20 de abril de 2014

Pensando a estrutura tonal do inconsciente...


Muito se fala sobre musica e terapia, ou a música enquanto instrumento terapêutico. Quando pensamos em o inconsciente e a música, há que lembrarmos de que a tonalidade exerce uma influência pouco estudada. Confúcio acreditava que a boa música poderia ajudar a aprimorar o caráter do homem. Disse ele:
“A música do homem de espírito nobre, suave e delicada, conserva um estado d’alma uniforme, anima e comove. Um homem assim não abriga o sofrimento nem o luto no coração; os movimentos violentos e temerários lhe são estranhos. Mais do que isso: uma vez que os indivíduos são os materiais básicos de construção da sociedade, a música também poderia afetar nações inteiras, melhorando-as ou piorando-as”.

No filme Atravessando a Ponte (O som de Istambul) – Fatih Akin faz um percurso pelo mundo dos sons e começa por citar Confúcio: “Se alguém desejar saber se um reino é bem ou mal governado, se a sua moral é boa ou má, examine a qualidade da sua música, que lhe fornecerá a resposta. Para se entender a cultura de um lugar você precisa ouvir a música que é feita ali”.
Como diz  “a musica sempre conta tudo sobre o lugar. Istambul é uma ponte cruzada por 72 nações”. A interessante fala de Orham Gencebay de que “na música ocidental são usados os compassos 2/4, 3/4, 4/4 em grupos de 3, por exemplo: 12/8 fica: 3, 3, 3... 3, 3, 3... 3, 3, 3... na Turquia usa-se o compasso 5/8: 1, 2... 1, 2, 3... é o que chamam de “acento turco”.  1, 2... 1, 2... 1, 2... 1, 2, 3... divide-se em 9 tempos. O ocidente é limitado em termos de sons, porque não olha os sons do mundo”. Questão interessante, pois o oriente não se desvincula da concepção filosófica que permeia a Ásia que são os escritos de Confúcio e Lao Tsé, como se compreende os números e dessa forma como se divide as tonalidades de forma que mantém a harmonia da melodia no sentido da harmonia psíquica e espiritual. Importante ressaltar que a música no oriente é emotiva, fala de sentimentos, que o ocidente  compreende em uma concepção materialista. É certo que a música confere uma emoção diferente às vivências, imagens. Como se estas adquirissem mais força. Fica a interrogação: Quais as tonalidades musicais do psiquismo? Transcende a cultura?

17 de abril de 2014

Feliz Pesach, Paska, Pascae


Fertilidade
Passagem,
Ressurreição,
Esperança de vida nova.
Vida nova a toda a humanidade!
Vida nova a cada Alma!

16 de abril de 2014

O Desenlace da Constelação Familiar na Escuta Analítica

“A constelação – por que não, no sentido que dela falam os astrólogos? -, a constelação original que presidiu ao nascimento do sujeito, ao seu destino e quase diria à sua pré-história, a saber, as relações familiares fundamentais que estruturam a união dos pais, mostra ter uma relação muito precisa, e talvez definível por uma formula de transformação, com o que aparece como o mais contingente, o mais fantasístico, o mais paradoxalmente mórbido de seu caso, a saber, o último estado de desenvolvimento de sua grande apreensão obsedante, roteiro imaginário a que chega como se fosse à solução da angústia ligada ao desencadeamento da crise. A constelação do sujeito é formada na tradição familiar pelo relato de um certo número de traços que especificam a união dos pais”... (Lacan, p.19)

Apropriada fala de Lacan, pois desde os estudos freudianos naquilo  que ele denominou “a construção da história do sujeito”, que os estudos referentes ao psiquismo “navegam em águas turbulentas” sem encontrar “um porto em que possa atracar” e pesquisar. A escuta analítica é tão complexa, que transcende o inconsciente, a livre associação, uma vez que a teia de relações da história do sujeito, com sua arquitetura inconsciente é como um emaranhado, onde desejo, lembranças, recalque, resistência, afinidades, tradições, enlaçam o sujeito no sentido de que este não se desprenda e encontre seu desejo, sua essência, sua autonomia, sua identidade, seu caminho. Encontrar “por assim dizer” o “fio da meada” é uma tarefa para a fenomenologia ou para a metafísica. O materialismo enquanto teoria do conhecimento, “não dá conta dessa questão”, do desenlace da constelação familiar do sujeito, na compreensão e resinificação de sua história, sem precipitar-se na biologia e no dilema mente-corpo.

Referência
LACAN, Jacques - O Mito Individual do Neurótico – Jorge Zahar Editores, 2008

5 de abril de 2014

Poesia - Então...


Ausência...  imensa...
tão grande, que dói...
uma dor “sem fim”...
não posso ver você...
uma dor que não cessa...
como se respirar não fosse possível...
então, peregrina... a  procura dos similares...
espero sua imagem... que está em mim...
do lugar, do tempo...
difícil ser estrangeira....
viver em lugares... com almas.... que não amam...
sem lugar para descansar...
difícil ser estrangeira...
andar por caminhos... sem ver você...
difícil ser estrangeira...
viver “sozinha”... solidão d’alma...
profunda dor... .
difícil ser estrangeira...
encarcerada.... sem poder voar...
encontrar sua imagem...
Myriam’aya

4 de abril de 2014

Reflexões sobre Comoção Psíquica - Trauma

Para falar sobre trauma, há que nos lembramos do excelente filme “Separados pelo Destino”, baseado no romance “Aftershock” de Zhang Ling e dirigido por Feng Xiaogang. Não vamos aqui fazer uma análise da subjetividade que envolve seus personagens na tragédia, mesmo por que “sobreviver é apenas o começo”. Vários estudiosos pensaram na concepção de trauma. Freud em seus diversos escritos utilizou essa concepção, mas ao estudar a sexualidade infantil implicou o sujeito em sua história e de certa forma retira da expressão “trauma” a concepção de um sujeito que não se implica, seja pelo masoquismo ou pelo sadismo. Ferenczi, amigo estimado de Freud, centra muito dos seus estudos na questão do trauma. O trauma é então tido como um “choque”, “é equivalente à aniquilação do sentimento de si, da capacidade de resistir, agir e pensar com vistas à defesa do si mesmo” (p. 125). Ocasiona um impacto psíquico, que faz também seu sintoma no corpo e um impacto no corpo, pois para a preservação de si mesmo os órgãos reduzem suas atividades. É então que surge a expressão “comoção psíquica”, ou seja, o trauma é então semelhante a algo que desmorona, desagrega. Ocorre de forma “imprevista”. Quando algo “parecia” seguro, desmorona e a confiança nas pessoas, situações, é abalada. Os noticiários enfatizam as diversas tragédias humanas, sejam no âmbito familiar, da sociedade, nos países ou na natureza. Vivemos na sociedade da insegurança, do medo e da ameaça. Assim é como se “de repente”, algo pudesse inesperadamente causar uma comoção física, psíquica. Há sempre uma reação de defesa, pois o corpo e o psiquismo possuem sempre estruturas de defesa, sejam quais forem. Como diz Ferenczi, “até a minhoca se empina”. Mesmo diante da morte os órgãos lutam até a última de suas forças para viver, para evitar o choque, a comoção, que inexoravelmente virá.

Diante dessa maior comoção psíquica e física, que é a morte, muitos sentimentos que a antecipam ainda permanecem no plano da vida material. Muitos relatam que teriam dedicado mais tempo aos amigos, à família, que teriam trabalhado menos, viajado mais, teriam feito o trabalho que sonharam, mas difícil alguém expressar, que teria amado mais do que odiado, teria servido mais do que exigido, teria tido menos ressentimentos, teria buscado o autoconhecimento, teria disputado menos, teria ajudado mais, teria procurado ser mais justo, teria sido menos vaidoso, arrogante. Teria sublimado mais os impulsos e instintos primitivos, teria sido mais fiel aos princípios e virtudes, mesmo os que não estivessem na moda. Teria buscado uma vida com mais sublimidade espiritual. Não teria machucado ninguém, magoado. Teria tido tempo para sempre ouvir e uma palavra amiga confortadora. Teria tido compreensão e compaixão para com todos.

Assim diante de uma comoção psíquica a angústia é inevitável. Como não é possível uma imediata transformação do mundo circundante, é possível uma representação, uma “reação substitutiva” em relação a uma mudança futura num sentido favorável. É o que de certa forma faz com que se suporte o desprazer. Fugir das lembranças, do sofrimento mudo, através de lugares ou representações é um alento para evitar a autodestruição. E “o mais fácil de destruir em nós é a consciência, a coesão das formações psíquicas numa entidade: é assim que nasce a desorientação psíquica” (Ferenczi, p.127). A desorientação psíquica possibilita um escape do sofrimento, suspende a percepção possibilitando a junção de alguns fragmentos de princípio de prazer.

Todo esse mecanismo de defesa funciona no sentido de barrar a inevitável angústia traumática, que possibilita o medo da loucura. Essa configuração é visível nas pessoas que são vítimas de manias de perseguição. Elas tentam proteger-se de perigos que imagina acontecer consigo ou com seus afetos, através de um sentimento de onipotência, de tudo “poder destruir” ou evitar. Em relação aos traumas que acontece na mais tenra idade, há por parte dos adultos uma  exigência a criança, no sentido dela ser capaz de conviver com a situação traumática seja por uma atitude heroica ou pelo silêncio, que a aliena dos significados do ocorrido e de suas possibilidades de reelaboração e ressignificação. É função da análise abrir caminho e percorrer esses labirintos do inconsciente, de forma articulada com os sintomas. Fica a sugestão:  “Separados pelo Destino”.
Referência
FERENCZI, Sándor – PSICANÁLISE IV (1928). Obras Completas – São Paulo, Martins Fontes, 2011


https://www.youtube.com/watch?v=3yFbdrNlw2U 

3 de abril de 2014

O Autoconhecimento e a Clínica em Psicologia

“Para tais pessoas, a utilização de uma terminologia mitológica ou folclórica com referência a fatos psicológicos é inteiramente "anticientífica".
Com este preconceito as pessoas barram o próprio acesso à Psicologia e o caminho para um ulterior desenvolvimento do homem interior cujo fracasso intelectual e moral é uma das mais dolorosas constatações de nossa época. Quem tem alguma coisa a dizer, fala em "dever-se-ia" ou em "seria preciso", sem reparar que lastimosa situação de desamparo está ele, assim, confessando. Todos os meios que recomenda são justamente aqueles que fracassaram. Em sua compreensão mais profunda, a Psicologia é autoconhecimento. Mas como este último não pode ser fotografado, calculado, contado, pesado e medido, é anticientífico. Mas, o homem psíquico, ainda bastante desconhecido, que se ocupa com a ciência é também "anticientífico" e, por isso, não é digno de posterior investigação? Se o mito não caracteriza o homem psíquico, então seria preciso negar o ninho ao pardal e o canto ao rouxinol. Temos motivos suficientes para admitir que o homem em geral tem uma profunda aversão ao conhecer alguma coisa a mais sobre si mesmo, e que é aí que se encontra a verdadeira causa de não haver avanço e melhoramento interior, ao contrário do progresso exterior”.
JUNG, C. G. -  A NATUREZA DA PSIQUE (Prefácio) - Obras Completas, Volume VIII/2 5ª Edição - Editora Vozes, Petrópolis, 2000

Essa reflexão de Jung nos traz uma breve reflexão da clínica em psicologia na atualidade. Procurar ajuda psicológica é difícil, pois a noção de incapacidade, “autonomia”, o narcisismo, vaidade, a arrogância são impeditivos de resistência. Quando muitas vezes essa demanda acontece, ou seja, a busca terapêutica para um sofrimento psíquico, os valores vigentes na sociedade de consumo são expressos como se essa busca terapêutica fosse um produto de prateleira, onde assim que ocorre o acolhimento a escuta, os sintomas se atenuam, a ansiedade e angústia reduz, abandona-se o percurso terapêutico, pois o sofrimento foi minorado. A clínica em psicologia revela esse sintoma de consumo da sociedade atual. Exige-se competência, experiência, espaço terapêutico confortável, a um custo de R$15,00 a R$ 20,00 por sessão, e contraditoriamente a visão de que esse valor diz respeito a inexperiência dos profissionais, validado pelas universidades em nome do que se chama de “clínica social”. Mas alcançar a nota do curso exigida pelo MEC (ENADE) é uma articulação de valor de mercado, onde não existe uma articulação com a política de saúde mental, tão pouco com o compromisso e competência dos profissionais. Há que lembrarmos não fosse as incursões de Lacan, permanece, desde Breuer, Jung, Freud, um abismo na articulação teórico-prática. A ideia que se tem é de uma clínica conceitual. Repetem-se os conceitos como se isso revelasse o domínio teórico-prático. Diagnóstico diferencial, não se fala. Recorre-se ao DSM. Se as clínicas de psicologia universitárias, não dão conta da demanda e terceiriza profissionais recém-formados por valores incompatíveis para se manter as despesas de um consultório, o profissional vai sobreviver de que? Será que estamos diante da chamada terceirização dos profissionais de psicologia em clínica? Assim os cursos não valorizam os profissionais que formam. Essa lógica que cerca esses serviços, em psicologia, não considera o número de pacientes que frequentam e não pagam as consultas, o número de pacientes que marcam e não comparece, o número de pacientes que não comparecem. Tão pouco articula suas razões clínicas. Há os psicólogos que mantém uma sala alugada e tem poucos pacientes, podendo cobrar acima da tabela do CRP, pois possuem outras fontes de rendimentos (Empregos). Os profissionais que fazem opção pelo mestrado/doutorado dedicam-se a academia ou ao Serviço Público. As estatísticas de psicólogos que sobrevivem da clínica é trabalharem 14 horas por dia de segunda a sábado. Em relação aos que trabalham com operadoras de saúde  necessitam atender pelo menos 10 pacientes por dia para sobreviverem. Esse é apenas um levantamento superficial com alguns profissionais sobre as dificuldades da clínica em psicologia, que está bem longe do glamour propalado por profissionais, instituições e universidades. A realidade é de muito estudo, dedicação, trabalho extenuante. Onde fica a trilogia análise pessoal-supervisão-estudo? De glamour não tem nada, a não ser a fantasia e o marketing dos cursos e de profissionais que não precisam da clínica para sobreviver.