim tudo aquilo que se constitui em um objeto pode vir a ser um
fetiche.
Na sociedade do marketing neurológico, onde se fala do neuro-marketing,
ou seja, fala-se na criação de produtos que possuem valor subjetivo, não
importando o valor de uso, ou a quantidade de trabalho nele inserida, potencializa
o fetiche. Há que se pensar no sujeito cujas demandas internas em suas
relações, necessita que os objetos possuam um valor simbólico de prazer mítico
envolvido. O prazer é alcançado mediante o deslocar para outro objeto que
o da sua finalidade. Esse deslocamento ocorre porque a experiência de prazer
nos primeiros anos da infância deixou marcas, que são potencializadas,
valorizadas pela cultura e deslocadas para outros objetos. É fato que o objeto
“escolhido” como fetiche, em geral, apresenta diferenças entre homens e
mulheres. Do ato de cheirar, o nariz enquanto fetiche, muito comum entre os
animais, a “origem do fetichismo do pé”, é o movimento de um deslocamento, que
pode significar “os órgãos genitais da mulher”.
Diante do mecanismo da repressão, onde não foi possível simbolizar a
falta, a castração, o deslocamento para outros objetos facilita a vida sexual.
O fetiche rememora ao prazer das primeiras experiências infantis, na medida em
que é uma substituição das mesmas, das primeiras descobertas da sexualidade,
principalmente no que diz respeito aos órgãos sexuais masculinos e femininos.
Assim sapatos, pés, carros, roupas e tantos outros objetos de uso, que assume
um valor simbólico quase divino, pode ser uma forma de substituição da falta
fálica, que representa o órgão sexual masculino mercadologicamente explorado na
sociedade capitalista. Como a questão fálica diz respeito a energia da
sexualidade e não a um órgão específico, desloca-la a um órgão ou objetos é
sempre fonte de conflitos internos entre o ego e superego. O fetiche pode ser
uma forma de proteção, acomodação a “ameaça de castração”, e de escolhas
sexuais, que podem trazer conflitos. Como o significado do fetiche só é
conhecido pelo próprio sujeito “é facilmente acessível e pode prontamente
conseguir a satisfação sexual ligada a ele”, enquanto outros “têm de implorar e
se esforçar”, pelo seu prazer, “pode ser tido (obtido) pelo fetichista sem
qualquer dificuldade”. Para que algo seja tomado como objeto de fetiche é
necessário que um fragmento da realidade interna do inconsciente induza o ego a
se desligar de um fragmento de realidade em função de um objeto que o
represente, no caso, o fetiche. No fetiche está-se diante da angústia da
castração. Muitos são os exemplos na história que poderíamos citar, mas Freud
nos lembra de que o costume chinês de mutilar o pé feminino e depois
reverenciá-lo como um fetiche é uma forma de “agradecer à mulher por se ter
submetido a ser castrada”.
Essas complexas questões nos traz as reflexões de nossa subjetividade e
das dificuldades na busca do equilíbrio ao qual todos temos que “dar conta”.
Assim as questões novas da psicanálise, muitas vezes, não passam de antigas
questões da existência humana, com novas roupagens, às vezes não tão
novas assim, como a interrogação que retorna sobre a existência do
inconsciente. É um retorno de algo recalcado. A questão é quando isso é tema de
uma conferência e não de uma pesquisa. É um fetiche.
Referência
FREUD, S. - FETICHISMO
(1927). Obras Completas de Psicanálise - volume XXI. Rio de Janeiro,
Imago-1996.
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